Artigos e Entrevistas
10/04/2023 - 11h25

Pierdomenico quer projeto piloto de gestão condominial em Santos


Fonte: BE News
 
Na primeira parte de sua entrevista exclusiva ao BE News, o secretário nacional de Portos fala sobre planos para o setor, a determinação de não haver desestatizações das autoridades portuárias e os processos de nomeação das novas diretorias dos complexos marítimos
 
Há cerca de um mês no cargo, o secretário nacional de Portos e Transportes Aquaviários, do Ministério de Portos e Aeroportos, Fabrizio Pierdomenico, já tem definidas algumas das principais ações para a pasta. E entre elas, está repassar para a iniciativa privada a gestão de acessos aquaviários, ferroviários, rodoviários dos complexos marítimos, enfim, dos serviços considerados como de zeladoria, que não são funções de Estado. Mas cada porto terá sua sua situação avaliada, para saber que atividades podem ser concedidas e o modelo a ser adotado, garante Pierdomenico, em entrevista exclusiva ao BE News, realizada no último dia 4, horas antes de sua participação na abertura do Norte Export 2023 – Fórum Regional de Logística, Infraestrutura e Transportes, promovido pelo Brasil Export em Manaus (AM). O secretário já tem algumas propostas que serão estudadas, como implantar um condomínio portuário para cuidar da gestão do canal do Porto de Santos (SP) ou repassar à iniciativa privada toda a zeladoria de Itajaí (SP). Economista de formação e há 20 anos atuando no setor, primeiro como diretor do Porto de Santos e subsecretário da Secretaria Especial de Portos da Presidência da República e, depois, como consultor da área, ele deixa claro que não haverá desestatizações de autoridades portuárias, mas reconhece que há pontos no setor que devem ser melhorados. Também fala sobre as indicações políticas para as direções dos portos e como estão sendo desenvolvidos os processos de nomeação. Confira a primeira parte da entrevista com Fabrizio Pierdomenico a seguir. E leia a segunda parte, em que trata sobre projetos para o Porto de Santos, na edição de segunda-feira.
 
Secretário, o Governo Lula já completou três meses e se aproxima da marca dos 100 dias de gestão. E o Ministério de Portos e Aeroportos ainda não mostrou com clareza o que planeja para os portos. Assim, quais os projetos, os planos da pasta para o setor portuário?
 
Bom, primeiro, o Governo tem três meses, mas eu não completei ainda um mês de nomeação. Fui nomeado no dia 3 e tomei posse no dia 6 de março. Então vai fazer um mês no dia 6 de abril (a entrevista foi feita no dia 4 de abril). O que nós já desenvolvemos nesse período: primeiro, temos uma visão muito clara de que a questão portuária é uma questão de estado, não uma questão de governo. Então, é preciso entender a linha do tempo do setor portuário, de como vem se desenvolvendo, desde a Lei 8.630, passando pela 12.815, pela criação da Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários, o órgão regulador do setor, instituída em 2002). A gente tem uma linha do tempo e, independente do governo, você tem uma linha coerente de desenvolvimento do setor. Então, a primeira coisa é essa: a gente, na Secretaria Nacional de Portos, tem essa visão. O setor portuário é de longo prazo. Assim, o primeiro objetivo claro, o que já é uma política pública para o setor portuário, é que a Secretaria Nacional de Portos vai continuar sendo uma secretaria técnica, liderada por um técnico, que sou eu, e que terá seus diretores, todos eles de carreira. São funcionários de carreira ocupando lugares estratégicos, justamente para manter a memória, para manter o conhecimento (do setor) dentro da máquina pública. Então essa é a primeira sinalização da nossa política pública para o setor portuário. Temos lá três diretores que são de carreira, que são experientes, conhecidos da comunidade portuária. Não há surpresa. Então eu já tenho uma política pública sinalizada de que o setor portuário será liderado, conduzido, articulado de forma técnica. A segunda questão não é técnica, mas política.
 
Sobre desestatizar ou não as autoridades portuárias?
 
