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12/06/2023 - 12h57

Sistemas tecnológicos comunitários, um exemplo à gestão condominial


Fonte: A Tribuna On-line / Angelino Caputo*
 
Um novo debate chegou ao Porto de Santos a partir da assunção do novo governo: a possibilidade de se implantar um modelo condominial para a gestão dos serviços de infraestrutura de interesse comum dos usuários do porto, caracterizados como zeladoria pelos novos gestores. Partindo-se da máxima de que é o olho do dono que engorda o gado, nada melhor do que os próprios interessados cuidarem, por exemplo, da dragagem e do asfaltamento das vias vizinhas aos seus terminais. Além disso, sem visar lucro por parte de condomínio, esses serviços poderiam operar em níveis bastante razoáveis de tarifas e taxas para os condôminos.
 
Porém, quando se aprofunda na discussão da modelagem desse possível condomínio, surge uma série de dúvidas que podem até mesmo inviabilizar sua implantação, caso não se obtenha um consenso. Quem será o síndico? Quem deve estar obrigatoriamente no condomínio? Serão aceitos condôminos optativos? Quais os reais poderes deliberativos do condomínio? Como serão as regras para rateio dos custos e priorização das obras? E os mecanismos para solução de conflitos? Está mais do que evidente que uma discussão profunda precisa ser feita.
 
Mas talvez a observação de outros modelos semelhantes ao condomínio possa servir de inspiração para o debate em questão. O Sindicato dos Operadores Portuários do Estado de São Paulo (Sopesp) já fez um exercício onde propunha a gestão condominial do canal de navegação do Porto de Santos, incluindo os serviços de dragagem, batimetria, sinalização e balizamento.
 
Um outro exemplo bem-sucedido de gestão coletiva de serviços comuns é a própria Abtra, associação onde atuo atualmente como diretor-executivo. A entidade, atualmente com 34 anos de atuação, nasceu da necessidade de se criar processos e sistemas tecnológicos para agilizar o controle aduaneiro e a liberação das cargas de importação, aumentando a disponibilidade das áreas portuárias e retroportuárias para mais cargas.
 
Hoje, essa comunidade de empresas portuárias se reúne em torno dos interesses comuns de suas associadas e mantém em operação 11 sistemas tecnológicos que contribuem com a eficiência operacional do Porto de Santos como um todo. Existe um estatuto social, uma Assembleia Geral, um Conselho de Administração e equipes executivas e operacionais que mantêm os resultados desejados, mesmo que as associadas possuam sérias divergências fora da associação, por exemplo, a eterna discussão sobre o SSE (THC-2). A união de interesses e as regras bem definidas criam, dentro da associação, um ambiente saudável e colaborativo naquilo que é de interesse comum dessa coletividade.
 
Na prática, os 47 associados, que nessa analogia equivalem aos condôminos, usufruem de muitas vantagens exclusivas que outras empresas fora da associação não têm acesso. Para ilustrar essa situação vou usar como exemplo apenas um dos 11 sistemas mantidos pela Abtra de forma coletiva. Trata-se do Confere (Conferência Física Remota), sistema oferecido tanto à Receita Federal como para o Vigiagro para que os fiscais não necessitem se deslocar até os recintos alfandegados para realizarem a vistoria das cargas. As inspeções são feitas remotamente, utilizando-se as câmeras dos próprios terminais, que transmitem suas imagens para os órgãos fiscalizadores.
 
Criado em 2017 pelos próprios associados, que são os reais proprietários dessa ferramenta, em parceria com a Alfândega de Santos, hoje o Confere possui um custo operacional mensal de R$ 44.515,18. Como ele é utilizado por 21 associados da Abtra, cada um paga um rateio mensal, sem lucro para a associação, de apenas R$ 2.119,77, num benefício exclusivo de estar participando de um modelo associativo similar a um condomínio. E se o número de usuários dobrar, o valor do rateio individual cai pela metade, pois o custo operacional continuará o mesmo. Por isso, vale a pena estudar a gestão condominial da zeladoria do Porto de Santos. Quem sabe exemplos como esse não possam sair de lá!
 
*Angelino Caputo é diretor-executivo da Associação Brasileira dos Terminais e Recintos Alfandegados (Abtra)