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29/06/2018 - 00h13

O emprego após a recessão


Fonte: O Estado de S. Paulo / José Pastore*
 
Não há como enfrentar as tecnologias do século 21 com a mentalidade do século 20
 
Com base na matriz produtiva dos anos 90, um crescimento de 2% do Produto Interno Bruto (PIB) gerava cerca de 1,5 milhão de empregos formais no Brasil. Entretanto, essa matriz parece ter sido superada pela adoção de novas tecnologias na produção e na gestão dos negócios, o que afeta a capacidade de gerar empregos, pelo menos, no curto prazo. 
 
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) identificou 10 setores industriais que, mesmo durante a recessão, começaram a fazer expressivos avanços no uso de robôs, inteligência artificial, big data, blockchain, impressão 3D, drones e outras inovações que utilizam menos mão de obra. 
 
A Whirlpool (eletrodomésticos), por exemplo, adotou mais de 700 inovações para aumentar a produtividade, usando menos empregados. A GE-Celma aderiu aos processos de impressão 3D, big data e realidade aumentada na manutenção de turbinas de aviões, dispensando empregos de terceirizados. A Marcopolo reduziu o tempo de montagem dos ônibus ao utilizar ferramentas para controle de estoques e melhoria da logística. 
 
No setor de tecidos e confecções, avançaram os processos automáticos de corte e de costura assim como as ferramentas que permitem lançamentos em curto tempo de novos modelos. No comércio, as vendas por meio do e-commerce aumentaram 7% ao ano (em média) na última década. Em 2017, as compras realizadas por meio de mensagens de telefones celulares aumentaram 36% enquanto muitas lojas físicas fecharam e dispensaram seus empregados. Hoje há 2 milhões de metros quadrados ociosos nos shopping centers brasileiros. 
 
Nos call centers, que empregavam verdadeiros exércitos de telefonistas, a voz humana está cada vez mais sendo substituída pela voz digital, criada e acionada pela inteligência artificial. Os chatbots (robôs que conversam com seres humanos) oferecem produtos e serviços e prestam informações personalizadas. 
 
No agronegócio, as tecnologias embarcadas permitiram o trabalho das máquinas sem operadores e o controle do gado e demais animais por meio de sensores e chips, dispensando o trabalho humano.
 
O setor financeiro é líder na adoção das mais avançadas tecnologias. Os bancos têm investido intensamente em sistemas analíticos para otimizar vendas e captação de novos clientes. Grande parte das operações administrativas já foi automatizada, dispensando boa parte do trabalho humano. 
 
Outras áreas de grandes avanços são a da administração, pesquisa, saúde, segurança e entretenimento. E os casos aqui citados são apenas um microcosmo das mudanças em andamento. 
 
O nexo entre tecnologia e emprego é muito complexo. Ao mesmo tempo que as inovações destroem empregos elas geram trabalho em outros setores. Todavia, nesse processo há dois desafios: timing e matching. Quanto ao timing, a dispensa de empregados é rápida e a realocação é lenta. Quanto ao matching, raramente os que perdem o emprego têm as qualificações para aproveitar as novas oportunidades de trabalho. Nos dois casos, o desemprego se prolonga no tempo. 
 
Tudo indica que, pelo menos no curto prazo, o crescimento do PIB nos moldes do passado será insuficiente para incorporar os 13 milhões de brasileiros desempregados. O Brasil terá de encontrar formas de facilitar a adaptação dos trabalhadores às novas condições de trabalho. O desafio é gigantesco. Isso vai exigir um grande esforço das empresas, das escolas e do governo. Não há como enfrentar as tecnologias do século 21 com a mentalidade do século 20 e as instituições do século 19 nos campos da educação, do trabalho, da previdência e da regulação dos negócios. 
 
*José Pastore, professor da Universidade de São Paulo, presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Fecomercio-SP e membro da Academia Paulista de Letras