Sim. Temos uma nova orientação política. Nós não queremos a desestatização do setor portuário. O ministro (de Portos e Aeroportos) Márcio França entende que a autoridade portuária será e precisa ser pública. Há funções de Estado que são inerentes à autoridade portuária e elas são indelegáveis ao setor privado, principalmente quando a gente pensa no papel do porto público como instrumento e ferramenta de desenvolvimento estratégico da economia. Há os TUP (terminais de uso privado). E eles são importantes, mas um TUP tem um fim em si mesmo, que é um negócio que tem que ser rentabilizado para aquele investidor. O porto público nem sempre tem que ter esse olhar.
 
Seu objetivo é prestar um serviço público.
 
Ele presta um serviço público. Ele é um instrumento de desenvolvimento. Mercadorias que poderiam ser rejeitadas em qualquer TUP, porque tem uma baixa movimentação, mas tem um alto valor agregado no interior, na indústria, elas precisam do porto público para ter a sua forma de exportar. Quando você tem um porto como negócio, você quer maximizar resultado, você busca lucro. Então um TUP quer maximizar o resultado. Mas um porto público não necessariamente precisa maximizar resultado para ele, mas ele precisa maximizar resultado para a sociedade.
 
Para a economia nacional.
 
Sim. Por isso que o porto público precisa existir, justamente para poder suprir essa cadeia, essa carga que precisa do porto para sobreviver, mas não necessariamente representa, para o business do porto, algo significante.
 
“Temos uma visão muito clara de que
a questão portuária é uma questão de estado,
não uma questão de governo”
 
Mas na proposta de desestatização que era discutida, em um porto desestatizado, questões como políticas públicas, fiscalização e mesmo a aprovação do Plano de Desenvolvimento e Zoneamento, o PDZ, do porto, que define que cargas serão movimentadas e onde elas serão movimentadas naquele complexo, essas funções ficariam com o poder público. Isso não manteria a função pública do porto?
 
Não, não preserva. E apesar de você ter toda razão de que o PDZ continuaria sendo aprovado, de que as relações tarifárias seriam preservadas, nós teríamos ali um ente capitalista, que vai querer maximizar o resultado. Ao ter essa lógica, você teria uma assimetria nas relações, por exemplo, com os arrendatários. Veja o exemplo do suco de laranja no Porto de Santos, uma carga importante para a economia, mas com uma movimentação pequena em relação ao movimento geral do porto. Você tem de ter a exportação de suco. Mas talvez não precisaria ter três (terminais), podendo colocar apenas um. Ou ele (o concessionário privado do porto) poderia tentar convencer o poder concedente de que, como já tem um TUP que movimenta suco de laranja lá em Santos, poderia tirar os terminais de suco de laranja e colocar soja ali. E isso não estaria dialogando com o interesse do estado, com os interesses da sociedade.
 
O sr. já citou que um dos objetivos da Secretaria Nacional de Portos é apontar alternativas à política desestatizante que estava sendo implementada pelo Governo Bolsonaro. E nessa linha, seriam concedidos à iniciativa privada não a gestão do porto, mas serviços complementares, como os de zeladoria, de manutenção de acessos rodoviários, ferroviários e aquaviários. Como esse plano está sendo desenvolvido?
 
Ok. Então já falei de duas políticas públicas da Secretaria Nacional de Portos: equipe técnica e não à desestatização. São duas políticas públicas bem claras e já endereçadas tanto aos trabalhadores como aos empresários. Agora, sobre as autoridades portuárias continuarem públicas, nós não deixamos de reconhecer que existem problemas – lembrando que toda a administração pública, todo porto público obedece a legislação da administração pública. Isso dá a eles uma velocidade absolutamente diferente da velocidade daqueles arrendatários, que estão lá fazendo seus investimentos e obedecendo a legislação do setor privado. Então uma das questões que a gente já endereçou e já propôs ao ministro, e ele já deu sinal verde para fazer, é “separar” as autoridades portuárias em dois pedaços. Um pedaço reúne suas funções de estado. É a gestão do contrato de arrendamento, que continua público e isso é bom e importante para a sociedade. É o planejamento estratégico, que tem que dialogar com o plano nacional, com os interesses da economia, da geração de emprego e renda. Segurança é outro ponto importante para a gestão, para a função de Estado de um Porto, interligando aí todas as polícias com a própria Guarda Portuária. Tudo isso são funções de Estado. E tem a autoridade portuária como administradora do condomínio portuário. E essa função pode ser da iniciativa privada. São os serviços que a gente chama de zeladoria. Um porto como o de Santos, ele é muito parecido com uma prefeitura. A autoridade portuária precisa fazer o canal de acesso aquaviário, os acessos terrestres, luz, água, drenagem, limpeza, recolhimento de lixo, tratamento de água e esgoto, tudo isso está lá no Porto. Há manutenção de cabeços, manutenção de defensas, da sinalização, manutenção predial. Tudo isso é zeladoria, muito parecido com uma prefeitura, mas que, no nosso caso, pode ser delegado à iniciativa privada. De que forma? De várias formas. Não tem uma única forma. E seria um equívoco ter uma única forma, pois os portos são diferentes. Nós vamos ter de criar um cardápio de opções e customizar para cada um dos portos, conversando com cada autoridade portuária para ver o que cabe aqui, chamando a comunidade e perguntando o que cabe aqui. Vou dar o exemplo do que está acontecendo em Paranaguá (PR).
 
