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Deveríamos dedicar menos tempo ao trabalho? Conheça os malefícios de exagerar na jornada

Fonte: BBC News
 
Quando me mudei de Washington para Roma, uma cena me marcou mais do que qualquer basílica romana: a de pessoas sem fazer nada.
 
Eu costumava ver idosas na janela observando pessoas passarem ou famílias em passeios noturnos parando de vez em quando para cumprimentar amigos. Até a vida de escritório era diferente. Esqueça o sanduíche do lado do computador. Na hora do almoço, restaurantes ficam lotados de trabalhadores fazendo uma refeição decente.
 
Desde o século 17, já se fala no estereótipo da "preguiça" italiana. E esta não é a história toda. Os mesmos que dirigiam para casa em scooters na hora no almoço voltavam ao escritório para trabalhar até às 20h.
 
Mesmo assim, a aparente crença no equilíbrio entre trabalho duro e il dolce far niente, ou "a doçura de não se fazer nada", sempre me intrigou. Até porque não fazer nada soa como o oposto de ser produtivo. E produtividade, seja criativa, intelectual ou industrial, é a principal forma de se usar o tempo.
 
Mas à medida que preenchemos nossos dias com mais e mais afazeres, muitos de nós estamos descobrindo que a atividade ininterrupta não é o ápice da produtividade. É sua adversária.
 
Pesquisadores estão notando que o trabalho após uma jornada de 14 horas não é apenas de pior qualidade, mas que esse padrão está prejudicando a criatividade e a cognição. Ao longo do tempo, isso pode nos deixar fisicamente doentes –e, ironicamente, fazer-nos sentir que não temos propósito.
 
Pense no trabalho mental como fazer flexões, diz Josh Davis, autor de Two Awesome Hours (Duas horas incríveis, em tradução livre). Digamos que você queira fazer dez mil repetições. A maneira mais "eficiente" seria fazer todas de uma vez, sem intervalo. Mas sabemos instintivamente que isso é impossível. Em vez disso, se fizéssemos apenas algumas flexões intercaladas com outras atividades durante algumas semanas, chegar a dez mil seria mais viável.
 
"O cérebro é como um músculo nesse caso", escreve Davis. "Se estabelecermos as condições inadequadas com trabalho constante, vamos realizar pouco. Mas se estabelecermos as condições certas, provavelmente não há quase nada que não possamos fazer".
 
FAZER OU MORRER
 
Muitos de nós, no entanto, não costumam entender nossos cérebros como músculos, mas como um computador: uma máquina capaz trabalhar constantemente. Isso não é apenas falso, mas se forçar a trabalhar por horas sem descanso pode ser prejudicial, dizem especialistas.
 
"A ideia de que você consegue estender indefinidamente o seu tempo de foco e produtividade a esses limites arbitrários está errado. É autodestrutivo", diz o cientista Andrew Smart, autor de Autopilot (Piloto automático, em tradução livre). "Se você produz constantemente essa dívida cognitiva, quando sua fisiologia diz 'preciso de uma pausa' e você continua forçando-a, então você vai ter essa resposta de estresse crônico –e, com o tempo, isto é bastante perigoso".
 
Uma metanálise descobriu que trabalhar por muitas horas aumenta o risco de doença cardíaca em 40% –quase tanto quanto fumar (50%). Outro estudo mostrou que pessoas que trabalhavam muito tinham um risco bem maior de derrame. E mais um apontou que os que trabalhavam mais de 11 horas por dia tinham 2,5 vezes mais chances de episódios depressivos do que os que trabalhavam sete ou oito.
 
No Japão, isso levou a uma tendência preocupante conhecida como karoshi –ou morte por trabalho excessivo.
 
Será que significa que você deveria tirar férias mais longas? Provavelmente sim. Um estudo com empresários de Helsinque, capital da Finlândia, mostrou que, ao longo de 26 anos, executivos e empresários que tiravam menos férias na meia-idade tinham mais chances de morrer mais cedo ou ter piores condições de saúde na velhice.
 
As férias também podem valer a pena financeiramente. Um estudo com mais de 5 mil trabalhadores americanos descobriu que pessoas que tiram menos de dez dias de férias por ano têm uma em três chances de receber um aumento ou bônus em três anos. E as que tiravam mais de dez? Duas em três chances.
 
OBSESSÃO POR PRODUTIVIDADE
 
É fácil pensar que eficiência e produtividade são uma obsessão nova. Mas o filósofo Bertrand Russell discordaria disso.
 
"Será dito que, embora um pouco de lazer seja agradável, os homens não saberiam como preencher seus dias se tivessem apenas quatro horas de trabalho das 24 (do dia)", escreveu Russell em 1932, acrescentando que "isso não teria sido verdade em qualquer período anterior. Antes havia uma capacidade de despreocupação e diversão que foi de certa forma inibida pelo culto da eficiência. O homem moderno pensa que tudo deve ser feito para o bem de outra coisa, e nunca para o seu próprio bem".
 
