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31/10/2023 - 12h10

Divulgado o relatório do caso Ever Given


Fonte: A Tribuna On-line / Eliane Octaviano*
 
Porta-contêineres encalhou no Canal de Suez em março de 2021 e provocou prejuízos econômico e comercial
 
O porta-contêineres Ever Given encalhou em 23 de março de 2021 no Canal de Suez, um dos pontos mais estratégicos do transporte marítimo no Egito, que liga o mares Vermelho e Mediterrâneo, representando 12% do comércio mundial. O Ever Given, com seus quase 400 metros de comprimento, 53 metros de largura e peso de 224 mil toneladas, havia saído da China com destino a Roterdã, na Holanda, e transportava cerca de 20 mil contêineres.
 
De propriedade da empresa japonesa Shoei Kisen Kaisha, foi afretado e operado pela Evergreen Marine, que tem sede em Taiwan, tendo como porto de registro a Cidade do Panamá, arvorando, portanto, a bandeira panamenha. O encalhe provocou um congestionamento de mais de 400 embarcações e o tráfego em Suez só foi normalizado em 29 de março, após a remoção do porta-contêineres. Não houve incêndio, poluição ou vítimas, apenas os prejuízos econômico e comercial.
 
Em julho deste ano, a Autoridade Marítima do Panamá divulgou um relatório sobre o acidente. O documento foi elaborado pelo Departamento de Investigação de Assuntos Marítimos da Diretoria Geral da Marinha Mercante. O relatório objetiva valorizar a importância da intervenção em situações perigosas, identificar as causas que levaram ao incidente e compreender como evitar que novas ocorrências. Apresenta ainda relevantes recomendações para a tripulação, a companhia e a Autoridade do Canal.
 
Em termos gerais, o acidente foi atribuído a condições meteorológicas e fatores humanos, citando-se a perda de capacidade de manobra do navio. Nos termos do relatório, aponta-se que, no dia do encalhe, a visibilidade era normal, porém quando o navio iniciava o ingresso no Canal de Suez, houve um aumento da velocidade do vento na região. A velocidade máxima deveria ser de 8,6 nós (15 km/h), mas o Ever Given estava a 13 nós (24 km/h), inadequada para a travessia.
 
O relatório indica que não foram avaliadas as condições meteorológicas adversas no momento da entrada no Canal de Suez nem aplicadas medidas preventivas diante das condições meteorológicas adversas. Velocidade, inclinação e mudanças na direção do vento contribuíram para a perda de manobrabilidade do navio.
 
Em termos de SMS (sistema de gerenciamento de segurança), a empresa estava em dia (horas de descanso e trabalho) e em conformidade com a Convenção do Trabalho Marítimo (Convenção OIT 186, adotada pelo Brasil em 2021, tanto para navios grandes quanto para pequenos) e a STCW 78 (Convenção e Código de Instrução, Certificação e Serviço de Quarto para Marítimos, de 1978). Fadiga e álcool foram excluídas como possíveis causas do incidente, mas concluiu-se que o comandante do navio não foi diligente.
 
O documento também aponta que as regras de navegação do Canal de Suez disponíveis a bordo do navio eram de 2015, desatualizadas, pois na época do acidente estava em vigor o regramento de 2020. Segundo as regras do canal, os navios mercantes com mais de 160 mil toneladas deveriam ser acompanhados por dois rebocadores em zona estreita. O Ever Given não estava acompanhado de nenhum.
 
Outro fator relevante é que havia dois práticos a bordo, cientes de que as regras de navegação disponíveis estavam desatualizadas. Eles divergiram sobre como o navio deveria ser conduzido no canal. O relatório menciona nove decisões de navegaçãoque contribuíram para o encalhe, dentre as quais se destaca o fato dos práticos não terem solicitado ajuda de rebocadores nem realizarem a avaliação de posição do navio, sendo citada também a comunicação destes em árabe, o que teria afetando a compreensão e possível intervenção pelo comandante.
 
*Eliane Octaviano Martins, jurista e diretora da Maritime Law Academy - MLAW