Que tem estudos avançados para a concessão da gestão do canal de navegação.
 
O Luiz Fernando (Garcia da Silva, presidente da Portos do Paraná, a Autoridade Portuária de Paranaguá e Antonina) já vem desenvolvendo há algum tempo – e é até um ponto fora da curva, porque não era a linha do Ministério da Infraestrutura no governo anterior fazer concessão parcial, mas total, como foi feito na Codesa (Companhia Docas do Espírito Santo, desestatizada no ano passado) e estava sendo desenhado para Santos, Itajaí (SC), São Sebastião (SP). Então quando cheguei, a primeira coisa que fiz foi chamar o Luiz Fernando, chamar a Infra S.A. e pedir que me apresentassem o modelo. Queria ver o grau de maturidade em que estava isso. E me surpreendi com o quanto está maduro e com requintes de sofisticação. E isso me deixou muito feliz de saber o nível técnico, o nível alcançado pela modelagem. Fiz meus pedidos de ajuste. Mas já internalizei a validação disso dentro do Governo. Então nós vamos validar isso. E nossa outra prioridade é Itajaí.
 
Antes de entrar em Itajaí e para concluir Paranaguá, a concessão do canal de Paranaguá será realizada pela Portos do Paraná ou terá de ser feita pela Secretaria Nacional de Portos e pela Antaq?
 
Eu entendo que quem deve fazer essa concessão seja Antaq. Apesar da delegação do porto (ao Estado do Paraná), a competência da concessão de infraestrutura portuária continue com Brasília, com a agência reguladora. E isso vai ter de ser estressado tanto na Antaq como na Secretaria. E o Luiz Fernando não vê nenhum problema. Independentemente de onde aconteça, é importante que o modelo esteja seguro, completo, que transmita segurança jurídica para os interessados.
 
Alguma expectativa de quando o edital deve ser publicado?
 
Nós temos que ter a audiência pública disso.

“Eu me surpreendi com o quanto (o projeto de
concessão da gestão do canal de Paranaguá) está
maduro e com requintes de sofisticação.
E isso me deixou muito feliz de saber
o nível técnico, o nível alcançado pela modelagem”
 
Final do semestre?
 
Ou começo do semestre que vem. Ainda precisa passar pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Aliás, já tenho uma reunião marcada com os técnicos do TCU para apresentar a modelagem antes de levar para a audiência pública. Eu estou fazendo essas validações internas, ouvindo o público interno, para depois, quando for para o público externo, já ter estressado esse modelo dentro do governo. Assim a gente vai com uma modelagem única, já aprovada pela Casa Civil, pelo Ministério (de Portos e Aeroportos), Tribunal de Contas, agência reguladora. E aí vamos para o debate com a sociedade, que é sempre muito interessante. A gente sempre recebe muitas contribuições. Eu, como consultor, fiz várias vezes isso e é muito saudável. A audiência pública será ainda neste semestre, em maio ou junho. E depois tem as tramitações internas. Ainda neste ano, a gente publica o edital, com uma perspectiva de ter um grande resultado. E junto com Itajaí.
 
E quais os planos da Secretaria de Portos para Itajaí?
 
