Fonte: Folha de S. Paulo
Remuneração mais atrativa em países vizinhos causou fuga de profissionais
Com déficit estimado de 5.000 caminhoneiros, Portugal tem recorrido cada vez mais a
profissionais estrangeiros, especialmente brasileiros, para assegurar seu sistema de transporte de cargas.
A dificuldade para contratar esses motoristas —chamados de camionistas em Portugal— é tão grande que empresas oferecem bônus para o recrutamento no exterior.
Acostumada a cruzar a Europa transportando toneladas em carga, Patrícia Barreira, 43, conta que “não sabia nem dirigir um carro” quando estava no Brasil.
“Trabalhei em loja, fábricas, e só depois fui conhecendo brasileiros que eram camionistas aqui. Eles começaram a falar para eu e o meu marido tentarmos”, conta.
Patrícia destaca a remuneração e a segurança como aspectos positivos, embora a rotina de trabalho seja puxada.
A dupla alimenta um canal em que relata o dia a dia na estrada, com vídeos que passam de 500 mil visualizações.
O déficit de caminhoneiros profissionais em Portugal deve-se a uma conjunção de fatores, especialmente salariais. Enquanto a remuneração base no país é de 630 euros (cerca de R$ 2.800), o valor mais do que dobra em outros vizinhos europeus, como França e Alemanha.
Valendo-se da mobilidade no espaço europeu, muitos portugueses optam por trabalhar em outros países.
Além disso, há um forte envelhecimento do setor e dificuldade de atrair jovens para a carreira atrás do volante.
A idade mínima de 21 anos, prevista em lei, também é outro fator problemático para o setor, “um hiato temporal indesejável entre o fim da escolaridade obrigatória e a possível entrada nesta profissão”, afirma a Associação Nacional de Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias, que congrega mais de 200 empresas do setor.
Além de falarem a mesma língua, os brasileiros contam com outra vantagem: um convênio bilateral permite converter a carteira de habilitação brasileira em carta de condução portuguesa. O benefício, no entanto, é válido apenas para brasileiros que comprovem residência legal em território português.
Para carros e motos, a troca é simples. No caso de veículos pesados —categorias C e D—, é necessário um curso adicional, exigido em toda a União Europeia. A formação varia entre 30 e 140 horas, dependendo do tipo e do tempo de habilitação do condutor.
Na vizinha Espanha, por exemplo, a conversão da CNH é um pouco mais burocrática, e os solicitantes das categorias C e D precisam fazer até um novo exame que ateste a capacidade de condução.
As exigências para atuação no mercado europeu —que obedece a rígidas regras de segurança e regulamentação— acaba frustrando motoristas que chegam a Portugal sem a documentação adequada.
É o caso de um jovem de Goiás, de 26 anos, que pede para não ter o nome revelado. Caminhoneiro no Brasil, ele embarcou há dez meses com a mulher e o filho de dois anos para Portugal, motivado por relatos de sucesso em redes sociais.
Em situação irregular no país, o caminhoneiro ainda não conseguiu a carteira de motorista europeia.
Segundo ele, a ideia de que as empresas estão desesperadas por contratar é ilusória. Haveria, sim, demanda, mas só para quem tem toda a documentação e o visto em dia.
Em grupos de caminhoneiros nas redes sociais, alguns portugueses se queixam da presença dos estrangeiros. Para eles, os novos motoristas desvalorizam a profissão ao aceitarem salários baixos.