Fonte: A Tribuna On-line / Frederico Bussinger*
Como nos ensinam os chineses há milênios, crises têm também sua dimensão de oportunidade
“Cadê o toucinho que estava aqui? O gato comeu. Cadê o gato? Fugiu pro mato. Cadê o mato?...”
Brincadeira infantil
Relembrando: em 11 de março de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou a pandemia de covid-19. Seis meses depois, o
Global Container Freight Index da FBX, um dos principais indicadores mundiais agregadores de índices de fretes das diversas rotas de contêineres, que vinha se mantendo comportado há alguns anos (oscilando em torno de US$ 1.500,00 – com mínimos inferiores a US$ 1.100,00), começou uma trajetória ascendente. E, a partir daquele Natal, disparou: chegou a alcançar US$ 11.109,00 em 10 de setembro de 2021 (sete vezes mais!). A tal
crise de contêineres, como ficou conhecida, estava instalada.
Só que a alta dos fretes não veio isolada: como noticiava a imprensa, quase diariamente,
havia filas e megacongestionamentos de navios por toda parte (
China,
Índia e
Estados Unidos, em particular). Também foram observadas imprevisibilidade nos prazos de entrega, perda de referência de preços, falta de contêineres vazios (onde deveriam estar), desabastecimentos de supermercados e shoppings, carência de peças em linhas de montagem (componentes eletrônicos, em especial – para a indústria automobilística brasileira; por exemplo).
Mas, como nos ensinam os chineses há milênios, crises têm também sua dimensão de oportunidade: análise conjunta de três principais federações setoriais da Índia, citando a DHL Ocean Freight Market Update, em agosto de 2021,
indicou que os dez maiores armadores mundiais tiveram, em média, um aumento de receita de 66% entre 2020 e 2021. E de 1.299% no lucro operacional!
Há quase um ano, porém, o índice iniciou consistente trajetória de queda, tendo alcançado US$ 2.005,00 no último sábado: índice pouco acima do patamar pré-pandemia. E, de novo, não há uma explicação uniforme e clara do porquê ela aparentemente se dissipa - felizmente: aumento dos fluxos de contêineres? Flexibilização dos protocolos da pandemia (permitindo melhor organização e aumento da produtividade portuária)? Quiçá! Mas aqueles percentuais são limitados para explicar os aumentos vertiginosos de frete.
Em meados do ano passado, ainda com o índice na casa dos US$ 7.500,00, algumas providências foram tomadas por governos e parlamentos. Por exemplo: i) ante a divulgação de
lucros bilionários (e
crescentes) dos armadores (
01,
02), o presidente francês Emmanuel Macron convidou a CMA-CGM para uma
conversa. Não foram divulgados os argumentos utilizados; mas o certo é que o armador, de pronto, anunciou uma
redução em vários fretes a partir do 1º de agosto subsequente. ii) o Congresso norte-americano, em iniciativa pouco usual, enviou
carta à Maersk, CMA-CGM e Hapag-Lloyd externando “profunda preocupação” por “práticas predatórias que podem ter se envolvido durante a pandemia (...) afetando consumidores e pequenas empresas”; e iii) o Congresso aprovou e o presidente norte-americano
Joe Biden sancionou o
The Ocean Shipping Reform Act, na busca de “minimizar os efeitos de abusos de alguns
armadores“ (tenazmente
contestado, e
repercutido pela entidade que os representa).
Complexa, tal lei introduz novos
regramentos, define diretrizes para
atuação da Federal Maritime Commission (FMC), uma espécie de prima da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), e altera o modelo regulatório: evoluções e desdobramentos podem ser acompanhados em página especial do
US Department of Transportation – DOT.
Bom que, ao que parece, a crise dos contêineres está se dissipando em todas suas dimensões. Mas, para minimizar o risco de que algo similar volte a ocorrer, bem como de danos como os observados, seria desejável melhorar ambos os diagnósticos: do seu surgimento e da despedida.
*Frederico Bussinger, engenheiro, economista e consultor. Foi diretor do Metro/SP, Departamento Hidroviário (SP), e da Codesp. Também foi presidente da SPTrans, CPTM, Docas de São Sebastião e da Confea.