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05/04/2022 - 10h07

Antaq prepara regramentos para autoridade portuária privatizada


Fonte: Portal BE News
 
Em entrevista exclusiva ao BE NEWS, o diretor-geral da Agência, Eduardo Nery, fala sobre o leilão de privatização da Companhia Docas do Espírito Santos (Codesa), como será a gestão desse novo modelo de exploração portuária e suas prioridades para os próximos anos
 
O diretor-geral da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), Eduardo Nery, afirmou que a autarquia deverá entregar sua nova regulação portuária, agora já prevendo a figura da autoridade portuária privada, antes da assinatura do contrato de concessão da Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa). “Antes de o contrato ser assinado, a agência terá definido internamente todos os seus procedimentos. Se for necessário, será editada uma regulação para aumentar a segurança jurídica nas relações entre concessionária, atuais arrendatários e futuros exploradores das áreas operacionais. A nossa meta é que tudo isso seja definido e feito antes da assinatura do contrato”, disse.

Em entrevista exclusiva ao BE News, o diretor-geral da Antaq explicou que o contrato de concessão da Codesa eleva o patamar da agência, uma vez que a autarquia passará a regular um concessionário que possui contratos, áreas operacionais e indicadores de desempenho muito bem definidos, que não o deixarão se desviar de suas finalidades. Para a Reportagem, Nery, um ex-servidor do TCU (Tribunal de Contas da União), também fez um balanço de seus quase um ano e meio à frente do órgão regulador e falou sobre como solucionar problemas do setor. Confira a seguir.
 
Qual o balanço que o senhor faz nestes quase um ano e meio à frente da Antaq?
 
Esse balanço de quase um ano e meio à frente da Agência foi bem positivo. A Antaq atingiu patamares de maturidade regulatória, seja no âmbito da execução da agenda regulatória e da própria agenda de estudos. Na questão da fiscalização, vejo a agência muito madura no uso de uma fiscalização responsiva, buscando atuar de forma mais pedagógica do que punitiva e sancionadora. O mercado tinha certo inconformismo em relação a isso. Mas agora não chegam mais reclamações sobre condutas da nossa fiscalização. Pelo contrário, o feedback tem sido muito positivo. Em diversos portos, tenho visto vários exemplos de iniciativas da nossa equipe de fiscalização que buscam ser mais proativas. Junto com o regulado, criam-se incentivos para que ele tome medidas para evitar a autuação ou medidas mais severas.
 
Há ainda a atuação da agência no programa de arrendamentos.
 
À pauta da agenda de arrendamentos e concessões, a agência deu contribuições fantásticas. Em 2020/2021, foram 18 leilões de arrendamentos portuários realizados, que irão gerar investimentos que chegam aos R$ 4 bilhões para o setor. Ontem tivemos um marco do setor portuário, que foi a primeira concessão de um porto público. Também com mais três leilões no período da tarde. Ou seja, na parte de cumprimento dessa agenda de arrendamentos, a agência tem sido eficiente e efetiva. Na parte de regulação portuária, a agência vem se dedicando e buscando se aprimorar cada vez mais. Os próximos passos são priorizar o transporte de passageiros, multimodalidade e sustentabilidade. São essas as nossas prioridades nos próximos anos. Claro que a agência vai continuar se dedicando à infraestrutura portuária, uma vez que ela tem passos próprios. Mas a agência vai voltar a sua atuação para buscar desenvolver esses três temas. Queremos trazer melhorias na região Norte, principalmente. A agência já está tomando providências sobre isso. Temos desenvolvido um aplicativo que se chama ‘Navegue Seguro’. Ele servirá como uma ferramenta de apoio e auxílio ao usuário de transporte de navegação de interior identificando se a embarcação é autorizada pela Antaq. São uma série de módulos e essa primeira parte já foi disponibilizada.
 
Essa questão passa pela BR dos Rios? Já há conversas para que esse projeto saia em breve?

Esse é um projeto muito importante, mas ainda estamos em discussões e definições. Acho que o ponto é que, enquanto a BR do Mar tinha um escopo mais voltado a ampliar a oferta de embarcações, podemos tomar atitudes para ampliar a nossa malha hidroviária. Portanto, independentemente da BR dos Rios, há muito a ser feito em relação a ampliação da malha hidroviária. A Antaq é o poder concedente da infraestrutura aquaviária. Nesse ponto, temos que buscar alternativas que tornem, por exemplo, as concessões das hidrovias atrativas economicamente.
 
Como?
 
Talvez projetos que possam ser associados com outros modais ou com outras questões como biodiesel etc. Isso pode torná-las interessantes do ponto de vista econômico, atraindo, inclusive, fundos de investimentos que estão cada vez mais interessados em alocar os seus recursos neste tipo de projeto. Do ponto de vista econômico-operacional, ele pode até não ser o mais vantajoso, mas quando são incorporadas outras vantagens, como descarbonização, ele se torna mais interessante. Então, temos que nos aprofundar mais nisso. Este ano queremos fazer com que a multimodalidade passe por intervenções cada vez mais eficazes e concretas. Queremos que ela deixe de ser só um sonho.
 
