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19/07/2023 - 11h23

O técnico que sofre do sistema imunológico psicológico


Fonte: A Tribuna On-line / Maxwell Rodrigues*
 
Embora nos preparemos para sentir conforto em situações com as quais discordamos, uma parcela pode fazer a diferença.
 
No futebol brasileiro, é comum os cartolas terem ideias absurdas. Já se pensou até em proibir a troca de técnicos nos clubes brasileiros por decreto. Alguns dizem que isso é autoritarismo, outros não. É evidente que o futebol brasileiro paga um preço alto pelos clubes mudarem de treinador como trocam de camisa. Traçando um paralelo com o mundo político, alterar o comando de ministérios importantes é bom ou ruim? Quem mantém o técnico geralmente tem mais chance de ser campeão (veja o exemplo recente do Palmeiras com Abel Ferreira). Mas isso deve acontecer por filosofia e não por um decreto autoritário.
 
Nesta semana, ventilou-se a possível troca do ministro Márcio França, por interesses do Governo Federal em uma aproximação com o Centrão. Já iremos trocar o técnico com menos de sete meses de governo? O que deu errado? Além disso, a notícia será aceita pelo setor portuário? Muitos comemoraram a chegada de pessoas de nossa região aos postos do Ministério de Portos e Aeroportos e em tão pouco tempo já teremos mudanças? Qualquer gestor precisa de tempo para mostrar seu trabalho e a troca deve ser feita com base no resultado que foi entregue ou não.
 
Normalmente um clube que não tem resultado imediato acaba demitindo seu treinador. Mas essa é a melhor solução? A culpa é do técnico ou dos jogadores? O Porto de Santos bate recordes de movimentação e sempre continuará assim. Ocorre que, hoje, as maiores dificuldades estão nas suas vias de acesso e nos serviços necessários para melhoria do fluxo e escoamento das cargas.
 
A agenda da atual administração começou com o tão sonhado túnel, de forma acertada. E o próximo compromisso deverá acompanhar as demandas portuárias: melhoria da relação com o cidadão e com as cidades, sinalização, melhoria dos acessos, aumento de capacidade e movimentação de cargas com maior valor agregado. Todos nessa ordem e com todo o setor convicto disso. Mas por que temos a facilidade em deixar nossas convicções de lado? O que hoje é convicção irá se transformar em rejeição?
 
Pesquisas indicam que temos apreço por nossas opiniões, mas isso não significa que nossas crenças sejam eternas. Somos mais inconstantes do que pensamos. A crença de que um ministro, um secretário e deputados federais e estaduais da nossa região resolveriam de vez os problemas portuários apontados mudou?
 
A pesquisadora Kristin Laurin, da Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá, investiga como os objetivos e as motivações das pessoas interagem com suas crenças e ideologias – na política, religião ou sobre a natureza do mundo. Laurin diz que racionalizamos tudo aquilo que nos faz sentir de mãos atadas. É como se liberássemos espaço do cérebro para continuar com nossas vidas, ponderando que, no fim das contas, não é tão ruim assim. Ela compara esse mecanismo a um "sistema imunológico psicológico". Mas o nosso viés cognitivo nos deixa mal ao prever como vamos nos sentir emocionalmente em relação a determinados eventos que podem acontecer no futuro.
 
Uma equipe da Universidade de Harvard, nos EUA, realizou dezenas de experimentos mostrando que, quando imaginamos acontecimentos futuros, esperamos o pior dos eventos ruins e o melhor dos bons. A dificuldade é que, quando simulamos na cabeça um acontecimento negativo, temos a tendência de considerar apenas as piores partes. E nada está tão ruim que não possa piorar. Com mudanças de rota, sabemos que projetos estruturantes, que no Brasil já demandam tempo demasiadamente, irão demorar mais a ocorrer. Enquanto isso, apesar de nossas convicções, estamos retornando ao universo de especulações e ajustes políticos em meio à necessidade da tão conhecida “governabilidade”.
 
Enquanto especulamos se algo grave ou bom vai acontecer, não conseguiremos resolver absolutamente nada e nossas vidas não serão transformadas. Seremos as mesmas pessoas ou o porto que somos hoje. Vamos tentar encontrar o lado bom em todas as situações. Mas será que sempre as indicações políticas serão prioridade ao invés do que é necessário ao setor que movimenta um terço da balança comercial brasileira? Vamos novamente achar que está tudo bem? Embora estejamos preparados para nos sentirmos confortáveis com situações com as quais discordamos, uma pequena parcela pode fazer a diferença. Ela existe?
 
Podemos racionalizar aquilo que é difícil de mudar, mas uma vez que uma parcela crítica e apoia uma causa, pessoas param de racionalizar o status quo, sentem que pode fazer a diferença porque não estão sozinhas e começam a fazer campanhas por mudanças. Não sabemos definitivamente se o comando vai mudar ou não, sabemos que como está não dá para ficar! Mas, quando a gente não consegue mudar algo, fazer as pazes com o mundo pode ser uma parte importante para o nosso bem-estar. Deixa como está!
 
*Maxwell Rodrigues, executivo e apresentador do Porto 360°