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16/02/2022 - 10h29

Um plano para a infraestrutura


Fonte: Valor Econômico / Armando Castelar Pinheiro*
 
Gargalo principal é a seleção de projetos e a proteção dos escassos recursos do desejo político de agradar eleitores
 
Meu primeiro emprego consistia em projetar, 30 anos à frente, a demanda por transporte aéreo em locais onde se queria construir novos aeroportos. As projeções alimentavam a turma da engenharia civil, da arquitetura, do urbanismo etc., que fazia o projeto em si dos aeroportos. Estimulante, mas assustador: "será que a coisa vai mesmo por aí"? nos perguntávamos.
 
Pensei nessa história ao ler o Plano Integrado de Longo Prazo da Infraestrutura 2021-2050 (Pilpi), que se propõe a algo bem mais ambicioso: projetar, também em horizonte de 30 anos, os investimentos em infraestrutura, por setor, no Brasil. O documento, publicado pela Casa Civil no apagar das luzes de 2021 (ver bit.ly/3Bq14oo), é uma excelente contribuição para que avancemos em melhorar nossa infraestrutura, cujo estoque e qualidade têm caído desde os anos 1980. Pena que, talvez pela época de publicação, tenha gerado pouco debate público.
 
Gargalo principal é a seleção de projetos e a proteção dos escassos recursos do desejo político de agradar eleitores
 
O Pilpi se baseia em dois insumos principais. Um são projeções de longo prazo para a economia brasileira. Essas são feitas com base em modelos não apenas sofisticados matematicamente, mas muito ricos em dados, fornecendo projeções abertas para as 27 unidades da federação e 68 atividades econômicas, além de para 22 produtos da agropecuária e da extração florestal, tudo isso até 2050.
 
O outro insumo são os planos setoriais de infraestrutura, disponíveis para os setores elétrico, de telecomunicações, de transporte, de saneamento, segurança hídrica e resíduos sólidos. Estes planos trazem uma série de projetos de investimento que são, junto com os aqueles já contratados ou em estruturação no âmbito do Programa de Parceria de Investimentos, a base principal para as projeções de investimento de mais curto prazo. Como o Pilpi observa, se efetivamente levados a cabo, eles devem elevar a taxa de investimento anual em infraestrutura nos próximos anos para 2,5% do PIB, contra 2,2% do PIB em anos recentes.
 
É pouco claro, porém, em que medida as projeções detalhadas citadas acima foram utilizadas no Pilpi, já que ele não se propõe a identificar novos projetos de investimento, apenas recorrendo àqueles já selecionados por outras instâncias de governo. Como o documento aponta, é importante que os vários planos se baseiem em cenários econômicos uniformes, de forma a facilitar a comparação entre eles, do ponto de vista de sua atratividade setorial.
 
O Pilpi trabalha com dois cenários principais. No primeiro, chamado de Referência, "os investimentos seguem mais ou menos a tendência prevista para os primeiros quatro anos, com ajustes específicos em cada setor a depender da maturidade das políticas setoriais". No segundo e mais interessante cenário, o Transformador, os investimentos são dimensionados de forma a fechar hiatos identificados em cada setor: por exemplo, para que se atinja o acesso universal ao saneamento básico.
 
Nenhum dos dois cenários projeta uma evolução espetacular para a economia brasileira. No primeiro, o PIB sobe 1,3% ao ano; no segundo, 2,5% ao ano. A população cresce 0,4% ao ano até 2045 e, a partir daí, cai 0,1% anualmente. Em alguns setores, como saneamento e mobilidade urbana, a demanda por serviços é projetada em termos do crescimento populacional. Assim, a necessidade de investimentos cai mais para o fim do horizonte de projeção, conforme a população para de crescer.
 
Em parte por isso, se projeta atingir patamares relativamente bons de estoque de capital em infraestrutura com taxas de investimento que não estão fora do nosso alcance. No cenário de Referência, esse estoque aumenta 75% nesses 30 anos, chegando a 47% do PIB em 2050, contra cerca de 40% em 2020. No cenário Transformador, o aumento é de 135%, indo a 45% do PIB, antes de cair para 42% do PIB em 2050, mas com um PIB bem maior no cenário anterior. Em um terceiro cenário, em que o investimento em infraestrutura chega a 3% do PIB em meados da próxima década e lá permanece até 2050, o estoque de capital iria a 51% do PIB, "bem próximo ao observado em países ditos ricos".
 
Naturalmente, o Pilpi é apenas mais um passo em uma jornada de melhoria de nosso planejamento em infraestrutura que ainda está longe de completa. O gargalo principal continua sendo a seleção adequada de projetos a serem executados, protegendo os escassos recursos de que dispomos do desejo político de agradar eleitores e apoiadores.
 
Essa seleção deve ser feita com base no retorno social que o projeto oferece, líquido de seus custos sociais: os projetos com maiores retornos líquidos devem ser priorizados. Adicionalmente, como o setor privado realizará a maioria dos projetos, como fica claro no documento, também o retorno privado líquido precisa ser considerado, para garantir a atratividade para o setor privado.
 
O Pilpi é um insumo fundamental para essas análises, ajudando a dar homogeneidade e transparência às análises realizadas pelos vários ministérios setoriais. É preciso cobrar, porém, que esse processo de volta se dê, ajudando a garantir que escolhamos bons projetos.
 
*Armando Castelar Pinheiro é professor da FGV Direito Rio e do Instituto de Economia da UFRJ e pesquisador-associado do FGV Ibre