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Países vizinhos viram ‘válvula de escape’ para exportações

Fonte: Valor Econômico
 
Depois de recuperarem em 2021 o nível pré-pandemia, as exportações brasileiras para os países da América do Sul avançam neste ano em ritmo mais acelerado que a média total e também em relação às importações, em contraste com que acontece na balança total do país. Com isso, o superávit comercial nas trocas com os países vizinhos alcançou US$ 7,97 bilhões de janeiro a julho deste ano, mais que o dobro dos US$ 3,68 bilhões em igual período de 2021. O saldo da balança total do país caiu 10% no mesmo período.
 
Como resultado, a fatia do superávit com os países sul-americanos equivale de janeiro a julho deste ano a 20% do total, em avanço na comparação com os 8,3% de iguais meses do ano passado, segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex/ME). As vendas de produtos brasileiros à região somaram US$ 24,85 bilhões este ano e avançaram 39,4%. Os embarques totais do país cresceram 20,1%. A diferença também se deu no ritmo de aumento da importação, com alta de 19,4% no comércio com os vizinhos e de 31,6% quando se olha o total das compras externas do país, sempre de janeiro a julho.
 
A exportação brasileira aos sul-americanos caiu em 2020 com a eclosão da pandemia de covid-19. Naquele ano, de janeiro a julho, o país exportou aos países vizinhos US$ 12,02 bilhões, valor 27,2% abaixo dos US$ 16,5 bilhões de 2019. Em 2021, com a recuperação econômica na região, a exportação somou US$ 17,82 bilhões, sempre no acumulado até julho. O desempenho dos embarques este ano contribuiu para um superávit levemente acima dos US$ 7,92 bilhões de iguais meses de 2018, antes pico da série desde 1997, considerando o período dos sete primeiros meses do ano.
 
Para José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), a recuperação das vendas externas ao mercado sul-americano é importante porque a região é tradicionalmente consumidora de produtos manufaturados brasileiros, embora a exportação de petróleo para países como o Chile tenha ajudado também a engordar os embarques e o superávit comercial no comércio regional. Um terço dos US$ 5,18 bilhões que os chilenos absorveram de janeiro a julho em produtos brasileiros foi petróleo, seguido de automóveis, que ficaram com fatia de 7%. Já na importação brasileira de produtos sul-americanos, diz Castro, predominam commodities ou produtos com pequeno beneficiamento.
 
Dados da Secex mostram que, dos cinco principais itens embarcados aos vizinhos de janeiro a julho, quatro foram manufaturados, todos ligados a automotivo ou transportes. O petróleo liderou a lista, com fatia de 9,4%, praticamente empatado com os 9,03% em carros. Os dois itens foram seguidos por partes e acessórios de automóveis, veículos para transporte de mercadorias e tratores. Os cinco produtos foram responsáveis por 28% da pauta de exportação do Brasil rumo aos sul-americanos.
 
Lia Valls, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), diz que o aumento do valor das exportações brasileiras tem sido acompanhado por elevação das quantidades embarcadas. Segundo dados levantados no âmbito do Indicador de Comércio Exterior (Icomex), a quantidade exportada para a Argentina subiu 14% de janeiro a julho deste ano contra igual período do ano passado. Nas importações houve queda de quantum de 0,7%. Nas exportações para os demais países da América do Sul, diz Lia, o aumento de volume foi de 14,3% enquanto a quantidade importada caiu 7,5%.
 
A principal explicação para o aumento das exportações, diz Castro, da AEB, é que a maior parte dos países dessa região é exportadora de commodities, itens que tiveram forte elevação de preços, gerando divisas adicionais. Isso, diz, proporcionou a esses países novas oportunidades de importação de manufaturados brasileiros.
 
Num momento de gargalos logísticos no comércio global, aponta, a proximidade geográfica do Brasil, o custo logístico adaptado à região, a disponibilidade de contêineres e a viabilidade de transporte terrestre incluem-se entre as principais razões de o comércio na região ter sido favorecido.
 