Dito isso, algumas das pessoas mais criativas e produtivas perceberam a importância de se fazer menos. Elas tinham uma forte ética de trabalho –mas também permaneceram dedicadas a descansar e se divertir. "Trabalhe numa tarefa por vez até acabá-la", escreveu o artista e escritor Henry Miller em seus 11 mandamentos para escrever. "Pare no horário determinado!... Continue a ser um humano! Veja pessoas, vá a lugares, beba se você quiser".
 
Até mesmo um dos nomes mais importantes dos EUA e um modelo de trabalho duro, Benjamin Franklin, devotou tempo à ociosidade. Ele tirava duas horas de almoço por dia, tinha noites livres e dormia bem.
 
Em vez de trabalhar ininterruptamente em sua carreira como dono de tipografia –o que pagava suas contas–, Franklin usava "grande parte do tempo" em hobbies e socialização. "De fato, os mesmos interesses que o tiravam de sua profissão levaram-no a conhecer muitas coisas maravilhosas pelas quais ele é conhecido, como inventar o fogão de Franklin e o para-raios", escreveu Davis.
 
Até em nível global, não há uma correlação clara entre a produtividade do país e a média de horas trabalhadas. Com uma jornada de 38,6 horas por semana, por exemplo, o empregado americano médio trabalha 4,6 horas a mais que um norueguês. Mas pelo PIB, os trabalhadores noruegueses contribuem o equivalente a US$ 78,70 (R$ 291) por hora –comparado com US$ 69,60 (R$ 257) dos americanos.
 
E a Itália, o berço de il dolce far niente? Com uma média de 35,5 horas de trabalho por semana, ela produz quase 40% mais por hora do que a Turquia, onde as pessoas trabalham uma média de 47,9 horas por semana. Ela se aproxima até do Reino Unido, onde as pessoas trabalham 36,5 horas. Todos os intervalos para o café, ao que parece, não são ruins.
 
ONDA CEREBRAL
 
Hoje temos oito horas de trabalho por dia porque as empresas descobriram que cortar algumas horas da jornada tem um efeito reverso ao esperado: aumenta a produtividade. Na Revolução Industrial, era comum trabalhar por dez a 16 horas por dia. A fabricante de automóveis Ford foi a primeira a experimentar um turno de oito horas –e notou que os trabalhadores eram mais produtivos no total. Em dois anos, suas margens de lucro dobraram.
 
Se oito horas de trabalho são mais produtivas que dez, então menos horas funcionariam melhor? Talvez. Para pessoas com mais de 40 anos, uma pesquisa mostrou que a jornada de 25 horas por semana é o limite ideal para a cognição. A Suíça recentemente experimentou o modelo de seis horas e percebeu uma melhora na saúde e produtividade.
 
Isto parece só confirmar como as pessoas já se comportam no trabalho. Um questionário com quase 2 mil profissionais de escritórios no Reino Unido mostrou que eles eram produtivos por apenas duas horas e 53 minutos do total de oito horas. O resto do tempo era gasto com redes sociais, leitura de notícias e conversas com colegas não relacionadas ao trabalho, alimentação e até a busca por um novo emprego.
 
Nossa capacidade de foco é ainda menor quando estamos sendo pressionados além de nossa capacidade.
 
Pesquisadores como o psicólogo K. Anders Ericsson, da Universidade de Estocolmo, descobriram que os intervalos são mais necessários do que parecem. A maioria das pessoas aguenta apenas uma hora sem descansar. E muitos no topo, como músicos de elite, autores e atletas, nunca dedicam mais do que cinco horas por dia sistematicamente à profissão.
 
Outro hábito compartilhado? Uma "crescente tendência de tirar cochilos restauradores", escreve Ericsson. Segundo estudos, os intervalos ajudam a manter o foco e a performar em alto nível. Não tirá-los pode reduzir a performance.
 
DESCANSO ATIVO
 
Mas "descansar", como alguns pesquisadores ressaltam, não é necessariamente a melhor palavra para o que estamos fazendo quando pensamos que não estamos fazendo nada.
 
A parte do cérebro ativada quando não estamos fazendo "nada" é conhecida como rede de modo padrão (DMN, na sigla em inglês), que tem um papel central na consolidação da memória e visualização de possibilidades futuras. Também é a área cerebral ativada quando as pessoas estão observando outras, pensando sobre si próprias, fazendo julgamentos morais ou processando as emoções de outras pessoas.
 
Em outras palavras, se esta rede fosse desligada, teríamos dificuldade de lembrar ou prever as consequências, compreender interações sociais, agirmos eticamente ou termos empatia por outros –todas as coisas que nos tornam não apenas funcionais no trabalho, mas na vida.
 
