Artigos e Entrevistas
06/03/2023 - 10h47

Dragagem, o filé-mignon do porto


Fonte: A Tribuna / Rodolfo Amaral e Verônica Mendrona*
 
O ministro de Portos e Aeroportos, Márcio França, contrário à desestatização da Santos Port Authority (SPA), admitiu à imprensa a possibilidade de passar à iniciativa privada o controle dos serviços do canal de navegação, dragagem e sinalização. Não se sabe, com certeza, se o ministro está utilizando este argumento como uma estratégia política para desviar o foco do debate maior, ou se pretende, de fato, se livrar de um problema crônico de disputa empresarial.
 
Quem acompanha a atividade portuária há décadas sabe que o custo dos serviços de dragagem do Porto de Santos representa a despesa mais expressiva da SPA. E, assim, envolve também a disputa mais acirrada nos pregões desta estatal.
 
O ministro Márcio França, aliás, vivenciou, de forma indireta este problema, há alguns anos, quando, em 2007, assumiu a Secretaria Estadual de Portos o ex-ministro Pedro Brito, na época vinculado ao PSB (Partido Socialista Brasileiro), apoiado por Ciro Gomes.
 
Naquela ocasião, em 2009, foi realizada uma licitação internacional para prestação de serviços de dragagem no Porto de Santos, no valor de US$ 72,7 milhões, vencida pelo Consórcio Draga Brasil, por 36 meses.
 
Este contrato acabou nas mãos do Tribunal de Contas da União (TCU), com apuração de superfaturamento, fato que ensejou devolução de valores e multa às empresas que participavam do consórcio.
 
A empresa que executava estes serviços de dragagem em 2020 e 2021 mantinha um contrato com a SPA no valor de R$ 247,7 milhões, por 24 meses; enquanto a que presta idênticos serviços, em 2022 e 2023, agora possui uma contratação por R$ 371 milhões, majorada em 35,06%.
 
Como se vê, o custo anual da dragagem de manutenção do canal de acesso, bacias de evolução, áreas de acessos aos berços e também nos berços de atracação é superior ao dispêndio que a prefeitura de Santos tem com a coleta de lixo a limpeza urbana de todo o Município de Santos. O pagamento desta despesa é feito pela arrecadação da Tabela I das Tarifas do Porto de Santos, de infraestrutura e acesso aquaviário, e o seu custo está vinculado à tonelagem da embarcação ou ao fundeio.
 
Nas estimativas feitas no plano de negócios da desestatização do Porto de Santos, para o período de 35 anos, de 2023 a 2057, foi projetada uma receita global de R$ 15,3 bilhões para a Tabela I, correspondendo a 15,68% de toda a Receita Líquida da SPA para idêntico período.
 
Desta forma, repassar à iniciativa privada o controle direto dos serviços de dragagem é abrir mão de uma receita média anual da ordem de R$ 437 milhões, fato que seria muito inusitado no âmbito político.
 
Seja lá qual for a opção a ser adotada pelo novo governo, os atuais dirigentes já tiveram experiências desastrosas com licitações nesta modalidade de serviço e sabem que a disputa por este tipo de atividade envolve grandes interesses privados.
 
A dragagem regular e permanente é um serviço essencial à sobrevivência do Porto de Santos, seja pela necessidade de manutenção de calado ou por questões ambientais, mas também requer absoluta transparência na divulgação pública dos resultados mensais apurados na execução dos serviços. Trata-se do filé-mignon do Porto de Santos. Isto, assim, impõe, no mínimo, a criação de um Comitê de Dragagem, do setor privado, para avaliar os serviços.
 
*Rodolfo Amaral e Verônica Mendrona, jornalistas e sócios da Data Center Brasil