Sobre esse pilar de sustentabilidade, é interessante a ideia de criar selos verdes para a atração para atração desses investidores. Essa então será uma das prioridades para este ano?

Exatamente. O apelo da sustentabilidade hoje envolve toda a operação hidroviária. Ele pode ser um grande ativo nessa busca de desenvolvimento dessa malha. O momento é muito favorável. A pauta ESG (sigla em inglês para práticas ambientais, sociais e de governança) está cada vez mais valorizada. Fundos de investimentos estrangeiros estão cada vez mais atentos a esse tipo de oportunidade. O momento é propício e a Antaq vai voltar suas ações para desenvolvermos neste sentido.
 
Nesta quarta-feira ocorreu a desestatização do primeiro porto do País. Contudo, existem algumas novas regulações que deverão ser enfrentadas pela agência. Como a agência vem pensando esse novo tipo de regulação?
 
O primeiro ponto a ser destacado é que, nesta última semana, tivemos um dia histórico, com a concessão do primeiro porto público brasileiro. Ali foi vencida uma primeira etapa desse grande processo, que foi viabilizar esse tipo de contratação. Na quarta-feira conseguimos encerrar essa primeira etapa. Ela será chancelada com a assinatura do contrato. A partir daí começaremos o segundo marco histórico. Isso porque, nada disso valerá se não alcançar os objetivos que orientaram todo esse modelo. Isto é, tornar esse porto mais produtivo, eficiente e desenvolvido. Que reduza custos logísticos e gere o ciclo virtuoso, gerando uma cadeia produtiva menos onerosa, com produtos mais competitivos e baratear nossa importação. O papel da agência é regular e fiscalizar este contrato. Definitivamente este contrato de concessão, da maneira em que ele foi concebido, trouxe um modelo sofisticado, inteligente e que busca orientar as ações do regulador para atingir todos os objetivos que citei anteriormente.
 
Mas essa regulação será reativa ou podemos esperar mais atuações e regulamentos por parte do órgão?
 
O contrato de concessão eleva o patamar da qualidade da regulação. Eu digo isso porque a agência passa a regular e fiscalizar um concessionário com capacidade de investir, com flexibilidade para gerir seus contratos e suas áreas operacionais e com indicadores de desempenho muito bem definidos que não o deixarão se desviar de suas finalidades. Também impede a cobrança de tarifas abusivas e cobranças arbitrárias de uso das áreas. Essa é a inteligência do modelo. Então, a agência passa a ter essa atuação que é acompanhar os indicadores, regular as tarifas por meio das tabelas 1, 2 e 3 que acompanham ações ex-antes (antes do fato) e valores de atracação e aportagem de forma ex-post (após o fato). Também vai fazer uma outra, ex-post, da cobrança das áreas que serão exploradas. A Antaq terá ainda um terceiro papel, que é de se colocar como um árbitro ou mediador da relação entre os atuais arrendatários e o futuro concessionário.
 
Também entre os futuros exploradores das áreas operacionais e o concessionário. A partir de agora começamos um trabalho interno de definir, por meio de um grupo de trabalho, os detalhes de cada uma dessas atribuições.
 
Como será essa definição?
 
Vamos definir como a agência vai se estruturar e preparar para fiscalizar todas essas questões e como iremos nos portar. Obviamente, cada caso concreto vai ensejar sentença em relação a uma arbitragem ou mediação. Mas já exercemos esse tipo de competência de maneira regulatória, não se confundindo com a arbitragem judicial. Sempre nos pautamos por buscar essa mediação entre as partes. No caso dos contratos de concessão, já existem cláusulas induzindo as partes a buscar a mediação em determinadas situações como, por exemplo, na época de vencimento do contrato de arrendamento firmado antes da concessionária portuária ter assumido o porto.
 
É cedo para pensarmos em uma resolução para o assunto? Quando que a diretoria deve entregar essa regulação para o setor?
 
Antes de o contrato ser assinado, a agência terá definido internamente todos os seus procedimentos. Se for necessário, será editada uma regulação para aumentar a segurança jurídica nas relações entre concessionária, atuais arrendatários e futuros exploradores das áreas operacionais. A nossa meta é que tudo isso seja definido e feito antes da assinatura do contrato.
 
Nesse último leilão, na quarta-feira, tivemos um baixo número de proponentes. O lote STS11, no Porto de Santos, que é considerado um dos maiores terminais de granéis do País, por exemplo, teve apenas um grupo interessado, que já operava no local. A que o senhor atribui esse resultado?
 
