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14/12/2021 - 09h53

Multifuncionalidade rima com produtividade


Fonte: A Tribuna On-line / Lucas Rênio*
 
Na longínqua década de 1970, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) concentrou-se em lançar reflexões e diretrizes sobre o futuro do Trabalho Portuário. A Recomendação OIT 145, de 1973, surgiu como fruto desse movimento.
 
Traçando rotas para que o port labour tenha uma evolução sustentável diante das evoluções sociais e tecnológicas que impactam a dinâmica da logística, a referida norma estabeleceu, dentre outros direcionamentos, que “o número de categorias especializadas deveria ser reduzido e deveriam ser modificadas suas atribuições, à medida que estiver sendo modificada a natureza do trabalho, e que um número mais elevado de trabalhadores se capacitem para efetuar um número maior de tarefas” (item 12).
 
Previu, ainda, que “deveria ser suprimida, quando possível, a distinção entre trabalho a bordo e trabalho em terra, a fim de se conseguir uma maior possibilidade de intercâmbio de mão-de-obra, maior flexibilidade na designação do trabalho, e maior rendimento das operações” (item 13).
 
A tradução desses conceitos deságua na multifuncionalidade. O trabalho multifuncional consiste, essencialmente, na possibilidade de que o mesmo trabalhador realize qualquer uma das seis atividades tipicamente portuárias: estiva, capatazia, conferência, bloco, conserto e vigilância (são atividades e não categorias, como impropriamente a Lei Federal 12.815/13 as denomina. Mas isso é assunto para outro artigo.
 
O escopo desse instituto é aliar produtividade com oportunidade: a dinâmica operacional é agilizada na medida em que o trabalhador multifuncional pode atuar em qualquer fase da movimentação, seja a bordo ou em terra, e a chance de ascensão profissional é potencializada. Exemplo: um trabalhador do bloco ou um consertador pode alcançar o status profissional e remuneratório de um conferente, de um operador de portêiner etc. Em 1993, 20 anos após a formatação da Recomendação OIT 145, a Lei Federal 8.630 consignou que “no prazo de cinco anos contados a partir da publicação desta lei, a prestação de serviços por trabalhadores portuários deve buscar, progressivamente, a multifuncionalidade do trabalho, visando adequá-lo aos modernos processos de manipulação de cargas e aumentar a sua produtividade” (Artigo 57).
 
Essa otimista projeção de que a multifuncionalidade se concretizaria até 1998 não virou realidade. Apenas em 2020, após muito tempo desde aquela utópica projeção de cinco anos, a regulação portuária trabalhista avançou de forma significativa para destravar o tema em questão: a partir da Lei Federal 14.047, a multifuncionalidade no trabalho avulso deixou de ficar condicionada à negociação coletiva e passou a ficar liberada para aplicação direta dos Ogmos.
 
No trabalho vinculado, que vive um momento de grande insegurança jurídica quanto ao sistema de seleção que deve ser aplicado (prioridade x exclusividade), a multifuncionalidade jamais dependeu de negociação coletiva. Com base em regras como as da livre iniciativa, do poder diretivo e da máxima colaboração do empregado, os terminais e operadores sempre puderam, e continuam podendo, aplicar livremente o trabalho multifuncional mediante treinamento e remuneração adequados. Até mesmo trabalhadores que tenham sido validamente vinculados de fora do sistema Ogmo podem, de forma lícita e legítima, atuar como multifuncionais para os seus respectivos empregadores independentemente de negociação coletiva.
 
*Lucas Rênio é advogado especialista em trabalho portuário