Artigos e Entrevistas
14/07/2022 - 10h55

O controle do TCU sobre setores de infraestrutura


Fonte: Jota / Daniel Bogéa*
 
Aperfeiçoamento procedimental ou revisão substantiva?
 
Na sessão de 22 de junho de 2022, o TCU apreciou o Plano Nacional de Logística 2035, que faz um diagnóstico de toda rede de transportes do país e sistematiza o planejamento do setor público para as necessárias melhorias de infraestrutura (Acórdão 1.472/2022-P). O caso nos ajuda na descrição de algumas tendências do controle externo em matérias envolvendo regulação e desestatizações. Destaco três características que retratam esses movimentos recentes:
 
1. promoção de auditorias operacionais como mecanismo para inserir o órgão de controle em todo ciclo de políticas públicas;
 
2. maior porosidade do controlador à participação social, com adoção de novas ferramentas de diálogo; e
 
3. enfoque da atividade decisória sobre aspectos procedimentais em detrimento de revisões compreensivas de escolhas políticas substantivas.
 
Em primeiro lugar, nota-se o crescente uso de auditorias operacionais para uma participação qualificada do controlador desde a formulação de políticas públicas até a etapa de avaliação de resultados. Isso vem ocorrendo em diferentes frentes, até mesmo como mecanismo para capacitar institucionalmente o corpo de auditoria sobre determinados setores ou problemas regulatórios mais complexos.
 
Em segundo lugar, de forma coerente com a abrangência da auditoria, o tribunal promoveu Painel de Referência com gestores e representantes da sociedade civil para colher contribuições (disponível aqui). Isso se coaduna com a necessidade de maior abertura a perspectivas que podem escapar à visão inicial do corpo de auditoria.
 
Em terceiro lugar, o caso ilustra um tipo de atuação decisória mais concentrado no controle como mecanismo para aperfeiçoamento procedimental. Essa preocupação com avanços sobre escolhas substantivas realizadas pelo gestor não significa necessariamente um controle mais tímido ou deferente, mas se distingue marcadamente de atos de comando que determinam a revisão completa do conteúdo de decisões administrativas.
 
No caso do PNL, os ritos recomendados endereçam dois problemas nucleares no planejamento do setor de infraestrutura ao longo de décadas.
 
Critica-se a modelagem fragmentada de uma multiplicidade de projetos sem um olhar holístico que estabeleça projeções realistas de recursos orçamentários que serão efetivamente disponibilizados. O tribunal enfatiza a necessidade de metas e objetivos mais realistas e específicos, com a adoção de métricas sólidas.
 
Aborda-se também a necessidade de integração dos modais de transporte para o desenvolvimento de uma cadeia logística eficiente (TCU já havia se debruçado sobre o tema no Acórdão 1.327/2020). Por isso, são recomendados mecanismos de governança e filtros analíticos para a seleção dos projetos para “análise integrada de projetos interdependentes e mutuamente excludentes entre os planos setoriais”.
 
De forma igualmente importante, o ministro relator Anastasia estabeleceu mudanças nas propostas da unidade técnica para tornar as recomendações emitidas pelo TCU mais concisas e objetivas, revisando propostas que considerava excessivamente invasivas e ampliando as oportunidades de melhora pelos próprios gestores controlados.
 
O caso consolida tendências recentes do controle do TCU sobre setores regulados, mas também pode ser contrastado com outras decisões recentes da Corte que não adotaram essas orientações. Qual caminho será seguido no futuro?
 
*Daniel Bogéa - Pesquisador do Observatório do TCU da FGV Direito SP + sbdp. Doutorando em Ciência Política (USP). Mestre em Direito do Estado (USP). Mestre em Ciência Política (UnB). Sócio de Piquet, Magaldi e Guedes Advogados. Diretor-Executivo do Instituto Desburocratizar.