"Ela ajuda a reconhecer a importância mais profunda das situações. Ela ajuda a fazer sentido das coisas. Quando você não está fazendo sentido das coisas, você só está reagindo e agindo no momento, você está sujeito a muitos tipos de comportamentos e crenças cognitivos e emocionais inadequados", diz Mary Helen Immordino-Yang, neurocientista e pesquisadora do Instituto do Cérebro e da Criatividade na Universidade do Sul da Califórnia, nos EUA.
 
Também não conseguiríamos criar novas ideias e conexões. Berço da criatividade, o DMN se ativa quando estamos fazendo associações entre assuntos aparentemente não relacionados ou tendo ideias originais. É ainda o lugar onde os momentos "ah-ha" acontecem –o que significa que se, como Arquimedes, você teve sua última boa ideia no banho ou durante uma caminhada, você deve agradecer à biologia.
 
Talvez o mais importante de tudo é que se não dermos atenção ao nosso interior, perdemos um elemento crucial de felicidade.
 
"Muitas vezes estamos apenas fazendo coisas sem buscar sentido para aquilo", diz Immordino-Yang. "Quando você não consegue relacionar suas ações a uma causa maior, ao longo do tempo elas irão parecer sem propósito, vazias e não conectadas com seu 'eu' mais amplo. E, ao longo do tempo, não ter um propósito está relacionado a não ter saúde psicológica e fisiológica ideais".
 
MENTE DE MACACO
 
Mas qualquer um que já tentou meditar sabe que não fazer nada é surpreendentemente difícil. Quantos de nós, depois de 30 segundos de inatividade, pegamos o celular?
 
Isso nos deixa tão desconfortáveis que preferimos até nos machucar. Literalmente. Em 11 estudos diferentes, pesquisadores viram que os participantes preferiram fazer qualquer coisa –até receber choques elétricos– a não fazer nada. E eles sequer precisavam ficar inativos por muito tempo: entre seis e 15 minutos.
 
A boa notícia é que você não precisa fazer absolutamente nada para colher os benefícios disso. Descansar é importante, mas a reflexão ativa também. É quando você mastiga um problema ou pensa sobre uma ideia. Se você estiver bem intencionado, poderá ativar sua DMN até se estiver pasando tempo nas redes sociais.
 
"Se você está apenas olhando para uma foto bonita, ela (DMN) é desativada. Mas se está fazendo uma pausa e permitindo a si mesmo imaginar uma história sobre por que a pessoa na foto está se sentido daquela forma, criando uma narrativa ao seu redor, então você pode até estar ativando essa rede", diz a pesquisadora.
 
Também não é preciso muito tempo para reverter os efeitos prejudiciais da atividade constante. Quando adultos e crianças foram mandados ao ar livre, sem qualquer equipamento, por quatro dias, a performance deles numa tarefa que envolvia criatividade e solução de problema melhorou em 50%. Até sair para uma caminhada, de preferência ao ar livre, aumentou bastante a criatividade.
 
Outro método bastante eficaz para reverter esse prejuízo é a meditação: apenas uma prática por semana para indivíduos que nunca meditaram, ou uma simples seção aos praticantes experientes, pode melhorar criatividade, humor, memória e foco.
 
Outras tarefas que não exigem 100% de concentração também podem ajudar, como tricotar ou rabiscar. Como Virginia Woolf escreveu em Um Quarto só para Si: "Desenhar foi uma maneira ociosa de terminar uma manhã de trabalho pouco produtiva. Ainda assim é na ociosidade, em nossos sonhos, que a verdade submersa às vezes vem ao topo".
 
TEMPO LIVRE
 
Seja distanciando-se de sua mesa por 15 minutos ou desconectando a sua caixa de e-mail à noite, parte de nossa dificuldade de desconectar tem a ver com controle –o medo de que se relaxarmos por um momento, tudo o que construímos irá por água abaixo.
 
Isso está errado, diz a poeta, empreendedora e "life coach" Janne Robinson. "A metáfora que gosto de usar é a da fogueira. Por exemplo, lançamos um negócio e um ano depois começamos a pensar quando poderemos tirar uma semana de folga ou se devemos contratar alguém. Muitos de nós não confiaria nos outros para assumir o controle. Ficamos achando que o fogo vai se apagar", explica.
 
"E se confiássemos que a brasa é tão forte que podemos ir embora e alguém só precisa jogar madeira de vez em quando para que as chamas continuem a queimar?", sugere.
 
Não é algo fácil para quem sente que temos constantemente que "produzir". Mas, para se fazer mais, parece que precisamos nos sentir confortáveis em fazer menos.
 
Leia a reportagem original (em inglês) no site da BBC Capital.
 

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