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17/02/2023 - 07h33

Quem falou em privatizaĆ§Ć£o?


Fonte: Crusoé
 
Sérgio Aquino, presidente da federação que reúne as empresas privadas que operam nos terminais brasileiros, afirma que o Porto de Santos precisa reduzir a burocracia e acabar com as nomeações políticas, mantendo a administração pública
 
Há cinquenta anos, Sérgio Aquino começou a trabalhar como empregado na Companhia Docas de Santos, a administradora e concessionária do maior porto do Brasil. Desde então, passou a maior parte do tempo no setor empresarial portuário. Atualmente, Aquino é o presidente da Federação Nacional das Operações Portuárias, Fenop, que congrega as empresas que operam e investem nos terminais brasileiros.
 
Apesar de ser um representante da iniciativa privada, Aquino não defende a privatização do Porto de Santos. Segundo ele, esse modelo não foi bem-sucedido no resto do planeta. Em vez disso, ele pede a desburocratização dos processos, a descentralização, a recuperação dos conselhos de autoridade portuária, o envolvimento dos governos estaduais na gestão e mudanças na legislação do trabalho portuário. ‘O problema que temos em Santos é que funções fundamentais, como a de fazer um plano de desenvolvimento, decidir projetos de investimentos ou realizar licitações para arrendar áreas e definir as tarifas dependem de funcionários lotados em Brasília’, diz ele. Com formação em administração e direito, Aquino conversou com Crusoé pelo telefone.
 
No governo de Jair Bolsonaro, um projeto de privatização do Porto de Santos avançou com a promessa de 20 bilhões de reais em investimentos e 60 mil novas vagas de trabalho. Como estão as coisas agora?
 
É inadequado falar em privatizar o Porto de Santos. Quando se fala nisso, a impressão é que um processo estaria sendo iniciado, mas não. Desde 1993, com a lei 8.630/93, é a iniciativa privada que movimenta as cargas, investe e opera os terminais. Então, é preciso desmistificar isso. A proposta do governo anterior (de Jair Bolsonaro) era privatizar a administração portuária, que explora a atividade por meio dos arrendamentos, realiza o planejamento e a prestação dos serviços condominiais, como fazer as dragagens e melhorar os acessos. Mas esse não é o modelo mundial. Como regra geral, os grandes portos do planeta são administrados pelo poder público. O único país que fez aquilo que o Brasil estava caminhando para fazer é a Austrália, que enfrentou sérios problemas por causa disso. Tanto que nenhum outro país seguiu o exemplo dos australianos. Todos os portos da América do Norte, da Ásia e da Europa – exceto na Inglaterra, que somente tem portos privados – são de administração pública.
 
A Fenop chegou a se manifestar contra esse projeto de privatização?
 
A Fenop não se opôs. Nós apenas sinalizamos que o caminho no resto do mundo tem sido outro. Porém, uma vez que o governo havia se decidido, atuamos para propor melhorias. Nossa lógica era evitar problemas e fazer aquilo que fosse possível. Mas o Tribunal de Contas da União, TCU, parou o processo de privatização e o novo governo federal (de Lula) vai repensar o tema. Nós então sugerimos que isso ocorra sem ideologia partidária. Temos problemas no sistema portuário e precisamos resolver.
 
A administração pública em Santos é eficiente?
 
A legislação brasileira prevê duas formas de exploração da atividade. Uma é o porto privado, em que não há interferência pública no negócio, pois todos os bens são privados. A outra é o do porto de propriedade pública, que na prática é uma parceria público-privada. Nessa modalidade, o poder público é dono da área e faz as licitações de arrendamento. A iniciativa privada investe no terminal e realiza a operação. O problema que temos em Santos é que funções fundamentais, como a de fazer um plano de desenvolvimento, decidir projetos de investimentos ou realizar licitações para arrendar áreas e definir as tarifas dependem de funcionários lotados em Brasília. Uma medida provisória editada pela presidente Dilma Rousseff, em 2013, centralizou tudo na capital federal e engessou o sistema. Com isso, o modelo brasileiro vai na contramão das melhores práticas mundiais, que garantem a autonomia administrativa e financeira local para os seus portos e permitem que questões estratégicas sejam definidas por conselhos locais.
 
É um problema generalizado?
 
Na maior parte, sim, pois a legislação é nacional. Porém alguns portos, mesmo com administração pública, como Paranaguá, Suape e Itaqui, são mais eficientes e têm sido premiados. Isso ocorre porque eles estão sob o controle dos estados. Como a administração fica mais próxima, as decisões são mais ágeis e a comunidade local é mais atuante. Mas todos no Brasil precisam lidar com alguns obstáculos. Um deles é a nomeação de diretores baseada em questões político-partidárias. Com exceção do segundo mandato de Lula, do primeiro governo de Fernando Henrique e do de Jair Bolsonaro, tivemos administrações muito influenciadas pela política. Diretores foram escolhidos por partidos, por um deputado ou por um senador. Outro fator de reclamação é a questão laboral. Há trabalhadores avulsos, que atuam em alguns períodos, quando querem, e funcionários permanentes. Acontece que, quando uma empresa quer contratar pessoas em regime permanente, a legislação a obriga a oferecer as vagas exclusivamente para os avulsos. Se esses últimos rejeitam a oferta por qualquer motivo, a companhia não pode recrutar outras pessoas no mercado. É um contrassenso em um país que precisa gerar empregos.
 
Por que as nomeações políticas são indesejáveis?
 
Quando o governo muda, toda a diretoria é trocada. Com isso, perde-se todo o planejamento que tinha sido feito. Não há continuidade. Para evitar isso, a Fenop propõe que as nomeações de diretores dos portos dependam do parecer de um conselho composto por representantes da comunidade empresarial, dos entes públicos e dos trabalhadores. Isso geraria constrangimento e evitaria trocas meramente políticas. Em outros portos do mundo, é comum que os diretores fiquem no cargo por 20 ou 30 anos. No Brasil, não é assim.
 
E aqueles investimentos prometidos com a privatização, de 20 bilhões de reais?
 
Nas discussões que ocorreram no passado, não se constatou que efetivamente era necessário fazer a privatização para que esses investimentos ocorressem. Um porto eficiente dá resultado e lucro, que pode ser reinvestido em benefício da operação e da comunidade. Hoje, o Porto de Santos tem em caixa 1,8 bilhão de reais. Esses recursos são suficientes para os investimentos que se mostraram necessários. A malha ferroviária já foi equacionada com a implantação de uma nova empresa consorciada privada. Na parte de dragagem, é preciso garantir as profundidades necessárias e seguir com os estudos para aprofundar o canal. E há dinheiro para isso. Há problemas na acessibilidade terrestre, mas aí contamos com o governo federal para construir viadutos. Dentro do porto, o que precisamos é de eficiência de gestão e desburocratização.