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03/08/2023 - 11h05

Estado Democrático de Direito e combate ao crime organizado


Fonte: O Estado de S. Paulo - Blog do Fausto Macedo / Por Antonio Carlos da Ponte*
 
O trágico episódio ocorrido no Guarujá, litoral de São Paulo, envolvendo o jovem soldado das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (ROTA), Patrick Bastos Reis, de 30 anos, tem causado comoção e levantado questões sobre a segurança pública na região. Patrick foi assassinado com um tiro disparado à longa distância, aparentemente por um atirador de elite a serviço do crime organizado, enquanto realizava patrulhamento regular. Ele deixou esposa e um filho de apenas 3 anos.
 
O fato em si, de indiscutível gravidade, evidencia que o enfrentamento à criminalidade organizada deixou de ser mera opção estatal ou manifestação tímida de política criminal, mas uma necessidade premente que exige resposta pronta e imediata, sempre dentro dos limites da lei e com a intenção de restaurar a ordem pública severamente atacada.
 
Não há espaço para omissão ou construção de narrativas que se afastem do grave evento verificado e de seu contexto: a morte de um policial que exercia seu mister em área há muito dominada e comandada pelo crime organizado.
 
O fato é que há tempos vem sendo travada uma intensa batalha contra o tráfico de drogas no litoral de São Paulo. O avanço do crime organizado na Baixada Santista e a luta por domínio territorial têm contribuído para o aumento da violência na região do Guarujá. A proximidade com o Porto de Santos, que serve como rota para o escoamento de drogas ao exterior, torna o local atrativo para grupos que almejam expandir sua influência no tráfico.
 
Recentes apreensões de grandes quantidades de cocaína no porto de Santos pela Polícia Federal evidenciam a seriedade do problema enfrentado pelas autoridades na luta contra o narcotráfico, que se apresenta como um desafio constante e persistente.
 
Daí porque, de acordo com noticiários, o Governo do Estado de São Paulo agiu prontamente para restabelecer a ordem, que já vinha sendo severamente afetada, e para refutar a equivocada ideia de que o crime organizado pode impor limites e escolher áreas como excluídas ou imunes à atuação estatal. A ação rápida e imediata era esperada e necessária, dada a gravidade da situação enfrentada.
 
Combater a criminalidade organizada não é tarefa fácil, pois exige a atuação conjugada de diversos atores, mormente aqueles que integram o sistema de Justiça.
 
Enquanto a criminalidade organizada age sem limites, o Estado não só tem compromisso inquebrantável com a observância destes, mormente os de índole constitucional, como também não pode descurar de sua obrigação de garantir a segurança e tranquilidade das pessoas, especialmente as mais humildes e hipossuficientes.
 
Equilíbrio, firmeza e respeito à lei é o que se espera da atuação estatal, que não pode se intimidar diante da ação inescrupulosa da criminalidade organizada, que não se combate com narrativas construídas a partir da falaciosa ideia de que o Estado, como regra, age fora da lei e em desrespeito aos direitos humanos.
 
A criminalidade organizada é um desafio sério que requer resposta eficaz e enérgica do Estado e da sociedade. A abordagem deve ser equilibrada e firme na repressão aos criminosos.
 
Não se deve olvidar, contudo, que ação enérgica e imediata do aparato estatal, que não pode quedar-se inerte frente a tão grave quadro, submete-se a limites e controle. É importante que a sociedade, juntamente com as autoridades, busque soluções efetivas para enfrentar o crime organizado e, ao mesmo tempo, assegure o respeito aos direitos humanos e a integridade dos cidadãos, incluindo os próprios policiais que arriscam suas vidas em prol da segurança pública.
 
O combate ao narcotráfico e à criminalidade organizada, que se apresenta não poucas vezes como modalidade de "criminalidade sem rosto", exige a comunhão de esforços das diferentes esferas de poder e adoção de medidas próprias de um direito penal que deve ser prospectivo e estratégico, ou seja, voltado para o futuro, e não apenas reativo e retrospectivo.
 
Nesse contexto, o Ministério Público emerge como um dos principais atores, não só por ser constitucionalmente responsável pelo controle externo da atividade policial, mas também por exercer com exclusividade a titularidade da ação penal pública. Sua ação demanda protagonismo, isenção, comedimento e responsabilidade.
 
Os patrocinadores e autores da execução de um agente estatal não podem ficar impunes, assim como a organização criminosa que os sustenta deve ser desmantelada, garantindo a integridade e a manutenção do Estado Democrático de Direito. Na mesma linha, excessos por parte dos agentes da lei não podem ser admitidos ou tolerados.
 
Competirá ao Ministério Público, por intermédio do exercício de suas atribuições constitucionais e respeito ao devido processo legal, no momento oportuno, garantir o primado da dignidade da pessoa humana, com a certeza de que processo penal garantista é aquele que está a serviço da cidadania e democracia.
 
*Antonio Carlos da Ponte é procurador de Justiça, membro do Conselho Superior do Ministério Público de São Paulo e professor de Direito Penal da PUC-SP e Uninove