A primeira coisa, já obedecendo uma linha política bem clara, é que nós não vamos desestatizar o porto. Ele vai continuar delegado ao município, administrado pela prefeitura local. Evidentemente que o ministro Márcio quer uma maior participação na cogestão desse porto, com uma presença maior em seus conselho de administração e conselho fiscal, para fazer uma gestão compartilhada, para que o Governo Federal, efetivamente, possa ser um parceiro do porto. Essa é a primeira diretriz. A segunda diretriz é que a autoridade portuária é pública e continuará pública.
 
E como será definida essa maior participação do Ministério nos conselhos, na gestão do porto, que é administrado pelo Município?
 
A gente ainda não conversou. Isso está sendo tratado internamente. Mas a delegação foi renovada agora por dois anos. Então na (próxima) renovação, ela vai vir com um pacote, uma modelagem para o porto, com uma proposta de renovação da delegação, que será tratado com o prefeito e com a sociedade. Tudo vai ser muito debatido.
 
Mas isso será resolvido só daqui a dois anos ou antes?
 
A ideia é que seja tudo concomitante, no momento em que a gente tiver validado o modelo. Se tem a autoridade pública preservada, significa que aquilo que era concessão, ou é arrendamento, ou é concessão do canal de acesso ou até da zeladoria como um todo. Eu defendo, inclusive, que seja o primeiro projeto em que a gente faça a zeladoria do porto como uma concessão.
 
Assim, efetivamente, separando a autoridade da administração, não?
 
Sim. A autoridade permanecerá pública, com o poder municipal. Ela vai ser remunerada pelo concessionário e pelos arrendatários, vai poder preservar a sua função de estado. Vai poder administrar, fiscalizar, ser os nossos braços e pernas descentralizado. E vai ter arrendamento de terminal portuário e a concessão da zeladoria. O que falta definir? Quem ganha um leva o outro? Não sei. Pode ser só um contrato? Não sei. Deveriam ser dois contratos e uma licitação? Pode ser. E se forem duas licitações? É isso que está faltando a gente definir, ver qual é o melhor caminho regulatório e jurídico. Neste exato momento, está tendo reuniões. Eu estou aqui com vocês, mas a minha equipe está trabalhando, estão fechando exatamente esses contornos. O contêiner estaria contemplado, mas e a carga geral? Carga geral demanda um espaço em Itajaí que me parece bem interessante. E tudo isso tem de entrar na conta, tentando preservar o máximo possível do que foi conseguido nos estudos da concessão, que já foram para audiência pública e que já foram aprovados pelo Tribunal de Contas da União. Precisamos complementar algumas coisas que o TCU determinou, por exemplo, o estudo concorrencial. E também se não der para aproveitar tudo, se tiver que fazer uma nova audiência pública, uma nova ida ao TCU, vamos. Ele vai estar par e passo a Paranaguá. Então eu vou ter duas grandes experiências na rua. Específicas, mas que tem a clareza da política pública que vai ser o tom desta administração.
 
“Defendo, inclusive, que (a proposta para o Porto de Itajaí) seja
o primeiro projeto em que a gente faça a zeladoria do porto
como uma concessão”
 
Em relação às concessões que serão feitas nos portos, não haverá um modelo único? Cada porto será tratado de acordo com suas características?
 
Sim. Vou dar o exemplo de São Sebastião. Se São Sebastião permanecer com o mesmo critério de autoridade pública, ali, provavelmente, eu não vou precisar pensar na concessão da zeladoria, pelo menos na parte aquaviário. Não tem muito o que fazer nesse sentido. Mas um arrendamento poderia caber. Cada porto é uma realidade. Tratar os desiguais de forma igual é o pior senso de justiça que a gente poderia ter. Achar que o mesmo que serviu para a Codesa servirá para todos os demais é um convite ao erro.
 
A ideia do Governo é privatizar a zeladoria em todos os portos ou apenas naqueles onde houver necessidade? Ainda na Região Sul, já citamos Paranaguá e Itajaí. Tem Rio Grande.
 
