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06/09/2023 - 11h29

Capitalismo humanista no trabalho portuário


Fonte: A Tribuna On-line / Lucas Rênio*
 
Relevância do trabalhador portuário para o bom desempenho da logística brasileira é inegável
 
Os extremismos oprimem a sociedade. Esta, entre a cruz e a espada, fica em meio a uma batalha ideológica contraproducente. Polarizações atrapalham o progresso econômico, o desenvolvimento social e a estabilidade jurídica, em nada contribuindo para a satisfação das necessidades básicas da população. Na seara das relações trabalhistas, a Constituição Federal seguiu um caminho de harmonização ao instituir os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa como fundamentos da República e da ordem econômica nacional. Os dois institutos encontram-se no mesmo patamar, em simbiose, interdependentes. Nossa Lei Maior preceitua, ainda, que o desenvolvimento econômico deve estar alicerçado nos "ditames da justiça social".
 
Em 2022, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) adotou oficialmente o seguinte lema: "o Tribunal da Justiça Social". Esse conceito personifica um idealde harmonização das relações trabalhistas, com foco no desenvolvimento sustentável e promoção do trabalho decente. Em 2008, devido à 97ª sessão da Conferência Internacional do Trabalho, foi adotada aDeclaração da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Justiça Social para uma Globalização Justa.
 
Aliás, o Dia Mundial da Justiça Social é comemorado em 20 de fevereiro. Não se trata de uma ideologia liberal, comunista ou socialista. Inexiste lado: nem para a direita nem à esquerda. O que se prega é uma aliança entre o crescimento econômico e a efetivação dos direitos sociais, assegurando-se que nenhum ser humano fique para trás, desassistido. As relações de trabalho ocupam papel estratégico na busca por esse equilíbrio. Ao mesmo tempo em que o capitalismo gera lucro e riqueza para os empreendedores em geral, ele também deve ser um catalisador de oportunidades decentes de trabalho, com remuneração justa e fomento ao progresso social.
 
Tudo isso pode ser traduzido, com muita fidelidade, através da ideia de capitalismo humanista que é difundida pelo professor Ricardo Sayeg. Sem uma diretriz salomônica, como o capitalismo humanista, só restarão a revolução e a luta entre capital e trabalho. É inaceitável que num mundo com economia pujante haja pessoas miseráveis e exploradas. Nessa mesma diretriz, é inconcebível, no âmbito de um porto gerador de riquezas, queexistam trabalhadoresem situação de precariedade.
 
A relevância do trabalhador portuário para o bom desempenho da logística brasileira é inegável. Aliás, é sempre oportuno lembrar que os portuários se mantiveram firmes durante a pandemia, cumprindo corajosamente seu papelsocial e contribuindo para a obtenção de recordes, sem paralisar as operações. Os terminais e operadores portuários, por sua vez, têm realizado investimentos com efeitos disruptivos na melhoria das condições de trabalho.Desde que a exploração econômica das operações portuárias foi liberalizada, com o fim do monopólio das Companhias Docas a partir da Lei Federal 8.630/1993, o número de acidentes de trabalho caiu vertiginosamente.
 
A gestão do trabalho avulso se tornou mais democrática e eficiente, eliminando problemas que existiam atémesmo quanto à satisfação de verbas básicas para os avulsos (TPAs), como férias e 13º. Quanto ao aspecto remuneratório, mais especificamente para os portuários vinculados (contratados pela CLT), a média dos salários básicos se apresenta superior ao índice geral nacional. Pesquisas apontam que a média salarial dos brasileiros gira entre dois e três salários mínimos.
 
Nas operações de contêineres do Porto de Santos, por exemplo, o salário inicial para estivadores se situa acima dessa média, na casa dos cinco salários mínimos. Para operadores de equipamentos guindastescos, como transtêineres (RTG) e portêineres (STS), o salário-basevaria dentro da faixa de cinco a sete salários mínimos. Essa média salarial básica é acompanhada por benefícios que vão além dos direitos gerais assegurados pela CLT: vale-alimentação (que em alguns casos é de R$ 1 mil, aproximadamente), plano de saúde, assistência odontológica, prorrogação das licenças maternidade e paternidade, auxílio-educação, auxílio-creche, previdência privada, complementação de benefício previdenciário, PLR, seguro de vida etc.

*Lucas Rênio - Sócio da Advocacia RMM - Pós-graduado em Direito do Trabalho pela USP e PUC-SP - Presidente da Com. de Direito Portuário da OAB-Santos - Membro da Com. de Direito Marítimo e Portuário da OAB Nacional (Representando SP)