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15/05/2023 - 11h49

Investimentos em dragagem


Fonte: A Tribuna On-line / Caio Morel*
 
As encomendas de novos navios já contratados e em construção indicam 319 entregas para 2023 e 263 entregas para 2024, de acordo com a Alphaliner
 
Existe uma tradição no mercado de construção de navios porta-contêineres de que sempre que o setor tem um bom ano de lucros, muitos novos navios são encomendados. E as encomendas de novos navios já contratados e em construção indicam impressionantes 319 entregas para 2023 e 263 entregas para 2024, de acordo com a Alphaliner. O fato confirma esta tradição do setor, visto que os anos de 2021 e 2022 foram os mais lucrativos da história deste segmento, o mais sofisticado e o que mais investe no setor de transporte marítimo.
 
Os novos navios em construção são, massivamente, navios da classe denominada ULCS (ultra large container ships), navios porta-contêineres de 366 a 400 metros de comprimento e capacidade de transportar mais de 14.000 TEU. Estes novos navios serão imediatamente colocados em serviço, ocasionando a desmontagem de navios menores, com o objetivo de balancear os mercados de oferta e demanda.
 
Este movimento traz muita apreensão aos terminais de contêineres brasileiros, pois poucos de nossos portos já estão equipados para receber navios destas dimensões, que poderão ser deslocados para o mercado - e para o nosso mercado brevemente. Óbvio que se nossos portos que movimentam contêineres não puderem receber estes navios, isso diminuirá a competitividade de nossos produtos, pois estarão sujeitos a fretes mais elevados para sua colocação nos mercados internacionais.
 
A dragagem de aprofundamento para a cota de menos 17 metros é a principal providência necessária para recebermos estes navios ULCS e também a que demanda maior investimento para sua execução. Outras providências são também necessárias, todas elas, entretanto de menor complexidade e custo. A boa notícia é que já temos, para os dois maiores complexos portuários do Brasil em movimentação de contêineres, orçamento para estas obras, que inclusive já passaram pelo crivo do Tribunal de Contas de União (TCU), nos processos de proposta de desestatização das Autoridades Portuárias encaminhadas na gestão anterior.
 
Para o Porto de Santos, o valor estimado das obras de aprofundamento para a cota de menos 17 metros e a operação de navios de até 400 metros de comprimento foi de R$ 897 milhões. Também foi estimado o valor necessário para as obras de melhorias do acesso terrestre e ferroviário: R$ 664 milhões. Para o Complexo Itajaí-Navegantes, em Santa Catarina, segundo maior do país em movimentação de contêineres, o valor previsto para obras necessárias a operação do navio de 400 metros de comprimento, incluindo a nova bacia de evolução, foi de R$ 513 milhões.
 
Estes investimentos, modestos em relação ao enorme benefício a ser proporcionado para a economia brasileira e seu comércio externo, podem ser realizados imediatamente pela União, por meio do Ministério de Portos e Aeroportos, com total respaldo no nosso marco legal, a Lei Federal 12.815/2013, que em seu Capítulo VIII estabeleceu o Programa Nacional de Dragagem Portuária e Hidroviária II, a cargo da Secretaria Nacional de Portos, hoje Ministério de Portos e Aeroportos, marco legal que completa dez anos em 2023.
 
A execução de um programa nacional de dragagem de aprofundamento em nossos portos, a cargo da União, será congruente com o sistema adotado nos portos mais importantes da Europa e dos Estados Unidos, onde o governo, diretamente ou por meio das autoridades portuárias públicas, executa os programas de dragagem de aprofundamento, quer diretamente, por meio da concessão de financiamento de longo prazo, pois não podemos confundir investimento em aprofundamento (que deve ser amortizado ao longo dos anos) com dragagem de manutenção, que deve ser executada com verbas tarifárias.
 
Recentemente, em audiência pública na Comissão de Infraestrutura e Desenvolvimento Regional e Turismo do Senado, o ministro de Portos e Aeroportos nos lembrou sobre a possibilidade de utilização de recursos do Fundo de Marinha Mercante (FMM) para o financiamento de obras portuárias, o que se tornou possível a partir da edição da Lei Federal 14.301/2022, chamada de BR do Mar.
 
O FMM já tem sido usado para financiar órgãos públicos, notadamente a Marinha do Brasil, podendo, portanto, financiar as Autoridades Portuárias públicas para realizarem investimentos em dragagem de aprofundamento nos portos brasileiros. Informou ainda o ministro que o FMM sofreu um saque contingencial de R$ 46,86 bilhões na administração passada, valor este que deve ser devolvido ao FMM. De qualquer forma, o FMM gera recursos que não estão sendo utilizados por não existirem novos projetos aprovados, sendo que apenas no primeiro trimestre deste ano o fundo já arrecadou mais de R$ 900 milhões, disponíveis em caixa.
 
*Caio Morel é consultor técnico da Associação Brasileira de Terminais de Contêineres (Abratec)