Que já iniciou estudos para concessão da dragagem nesse modelo. Está bem no princípio. E nesses projetos, há ainda um terceiro elemento que precisamos colocar na mesa, que é a formação de condomínios portuários. Nem todos os portos teriam condição de fazer um condomínio portuário. Os condomínios portuários não são nenhuma novidade. Em 2017, 2018, o Sopesp (Sindicato dos Operadores Portuários do Estado de São Paulo) liderou uma grande discussão sobre esse processo, em que seria formado um condomínio para fazer, naquele momento, somente a dragagem e o aprofundamento do canal. Essa concepção, eu tenho muita simpatia por ela por uma simples razão: o que está por trás da lógica da autogestão é que os gestores da zeladoria de Porto, eles não estão preocupados em ganhar dinheiro com isso. Eles estão preocupados em colocar a carga ou tirar a carga de navio. Quanto mais eficiente a infraestrutura, maior será a rentabilidade dos seus negócios, porque eles não vão ter que esperar a maré, não vão ter que esperar o caminhão superar o buraco, tudo isso que acaba atrapalhando o dia a dia dos terminais arrendados.
 
Sobre os planos da Secretaria, o sr. acabou citando os principais portos do Sul.
 
Sim. E tem também a Codeba (Companhia Docas do Estado da Bahia), que é bom citar. Ela estava no pacote de desestatização do BNDES. Já chamamos o BNDES, demos a nova orientação política do Governo. No processo da Codeba, já fizemos a parte de diagnóstico. E agora virá a de modelagem. Já vamos modelar com a nova orientação. E detalhe: na Codeba será possível que a gente tenha até uma coisa diferente. São três portos (Salvador, Aratu e Ilhéus), três portos completamente diferentes e, provavelmente, três tratamentos diferentes.
 
Serão três concessões? Ou três modelos de autogestão?
 
O que couber. Vai ser o papel do BNDES apresentar as alternativas para a gente. Então não há dúvida sobre a orientação política. Agora, a gente precisa de tempo para amadurecer essas propostas.
 
Em quais outros portos esse tipo de projeto de autogestão pode ser viável?
 
Em todos, só que com tratamentos diferentes. Por exemplo, em relação à autogestão ou à gestão condominial, eu acho que Santos é o candidato número 1 para ser o nosso piloto. Já pedi para a nossa conjur (consultoria jurídica do Ministério) verificar a necessidade de se fazer algum tipo de alteração na legislação, se é possível adaptar a legislação que temos hoje. Lembrando que a gente já tem dois exemplos importantes de autogestão no setor portuário. Um é a Fips (Ferrovia Interna do Porto de Santos) e o outro é o Corredor de Exportação do Porto de Paranaguá, que é administrado por uma associação (a Associação dos Terminais do Corredor de Exportação de Paranaguá, a Atexp), com pelo menos duas décadas de experiência.
 
“O que está por trás da lógica da autogestão é que os gestores
da zeladoria de Porto, eles não estão preocupados em ganhar
dinheiro com isso. Eles estão preocupados em
colocar a carga ou tirar a carga de navio” 
 
O sr. disse que as negociações e os estudos sobre a concessão da zeladoria nos portos do Sul já começaram. E em Santos?
 
Evidentemente que não. A gente está esperando a posse da nova diretoria, com quem nós vamos alinhar isso. Vamos incorporá-los à análise e ao debate sobre a viabilidade da autogestão, da formação de um condomínio. Não vamos começar do zero, porque o próprio Sopesp já tem material e já tem aí uma massa crítica desenhada, analisada. Até já conversei com o Sopesp, eles estiveram lá comigo, e eu disse para eles, assim como disse para as associações de empresas que tiveram comigo, eu me reuni com as seis: vamos pensar em conjunto. Há várias nuances nesse negócio: como é a governança? Como é que funcionaria? Todo mundo tem que estar dentro? E os novos entrantes? Existem muitas perguntas e poucas respostas ainda. Mas temos o olhar de que dá para se fazer o modelo e pensar esse modelo para alguns portos.
 
No Porto de Santos, essa concessão do canal aquaviário tem de ser precedida por uma reforma do sistema tarifário, não?
 
Não, não necessariamente. E o modelo de Paranaguá vai mostrar que não.
 