Dada as assimetrias de informação que envolvem as instituições do poder público envolvidas em estruturar o projeto e fazer a modelagem, fica difícil fazer essa projeção de quais seriam as razões para não termos grandes concorrências. Mas são investimentos da ordem de R$ 756 milhões, o que já é significativo. A empresa que participou do leilão já era um grande operador portuário naquela região. Já temos outros terminais de granéis sólidos importantes no Porto de Santos e, mesmo que esse deva se tornar um dos principais, já temos outros terminais de proporção bem próxima. É uma equação que não é muito simples. Acredito que os interessados possam ter tido uma avaliação de que o momento, para eles, não seria o mais favorável. O que entendo aqui é que o principal objetivo do leilão foi atendido.E é importante dizer ainda que não tivemos nenhum pedido de adiamentos, revisões ou apontamentos de falhas na nossa modelagem que pudesse justificar a ausência de interessados.
 
O Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica, do Ministério da Justiça) e a Antaq assinaram, no ano passado, um memorando de entendimento para tentar chegar a uma interpretação única sobre o SSE/THC2 . Contudo, a regulamentação ainda não foi apresentada. Fora a questão do relatório Fiarc (sigla de Frente Intensiva de Avaliação Regulatória e Concorrencial). Como o senhor analisa toda essa questão?
 
O assunto da RN 34/2019-Antaq compõe a nossa agenda regulatória. Ele deve ser aberto para consulta pública, para tratar dessa nova Análise de Impacto Regulatório [AIR], que foi desenvolvida pela nossa Superintendência de Regulação, após diretrizes apresentadas pela diretoria colegiada. No âmbito desta AIR, todas as questões trazidas pelo relatório Fiarc serão incorporadas e analisadas. Tudo em forma de contribuição dessa análise de impacto regulatório.
 
A entrada do Ministério da Economia (ME) é benéfica nesse debate? Podemos ter algum entendimento sobre o assunto em breve?
 
As contribuições feitas pela Seac/ME (Secretaria Especial de Produtividade e Competitividade do Ministério da Economia) não são novidades. No âmbito de toda a consulta pública, ela traz contribuições. E acho que isso tudo é um entendimento dialético. A Seac fez contribuições e a agência, dentro de suas competências, vai analisar e dizer se cabe ou não acatar. Isso não causará nenhum distúrbio neste processo. Mas de fato criou-se um clima de insegurança. Uma falta de coesão entre o governo. Cade e Antaq buscando um entendimento, e a Economia trouxe outro. Isso demonstrou uma falta de conversas entre os agentes sobre o assunto. A questão da segurança jurídica engloba até a organização do Estado. Se temos um aparelho estatal com competências que podem apresentar certa sobreposição, isso pode gerar inseguranças jurídicas. Por mais que todas as partes sejam imbuídas das melhores intenções.
 
E como fica o SSE?
 
Do ponto de vista do SSE, é uma matéria de competência da Antaq e, obviamente, as contribuições do ME são bem-vindas. Claro que se viesse dentro da consulta pública, eles estariam melhor colocados. Contudo, estamos em conversas constantes com o Cade e, no âmbito das participações públicas, esperamos que o Estado continue buscando uma atuação integrada. Ainda confiamos que conseguiremos ter um posicionamento sobre o assunto até o fim deste ano. Vamos pacifi car essa questão que é muito controversa. Esse é o nosso objetivo.
 
Houve, agora, a análise dos vetos do BR do Mar (programa de incentivo à cabotagem). O destaque ficou para a derrubada dos vetos ao Reporto (regime que garante isenção fiscal na importação de equipamentos portuários e ferroviários), e as alíquotas do Adicional ao Frete para a Renovação da Marinha Mercante (AFRMM). Essas derrubadas foram importantes?
 
Essa derrubada do veto ao Reporto foi importante neste momento. Não quero entrar no mérito de que a retirada do benefício poderia gerar pedidos de reequilíbrios, que é uma discussão à parte. Mas essas isenções já aconteciam há anos e servem de incentivo aos operadores do setor. Isso ajuda muito na atração de investimentos e desenvolvimentos para os portos nacionais. Neste momento pós pandemia, o Reporto se tornou ainda mais importante. Acredito que a visão do Congresso foi muito interessante. Os operadores poderão agora trazer ainda mais desenvolvimentos para os nossos portos, neste período de crise mundial e de guerra.
 
E sobre o AFRMM?
 
Do ponto de vista do AFRMM, foi uma tentativa de se reduzir custos que poderiam tornar menos atrativo o transporte de cabotagem. Neste sentido, acredito que o Congresso tomou uma decisão acertada.
 
Recentemente houve o lançamento da lista tríplice para ocupar a vaga deixada pelo ex-diretor Adalberto Tokarski. Com o período de eleições chegando, corre-se o risco de ter alguma indicação. Como o senhor vê essa questão?
 
Claro que, para suprir uma necessidade circunstancial, essa é a finalidade que tivemos com a lista dos substitutos. Todos são muito competentes, mas não poderão exercer por muito tempo o cargo. Para a governança da agência, é desejável que haja uma indicação do diretor o quanto antes. Isso porque o futuro diretor terá o mandato de cinco anos contados a partir do momento em que o cargo foi aberto. Portanto, quanto mais tempo sem a indicação, reduz-se o tempo do que for assumir a cadeira. Agora, a decisão é do Estado. O que podemos fazer é aguardar.