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15/05/2024 - 11h21

Enchentes no Sul: a lição que chegou tarde demais


Fonte: A Tribuna On-line / Ricardo Pupo Larguesa*
 
Tragédia poderia ter sido evitada ou minimizada com preparação adequada da população e sistemas de alerta mais eficazes
 
Os recentes alagamentos no Rio Grande do Sul revelaram não apenas a vulnerabilidade da região a eventos climáticos recorrentes, mas também falhas críticas na administração pública e no sistema de prevenção de enchentes. A tragédia poderia ter sido evitada ou pelo menos minimizada com uma gestão mais eficiente, preparação adequada da população e sistemas de alerta mais eficazes. Segundo informações recentes, as falhas no sistema antienchente de Porto Alegre, combinadas com a falta de manutenção e desatualização dos equipamentos, contribuíram significativamente para o desastre, independentemente das mudanças climáticas. O despreparo da população e a ausência de alertas tempestivos pioraram a situação, levando a uma tragédia que deixou inúmeras famílias desabrigadas e causou danos incalculáveis.
 
Eu atendo operadores portuários na região Sul, incluindo o Tecon Rio Grande, que ainda está sofrendo com as consequências desta tragédia, e o Tecon Itajaí, uma região já conhecida por seus frequentes problemas de enchentes. Itajaí, historicamente conhecida pelos indígenas como “terra da água”, sempre enfrentou desafios significativos relacionados às inundações. O conhecimento ancestral sobre as inundações de Itajaí deveria ser suficiente para destacar a necessidade de um planejamento adequado e de soluções tecnológicas modernas para enfrentar esses desafios.
 
Enchentes e alagamentos, além dos indescritíveis prejuízos humanos, trazem inúmeros problemas para as operações portuárias, complicando ainda mais a situação dos residentes e afetando negativamente a logística e o comércio tanto a nível nacional quanto global. A interrupção das operações pode causar atrasos significativos no transporte de mercadorias, aumentar os custos operacionais e prejudicar a reputação dos portos como pontos de logística confiáveis. Além disso, as comunidades locais sofrem com a perda de empregos, danos às infraestruturas e o impacto ambiental causado pelos resíduos e contaminantes transportados pelas águas das enchentes.
 
Para evitar problemas decorrentes de enchentes e alagamentos, diversas tecnologias podem ser implementadas. No curto prazo, sistemas de drenagem inteligentes que utilizam sensores para monitorar e gerenciar o fluxo de água em tempo real são essenciais. No médio prazo, a construção de barragens e diques ajustáveis pode oferecer uma defesa eficaz contra enchentes. Há menos de um ano, as mesmas cidades foram afetadas por enchentes e houve discussões sobre investimentos em barragens e até represamento para operação de uma hidrelétrica, mas o assunto foi esquecido muito rapidamente.
 
A longo prazo, a implementação de infraestrutura verde, como parques e telhados verdes, e o uso de tecnologias de previsão climática avançada podem reduzir significativamente os riscos de inundações. Sistemas de alerta e comunicação eficientes também são fundamentais para garantir a segurança das comunidades portuárias, permitindo uma resposta rápida e coordenada em caso de emergência. Há muitas possibilidades e já passou da hora desses investimentos serem levados a sério.
 
Com essa tragédia, fica evidente a necessidade de investimentos contínuos em tecnologias de prevenção de desastres naturais. O conhecimento ancestral deve ser valorizado e integrado às soluções modernas para criar um sistema de gestão de riscos robusto e eficaz. A experiência do Rio Grande do Sul serve como um alerta para outras regiões portuárias e destaca a importância de estarmos preparados para futuros eventos climáticos extremos. Porto Alegre sofreu com enchentes fortíssimas em 1941 e 1967, levando a cidade a investir em sistemas de contenção das cheias dos rios Guaíba e Gravataí. Mas esses sistemas falharam miseravelmente por falta de manutenção. Infelizmente, o poder público parece viciado num sistema de gestão que só se preocupa com investimentos cujo retorno possa ser mensurado nos ciclos curtos de eleição. Contudo, os maiores problemas demandam soluções de longo prazo.
 
Embora os desafios sejam grandes, há esperança de que, com inovação e planejamento, possamos garantir operações portuárias seguras e eficientes e, principalmente, proteger nossas comunidades. E é preciso ser resiliente em tempos assim. Que a reconstrução do Rio Grande do Sul seja uma oportunidade para a reconstrução também da mentalidade do brasileiro.
 
*Ricardo Pupo Larguesa, engenheiro de computação, sócio-fundador da T2S, professor e pesquisador na Fatec Rubens Lara