Em Santos, as tarifas da Tabela 1 são cobradas para custear a manutenção do acesso aquaviário. Mas a receita arrecadada paga isso e mais outros serviços da autoridade portuária. Havendo a autogestão, esse recurso, mesmo reduzido, deixará de ir para a autoridade portuária, que terá de obter a receita necessária das outras tarifas, não?
 
A Tabela 1 continuará sendo cobrada, mas pelo concessionário, por quem fizer a autogestão. O que vai ser decidido, e isso é o que vamos fazer em Paranaguá, é quanto custa manter a autoridade portuária com funções de Estado.
 
Então não será necessária uma revisão tarifária?
 
Não. Quando você tem um contrato, seja de concessão ou de autogestão, ele precisa ser remunerado. Essa remuneração precisa sair da tarifa. O concessionário ou mesmo o condomínio que assumir a gestão terá de saber o seguinte: com aquela tabela que eu já tenho, eu consigo fazer os serviços e ainda remunerar a autoridade portuária, que não vai ter mais esses serviços, mas vai ter funções de estado? Aí, depois que eu responder essa pergunta, vamos ver se eu terei de aumentar ou não a tarifa. E, olha, posso até abaixar a tarifa.
 
Em Santos, o que se gasta com a manutenção do acesso aquaviário é menor do que o que se arrecada para isso. Então devemos ter uma redução de tarifa?
 
Foi o que apontaram os estudos do Sopesp de 2018. Então, não necessariamente terá de ter uma revisão tarifária – e quando eu falo de revisão tarifária, eu falo sempre para cima. Pode ter, sim, uma diminuição ou até criar uma conta vinculada, ou uma conta específica, para poder prever que, além da manutenção, a gente possa fazer os investimentos, como o aprofundamento para 16 metros, para 17 metros.
 
O sr. disse que, para tratar desses projetos, aguarda a nomeação da nova direção da Autoridade Portuária de Santos. Até agora, nenhuma das seis administrações portuárias controladas diretamente pelo Ministério teve sua diretoria definida. Quando isso ocorrerá? E Santos será a primeira?
 
Não posso afirmar que a de Santos será a primeira. Até diria que a que está mais adiantada é a do Rio de Janeiro. Mas quem está fazendo a gestão dessas nomeações é o próprio gabinete do ministro. É o ministro Márcio França pessoalmente que está cuidando disso, porque faz parte da política (do Ministério). E vai ter composição política, apesar do ministro Márcio França determinar que sejam indicações de pessoas técnicas, que possam manter o bom nível de gestão e a evolução da governança nesses portos. Então quem está tocando isso é o ministro. Eu sei muito pouco dos nomes. Muito pouco mesmo. Não está sendo discutido comigo, por uma questão que isso envolve a Casa Civil, envolve o ministro Alexandre Padilha, envolve uma série de articulações político-partidárias.
 
Quando o sr. fala composição política, a que o sr. se refere especificamente? Teremos o deputado X, o senador Y ou o partido Z indicando o diretor A?
 
São as forças políticas que dão sustentação ao governo e que estão conversando para fazer as suas indicações. Isso pode ser personalizado em um senador ou em uma liderança de partido, como pode ser um conselho político que existe dentro do próprio governo. Não sei especificar quem são os atores, eu sei dizer que faz parte da composição política de sustentação política do governo.
 
“Entendo que cada governo tem seus aliados, têm
seus parceiros políticos e precisa fazer as composições
que sustentem este governo. O mais interessante é que os indicados
(para as diretorias dos portos) sejam técnicos. E isso eu tenho certeza
de que o ministro Márcio França está olhando com lupa” 
 
O senhor foi diretor da Autoridade Portuária de Santos e foi indicado a partir de um modelo de composição política. E o sr. e seus colegas de diretoria apresentaram vários resultados. No último governo, tivemos nos portos controlados diretamente pela União, uma direção mais técnica, mais voltada para o mercado. E os resultados financeiros foram bem positivos, recordes até. Qual modelo dá mais certo? Qual o sr. defende?
 
