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07/03/2023 - 11h34

A ligação seca e o déjà vu


Fonte: A Tribuna - Tribuna Livre / Adilson Luiz Gonçalves*
 
A ligação seca entre as margens do Canal do Estuário é um tema quase centenário. O ponto de partida dessa história, ao que consta, foi a proposta de túnel do engenheiro e arquiteto Enéas Marini, no distante 1927. Já escrevi e palestrei sobre essa história, que conta com propostas espetaculares, “cartões postais”, ideias mirabolantes, não raro inconsequentes.
 
No final da década de 1940, estudo do engenheiro e arquiteto Prestes Maia previa três ligações, sendo que a intermediária, uma ponte móvel, tinha localização próxima das propostas recentes de túneis. Caso tivesse sido construída, seguramente já teria sido demolida há muito tempo, em função da expansão posterior das instalações portuárias e do progressivo porte e frequência das embarcações que as acessam.
 
O primeiro projeto a “bater na trave” foi o da Dersa, de 2014, durante o governo de Geraldo Alckmin: um túnel subaquático de tipologia inédita no Brasil, mas com vários exemplos no mundo, tais como na ligação Suécia-Dinamarca e em Hong Kong, apenas para mencionar alguns. Após um denso estudo, propositalmente denominado Projeto Prestes Maia, no qual várias possíveis localizações foram avaliadas, a opção considerada mais adequada para uma primeira ligação seca foi praticamente a mesma da ponte-móvel do homenageado.
 
Ela teve licenciamento, orçamento e previsão de execução compartilhada entre os governos estadual e federal. Porém, aos “44 minutos do segundo tempo”, o Governo Federal informou que não dispor de recursos para sua implantação. No entanto, essa proposta não foi bem recebida por alguns moradores do Macuco, pois previa desapropriação de cerca de 80 imóveis. Faixas contra a obra foram colocadas na área afetada. As adaptações viárias necessária durante a execução da obra também seriam uma complicação.
 
Alguns podem pensar que essa solução era inovadora, mas já havia um estudo de ligação seca via túnel de posse da Codesp, elaborado no final da década de 1990. A diferença é que o acesso ao lado de Santos era dentro da poligonal, numa época em que ainda não existia a Avenida Perimetral da Margem Direita.
 
Em 2019, a Codesp propôs uma solução que pode ser considerada híbrida: o estudo da década de 1990 com o projeto de 2014, com a vantagem de não mais demandar desapropriações no lado santista. O acesso seria pela Avenida Perimetral, dispensando as desapropriações. No entanto, os impactos no sistema viário ainda precisariam ser avaliados. Chegaram a incluir a proposta no processo de desestatização da Autoridade Portuária de Santos, que o atual Governo Federal descartou, ao menos em princípio.
 
Pois bem, recentemente, tanto o ministro Márcio França como o governador Tarcísio de Freitas anunciaram intenção de retomar o processo, um acenando com recursos federais, outro com uma PPP. Fica patente que ambos reconhecem a importância dessa obra, o que é irrefutável. Excelente! Então, que se “junte a fome com a vontade de comer”, resgatando dois aspectos relevantes dos projetos anteriores: financiamento conjunto do Capex, evitando desapropriações.
 
A região vive um momento único, em termos políticos, com Márcio França, Geraldo Alckmin e Aloizio Mercadante em postos-chave, no Governo Federal; e Tarcísio de Freitas no Governo do Estado. Apesar de diferenças político-partidárias, todos têm identificação com a região e com o tema. A ligação seca é estratégica não apenas para o Porto de Santos e para as cidades de Santos e Guarujá. Ela é importante para a economia e desenvolvimento do País. A expectativa é que o longevo déjà vu de projetos não resulte em mais um déjà vu de discursos. E que em vez de mais uma bola na trave, finalmente tenha um gol de placa!
 
*Adilson Luiz Gonçalves, engenheiro, pesquisador universitário e escritor, membro da Academia Santista de Letras