Castro pondera que não se trata de algo homogêneo. Segundo dados da Secex, considerando o comércio com todos os 11 demais países da região, o Brasil teve déficit com três países de janeiro a julho. O saldo negativo é explicado principalmente pelo fornecimento de produtos ligados a energia. Houve déficit com a Bolívia, do qual o Brasil importa gás, com o Paraguai, que fornece energia elétrica, e com a Guiana, por causa do petróleo. Os guianenses praticamente apareceram neste ano no mapa brasileiro de importações. O Brasil importou deles US$ 313 milhões de janeiro a julho, quase tudo em petróleo.
 
A Argentina também tem uma situação diferente e específica, aponta Welber Barral, sócio da BMJ Consultoria. A exportação de US$ 8,89 bilhões de janeiro a julho deste ano aos argentinos representa recuperação, com alta de 34% contra igual período do ano passado. Com situação externa ainda difícil, porém, diz Barral, o país não tem divisas disponíveis para permitir uma balança comercial muito desfavorável, o que pode voltar a impactar o Brasil. Recentemente, o banco central argentino baixou novas medidas que já vêm sendo sentidas por alguns setores em que os exportadores são menores e mais pulverizados, relata Barral.
 
A Abicalçados, que reúne fabricantes do setor calçadista, já se manifesta sobre dificuldades enfrentadas pelas empresas nos embarques à Argentina, mas o efeito disso ainda não apareceu claramente nos números do comércio bilateral, informa.
 
As restrições impostas pelo sócio do Mercosul para as exportações brasileiras não são algo novo no comércio bilateral, lembra Barral. Elas ganharam corpo com as licenças de importação durante a gestão de Cristina Kirchner, que esteve à frente do governo argentino de 2007 a 2015. E mesmo antes da pandemia, diz, os embarques brasileiros aos argentinos também caíram em razão da crise econômica no país vizinho, que ainda enfrenta inflação alta neste ano.
 
Para Castro, o cenário mais positivo do comércio com os vizinhos deve propiciar uma exportação brasileira aos sul-americanos de US$ 41 bilhões em 2022. No ano passado essa receita foi de US$ 34,1 bilhões. O superávit com esse grupo de países deve aumentar neste ano, diz, o que contrasta com o que a AEB projeta para o saldo total brasileiro. Após o superávit recorde de US$ 61,22 bilhões na balança total de 2021, Castro estima saldo positivo de US$ 54,13 bilhões ao fim deste ano.
 
Há incerteza, porém, sobre a sustentabilidade do desempenho do comércio com a vizinhança em prazo mais longo, aponta. Os dados e cenários mostram que o Brasil pode ocupar mais espaços nos mercados de diferentes países da América do Sul. “Depende mais de o Brasil querer aumentar suas exportações e menos de as empresas destes países desejarem ampliar suas importações.” Apesar dos bons resultados alcançados, não se pode considerar esse mercado vizinho como cativo, lembra, pois a China, principalmente, está ocupando espaços e desalojando o Brasil como principal fornecedor em alguns países.
 
Lia destaca que, em 2022, o desempenho mais positivo das exportações brasileiras aos vizinhos sul-americanos deve-se à recuperação econômica na maioria dos países. O comércio futuro depende disso e de outros fatores, como o papel dos acordos comerciais com parte dos parceiros e do alinhamento político. O resultado das eleições no Brasil, avalia, também pode influenciar na política externa regional. Em prazo mais curto, diz Lia, a preocupação é com possível desaceleração econômica à frente.
 
Segundo as projeções de consenso do relatório de agosto da consultoria FocusEconomics, a estimativa é que o PIB da Colômbia cresça 5,8% em 2022 após expansão de 10,6% no ano passado. Para 2023, a estimativa é de alta de 2,6%. No Chile, o crescimento projetado é de expansão de 2% neste ano, após alta de 11,7% em 2021. Para o ano que vem, a estimativa é de crescimento de 0,2%.
 
Barral lembra que o desarranjo do comércio internacional, sob impacto da pandemia e depois pela guerra entre Rússia e Ucrânia, trouxe desafios comuns a todos os países latino-americanos, como a pressão de preços. No médio prazo, porém, o contexto internacional pode favorecer o comércio com a Argentina e os demais países sul-americanos. A região, aponta, é uma das poucas do mundo onde não há uma corrida armamentista, o que a torna um fornecedor considerado confiável do ponto de vista político. O movimento de realocação de recursos produtivos nas maiores economias, trata-se, diz Barral, de uma oportunidade para a região na atração de indústrias.


 

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