Primeiro, se a gente olhar com uma lupa as seis Docas herdadas pelo governo anterior, também teve composição política. Mas eu não critico, não. Ali estava claro quem eram os aliados políticos do então presidente e ele privilegiou seus aliados políticos. No caso, as Forças Armadas. Há uma legitimidade nisso e eu não faço críticas, não. Eu só faço uma comprovação de que, mesmo em um ambiente com pessoas técnicas – e eu cito aqui o Biral (Fernando Biral, presidente da Autoridade Portuária de Santos de abril de 2020 até o último mês de fevereiro), que conduziu de forma excelente o Porto de Santos, mas mesmo assim, ele dividiu a diretoria com pessoas indicadas pela Marinha. Então eu entendo que cada governo tem seus aliados, têm seus parceiros políticos e precisa fazer as composições que sustentem este governo. O mais interessante é que os indicados sejam técnicos. E isso eu tenho certeza de que o ministro Márcio França está olhando com lupa e talvez a demora seja por isso. Nós temos a Lei das Estatais. Não é fácil. Eu imagino o quanto o ministro deve estar se debatendo para conseguir a melhor composição possível.
 
É possível fazer uma cobrança técnica de um profissional que foi colocado a partir de uma indicação política?
 
Claro que é. No dia seguinte, ele não é mais o indicado político. Ele é o diretor do porto, com todas as suas responsabilidades e que tem uma diretriz clara de política pública, de que quem faz a política pública é o Ministério.
 
O sr. fará essa cobrança?
 
Eu vou fazer essa cobrança. Mas acho que o ministro vai fazer mais essa cobrança do que eu, inclusive. A política pública é feita pelo Ministério. A diferença é que nós vamos fazer política pública ouvindo todo mundo – usuário, prestador de serviço, empresário, trabalhador. Não há como você fazer política pública de forma isolada. A boa política pública é quando o tomador dessa política faz parte da elaboração dessa política, debate essa política antes que ela entre em vigor. A gente não vai discutir, por exemplo, a desestatização. Quem ganhou a eleição, ganhou com esse discurso. Então, quem discutiu, quem definiu isso foi a sociedade brasileira. Isso eu não discuto, mas como fazer, eu vou discutir sempre.
 
O sr. citou que o processo de indicação da Companhia Docas do Rio de Janeiro está mais adiantado. O sr. espera algum anúncio nas próximas duas semanas?
 
Depende do trâmite burocrático. Mas acredito que, nas duas próximas semanas, a gente possa ter uma boa novidade.
 
E na sequência, Santos?
 
Não sei. Eu sei do Rio de Janeiro, pois é o processo mais adiantado. E eu estou achando bastante interessante pois estou tendo a oportunidade de fazer o diagnóstico das seis empresas. Tenho conversado com os conselhos de administração das empresas, cujos presidentes são, por enquanto, todos lá da Secretaria. Tenho conversado com os diretores. Evidentemente que Santos é onde eu tenho mais contato, até pela minha história. O que vai ser importante é que, quando vierem as novas diretorias, nós, em Brasília, que somos os guardiões da política pública, já vamos ter um diagnóstico muito claro. E a transição de uma diretoria para outra será muito rápida. Toma posse uma, sai a outra e não se fala mais nisso.
 
“Eu gostaria muito que a presidência (dos conselhos de administração)
pudesse ficar, sim, com técnicos da Secretaria Nacional de Portos.
(…) mas vou ficar aguardando a orientação do
ministro Márcio França a respeito desse assunto”
 
O sr. falou das presidências dos conselhos de administração, que hoje são ocupadas por funcionários de carreira do Ministério. O sr. pretende manter esse perfil ao indicar novos presidentes para os conselhos?
 
Eu vou aguardar a orientação do ministro Márcio França em relação a isso. Mas eu gostaria muito que a presidência pudesse ficar, sim, com técnicos da Secretaria Nacional de Portos. Justamente porque o presidente do conselho representa o Governo Federal dentro da empresa. E quando se tem alguém da carreira, mesmo que haja troca de diretorias, você sempre vai ter alguém como depositário da história daquela política pública, de como aconteceu, de como pode ser conduzido. Eu gostaria, mas vou ficar aguardando a orientação do ministro Márcio França a respeito desse assunto.

Confira a segunda parte da entrevista com o secretário nacional de Portos, Fabrizio Pierdomenico, na qual ele fala sobre projetos para o Porto de Santos e os planos para a BR do Mar e a BR dos Rios.