Artigos e Entrevistas
16/07/2020 - 07h54

A pandemia e o mercado de trabalho no Brasil


Fonte: Valor Econômico / Por João Saboia, F. Roubaud e M. Razafindrakoto
 
A crise pela qual o mercado de trabalho está passando é bem diferente das anteriores. Normalmente o que se espera de uma crise é o aumento do desemprego e da informalidade e a queda dos rendimentos. Mas o que os últimos dados divulgados pela Pnad Contínua do IBGE mostram é um quadro bastante distinto, que confirma o verdadeiro desastre que se abateu sobre o mercado de trabalho. A quarentena obrigou as pessoas a ficarem em casa e reduziu drasticamente o nível de atividade econômica. Segundo o Codace da FGV, o país já se encontra em plena recessão. O setor formal se defendeu de alguma forma através de medidas como a MP 936 que permitiu a suspensão dos contratos ou a redução da jornada e dos salários. Ou ainda outras iniciativas voltadas para o setor formal. Com isso, muitos empregos teriam sido preservados. Já o setor informal ficou praticamente inviabilizado de funcionar.
 
A dificuldade para os desempregados buscarem (e encontrarem) um emprego, acabou transformando “desempregados” em “inativos”, ou seja, por não conseguirem procurar um novo emprego os desempregados simplesmente “saíram” da força de trabalho e deixaram de ser considerados desempregados, tornando-se inativos.
 
O resultado foi um crescimento relativamente pequeno do número de desempregados que passou de 12,3 para 12,7 milhões no último trimestre (março/maio) em relação ao trimestre anterior (dezembro/fevereiro). Por sinal, havia menos desempregados no país neste último trimestre do que no mesmo trimestre de 2019. O artigo de João Hallak Neto e Esther Dweck publicado na edição do dia 2/7 no Valor deixa claro a necessidade de utilização de outros indicadores, além da taxa de desemprego, para a melhor compreensão do que está ocorrendo com o mercado de trabalho brasileiro nos tempos atuais.
 
A redução da população ocupada é impressionante. Nunca se viu nada parecido no país. No último trimestre, ela caiu para 85,9 milhões de pessoas, representando uma redução de 7,8 milhões. Segundo o IBGE, trata-se de uma queda recorde da série histórica. O pessoal subutilizado também bateu novo recorde chegando a 30,4 milhões. Além dos desempregados, inclui subocupados por baixo número de horas trabalhadas e pessoas que gostariam de estar trabalhando, mas que por alguma razão não estão procurando trabalho, provavelmente, pelas próprias restrições impostas pela pandemia. Os desalentados são 5,4 milhões, também um novo recorde. 
 
O IBGE considera como informais cinco grupos de trabalhadores - empregados do setor privado sem carteira assinada; empregados domésticos sem carteira assinada; empregadores sem registro no CNPJ; trabalhadores por conta própria sem registro no CNPJ; e trabalhadores familiares auxiliares. Das 7,8 milhões de pessoas ocupadas ao menos 5,8 milhões são informais. A participação dos informais no mercado de trabalho caiu de 40,6% para 37,6% dos ocupados em apenas um trimestre. Esse também é o menor índice para a série do IBGE. A redução da informalidade, que em condições normais seria considerada uma boa notícia, na verdade é resultado da maior redução dos trabalhadores informais relativamente aos formais. 
 
Esses dados confirmam a importância do auxílio emergencial de R$ 600 mensais para fazer chegar alguma renda aos trabalhadores informais que tiveram queda ou nenhum rendimento no período. Diferentemente do que se poderia esperar, o rendimento médio do trabalho apresentou pequeno crescimento (3,6%). Na realidade, tal resultado não é tão surpreendente. Por um lado, a saída do mercado de trabalho atingiu mais fortemente os informais, ou seja, os que ganham menos (a renda média dos informais é menos da metade dos formais). 
 
Mesmo entre os informais os mais atingidos foram aqueles de menor rendimento. Por outro lado, a queda da inflação no trimestre beneficiou a manutenção do rendimento real. De qualquer forma, o crescimento da renda média do trabalho não foi suficiente para manter a massa de rendimentos, que caiu 5% no período, realimentando o processo recessivo.
 
Os dados do Caged para o mês de maio, também divulgados recentemente, apresentam informações complementares para o setor formal. Eles mostram uma redução acumulada nos três meses iniciais da pandemia (março/maio) de quase 1,5 milhão de empregos com carteira assinada, com queda mais acentuada em abril (903 mil) do que em março (253 mil) e maio (332 mil). Antes disso, o setor formal vinha gerando um volume razoável de empregos. O acumulado nos meses de janeiro e fevereiro deste ano foi de 343 mil novos empregos.
 
A queda do emprego de março/maio foi disseminada entre os vários setores da economia, especialmente nos serviços, comércio e indústria. A construção foi menos afetada, enquanto a agropecuária apresentou pequena criação de empregos formais no período. Todos os estados foram atingidos, com destaque para São Paulo que sofreu redução de 460 mil empregos formais. A geração de empregos no Caged é obtida comparando-se as admissões com os desligamentos. Aqui também há uma surpresa. A redução do emprego tem sido obtida, principalmente, pela queda das admissões e não pelo aumento dos desligamentos. Nos três meses da pandemia houve 2.727 mil admissões e 4.215 mil desligamentos. 
 
É verdade que houve aumento dos desligamentos em março e abril, mas em maio deste ano já havia menos desligamentos que em maio de 2019. As admissões, entretanto, tiveram uma queda acentuada em abril e maio, caindo a menos da metade do nível de admissões dos meses anteriores. Um efeito não programado no período de pandemia acabou sendo a redução da rotatividade no mercado de trabalho brasileiro que tradicionalmente é muito elevada no país. 
 
Em resumo, o tombo na economia foi muito grande e os efeitos sobre o mercado de trabalho não têm paralelo na história documentada do país. A crise da covid-19 é diferente de tudo que já se viu no passado. O momento é de preservação da vida das pessoas que perderam seus empregos e enfrentam enormes dificuldades. Tendo em vista as incertezas sobre quando a pandemia será superada é necessário manter e aprofundar as medidas que foram tomadas até agora para que se possa enfrentar as atuais dificuldades.
 
João Saboia é professor emérito do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE/UFRJ).
 
François Roubaud e Mireille Razafindrakoto são pesquisadores sênior do Institut de Recherche pour le Développement (IRD) de Paris e pesquisadores visitantes do IE/UFRJ.