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05/10/2022 - 12h35

Caminho para portos verdes e digitais


Fonte: O Globo, por Diego Bonomo é líder e Lara Gurgel*
 
O PCS tornou-se peça-chave da modernização portuária no país. É uma solução barata, de alto impacto e complementar
 
A privatização das autoridades portuárias dos portos organizados do Brasil é uma iniciativa de impacto para acelerar a modernização do setor. Contudo o processo é complexo por natureza, já que requer a ação técnica e política coordenada dos Poderes Legislativo e Executivo federais, além dos governos subnacionais em casos específicos. Trata-se de um esforço de longo prazo.
 
Mas há uma solução de baixo custo, que não requer ação legislativa ou regulatória, mas pode promover uma revolução digital e verde nos portos brasileiros, acelerando sua modernização em paralelo à privatização. Trata-se do Sistema de Comunidade Portuária (PCS, na sigla em inglês).
 
O PCS é o sistema operacional do porto, uma espécie de iOS ou Android portuário. Sua função é conectar todos os atores da comunidade portuária e permitir a troca de informações em tempo real e de modo seguro. Seu objetivo é tornar a operação mais eficiente e eficaz, reduzindo potenciais erros humanos e simplificando processos.
 
Cada porto organizado tem dezenas ou centenas de atores, do governo e da iniciativa privada. Eles fazem milhares de interações ao longo de um ano para viabilizar todas as operações. As interações têm vários formatos, de integrações de sistemas a interações puramente analógicas, cara a cara.
 
Se todos esses milhares de interações pudessem ser feitos por meio de um único sistema de tecnologia de informação, “invisível”, que assegurasse o fluxo contínuo e seguro em tempo real, por meio de processos simplificados, a comunidade portuária teria um ganho muito significativo de eficiência.
 
O PCS é esse sistema. Dezenas de portos no mundo o usam há décadas, como Felixstowe, Hamburgo e Los Angeles. No Brasil, nenhum deles. É por isso que o Programa de Facilitação de Comércio Brasil-Reino Unido — financiado pelo governo britânico e executado em parceria com o governo brasileiro — desenvolveu uma “caixa de ferramentas” para sua implementação no Brasil.
 
Durante dois anos, o programa, em parceria com as comunidades de quatro grandes portos — Itajaí, Rio de Janeiro, Santos e Suape —, mapeou mais de 4.400 atividades dos processos portuários mais relevantes. A partir desse mapeamento, identificou soluções para reduzir as atividades em 16%, um corte substancial de burocracia.
 
Com base no mapeamento, o programa também desenvolveu um software básico do PCS, em código aberto e para uso em nuvem, que pode ser usado por qualquer porto organizado do Brasil para desenvolver o seu próprio, adaptado às características locais. Além disso, criou um padrão nacional de interoperabilidade de sistemas, a base do PCS, amparado nas melhores práticas internacionais. Esse padrão foi aprovado como recomendação da Comissão Nacional das Autoridades nos Portos.
 
No caso específico de Santos, o maior porto da América Latina, o programa também mensurou o impacto climático da implementação total do PCS: redução de até 51,8% nas emissões de gases de efeito estufa.
 
O investimento e o custo operacional do PCS são baixos, na casa de algumas dezenas de milhões de reais. Podem ser custeados por meio de uma tarifa de serviço paga, de forma proporcional, pelos usuários. O retorno é de centenas de milhões de reais. No caso de Santos, a modelagem financeira preliminar estimou custo de R$ 35 milhões em dez anos. Os benefícios gerados para a comunidade portuária chegam a R$ 1 bilhão ao ano.
 
O PCS tornou-se peça-chave da modernização portuária no Brasil. É uma solução barata, de alto impacto e complementar às demais. As comunidades portuárias têm agora à mão todas as ferramentas para deflagrar uma revolução digital e verde em seus respectivos portos.
 
É hora de agir.
 
*Diego Bonomo é líder, e Lara Gurgel gerente do Programa de Facilitação de Comércio Brasil-Reino Unido