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O caminho da fraude e precarização de direitos

Fonte: Valor Econômico / Luís Camargo (*)

 
O Projeto de Lei nº 4.330, de 2004, de autoria do empresário e ex-deputado Sandro Mabel, volta ao centro do debate. O texto-base do projeto, aprovado na Câmara dos Deputados em 8 de abril, tem por objetivo liberar a terceirização em todas as áreas, retirando qualquer empecilho para o emprego de manobras fraudulentas, ao permitir a contratação por empresa interposta tanto na atividade meio como na atividade fim da empresa. Um retrocesso sem precedentes no direito do trabalho.
 
Temos hoje cerca de 45 milhões de empregados. Desses, 12 milhões são terceirizados e recebem salário 27% menor, com índice elevado das taxas de acidente de trabalho (inclusive com mortes), menor qualificação e baixa representatividade. É esse o modelo de gestão de pessoal, com enfoque no corte de custos e elevação dos lucros empresariais, que o PL nº 4.330 pretende implantar, trazendo para as mesmas condições precárias os demais 33 milhões de trabalhadores que pertencem ao quadro efetivo das empresas.
 
Por estas e outras razões, a proposta recebeu duras críticas em manifesto assinado por 19 dos 27 ministros do Tribunal Superior do Trabalho, além de notas públicas de repúdio emitidas pela Associação Nacional dos Magistrados de Brasília, pela Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho e pela Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas. Reação plenamente justificada, pois a fragmentação e precarização das relações de trabalho serão consequências inevitáveis, chegando ao ponto mesmo de gerar a esdrúxula figura de uma empresa sem empregados, com distorção ou extinção das figuras do empregado e empregador, conforme previsto nos artigos 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
 
A lei almejada deve ampliar a proteção aos trabalhadores terceirizados para além do que regulamenta o TST
 
Ora, quando se tem uma cadeia de terceirizações, quarteirizações e até quinteirizações, a identificação dos responsáveis pelos direitos dos trabalhadores é dificultada, acarretando a inserção dos terceirizados em uma complexa rede de supostos empregadores, dividindo tarefas com empregados de outras empresas, todos com níveis salariais diferentes e exigências diversas. Tratados como empregados de segunda categoria, discriminados e desqualificados, os terceirizados são as vítimas mais frequentes de acidentes de trabalho e adoecimentos. No setor elétrico, por exemplo, as empresas fornecedoras de serviço lideram em disparada o número de mortes e acidentes graves. Fato também evidenciado na exploração do petróleo e na construção civil, entre outras atividades econômicas.
 
No setor público, a terceirização presta-se também a fins escusos e inconstitucionais, o que facilmente se percebe ao examinar o seu uso desbragado pelos municípios e entidades públicas, no fito de ludibriar a exigência constitucional do concurso público (art. 37, II, CF/1988). Tal prática conforta o administrador, sob o ponto de vista eleitoral, funcionando como moeda de troca do voto do trabalhador contratado e de sua família. Além do mais, isto serve de barganha para apoios financeiros em campanhas políticas, sem contar a remuneração diferenciada a trabalhadores terceirizados prejudicados, pois teriam melhores salários e condições gerais se concursados.
 
Com isso, o Ministério Público não pode concordar. Não se trata de uma posição arbitrariamente preconcebida, muito menos ligada a qualquer tipo de preconceito. O Ministério Público do Trabalho não tem preconceitos. Antes, cabe ao MPT, dentro de suas funções de defensor da ordem jurídica, do regime democrático e dos direitos sociais e individuais indisponíveis, combater qualquer forma de discriminação e preconceito. Todavia, é também em função da missão constitucional que lhe foi confiada, que não pode o Órgão Ministerial se omitir, enquanto no Congresso Nacional se pretende pôr fim aos mais caros e relevantes direitos e garantias sociais do trabalhador.
 
Hoje a terceirização é permitida apenas nas hipóteses restritas reguladas pela Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho que, embora não satisfatórias, tentam minimizar os efeitos deletérios dessa prática, assegurando, ainda que precariamente, o mínimo de proteção ao trabalhador terceirizado que, muitas vezes, sequer consegue identificar seu empregador na dissimulada cascata de contratantes e subcontratantes.
 
É inegável, entretanto, que o fenômeno tomou proporções absurdas no Brasil e a regulamentação da matéria é medida que se impõe. A lei almejada, no entanto, deve trazer meios de ampliar a proteção dos trabalhadores terceirizados para além do que regulamenta o Tribunal Superior do Trabalho, mantendo os direitos e garantias constitucionais e, por consequência, afastando as formas de exploração que impliquem a precarização da mão de obra do trabalhador.
 
Em suma, a terceirização de serviços deve ser promovida nos estritos limites do próprio significado desse instituto, representando o desenvolvimento de atividade acessória em que há autonomia e idoneidade econômica na atuação do prestador de serviço, sob pena de retrocedermos para a época em que o direito admitia a mera locação de mão de obra.



(*) Luís Camargo é procurador-geral do trabalho e professor de direito do trabalho no Centro Universitário IESB
 

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