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MPs que restringem acesso a benefícios trabalhistas são "desrespeito à classe", diz Souto Maior

Fonte: Migalhas.com

Professor afirma que supressão significa adoção do governo ao princípio do "tudo pelo econômico", em detrimento do "tudo pelo social".

 
"A classe trabalhadora foi punida nos 21 anos de ditadura civil-militar, sofreu as consequências na década de 80, e pagou a conta a partir da década de 90."
 
Frente às recentes alterações às regras de acesso a benefícios trabalhistas e previdenciários, promovidas por meio das MPs 664 e 665, o professor da Faculdade de Direito da USP Jorge Luiz Souto Maior destaca que a supressão significa uma adoção do governo ao princípio do "tudo pelo econômico", em detrimento do "tudo pelo social" – classificando as medidas como "desrespeito à classe trabalhadora".
 
"Quando se está diante de uma iniciativa como esta, da imposição de Medidas Provisórias que retiram direitos dos trabalhadores sob o argumento de que isso é importante para alavancar a economia, tem-se a prova de que a frase correta não é 'os trabalhadores pagaram a conta na década de 90' e sim, que 'estão pagando a conta desde a década de 90'."
 
Em entrevista concedida a Migalhas, Souto Maior ainda destaca que as MPs constituem uma afronta à CF, consubstanciando um atentado ao Estado Democrático de Direito. "Sendo assim, ainda que economicamente tivessem alguma serventia não poderiam ser acolhidas pela ordem jurídica."
 
Confira abaixo a íntegra.
 
Migalhas entrevista
 
O senhor concorda com as alterações promovidas por meio das MPs 664 e 665? Por quê?
 
Não se trata de uma questão de opinião, no sentido de concordar, ou não. É preciso entender o contexto histórico em que tais MPs se inserem, para conseguir perceber melhor o que elas de fato representam.
 
Historicamente, o que representa a edição das recentes MPs 664 e 665 do atual governo Dilma?
 
Historicamente, as MPs podem ser vistas por dois ângulos.
 
Para um observador menos atento, as MPs podem se apresentar como um retrocesso à década de 90, quando o governo do PSDB, adotando, explicitamente, a teoria neoliberal, buscava alavancar um projeto econômico por meio da supressão de direitos trabalhistas, considerando-os apenas sob a ótica dos custos, com desprezo ao aspecto humano envolvido e mesmo ao fato de que tais direitos foram conquistados após muita luta da classe trabalhadora. Com vistas a atingir seu objetivo, valia-se o governo de Medidas Provisórias, exatamente para, por intermédio da tática do “fato consumado, evitar o debate democrático congressual sobre as medidas e dificultar a resistência dos trabalhadores.
 
Para um observador mais atento, no entanto, as recentes MPs adotadas pelo governo Dilma constituem a demonstração explícita de que, no fundo, a política econômica do governo do PT, mesmo trazendo um acréscimo de investimento nas ações assistenciais, não foi diferente daquela que já vinha sendo implementada no período anterior, sendo comprovação clara disso também o fato de que nenhuma das fórmulas jurídicas de precarização das condições de trabalho criadas na década de 90, tais como a terceirização e o banco de horas, sofreu reversão na era petista, não tendo havido, ainda, qualquer mudança de rumo em temas extremante importantes para a classe trabalhadora como o da garantia de emprego, ao menos nos termos da Convenção 158 da OIT, que serviria como parâmetro para regulamentar o inciso I, do art. 7º. da CF. Em alguns temas, aliás, o que se verificou foi um avanço da precarização, como nos casos da terceirização no serviço público, especialmente no âmbito da administração federal onde foi severamente acrescida, valendo lembrar que nos últimos anos tem sido grande a luta contra a aprovação do PL 4.330, que foi abertamente apoiado pelo governo federal, PL este que prevê a ampliação da terceirização, assim como também foi grande a luta contra o projeto do negociado sobre o legislado (o ACE), também apoiado pelo governo federal, o qual, aliás, na mesma linha propôs a criação do SUT (Sistema Único do Trabalho), que inibe a atuação da fiscalização do trabalho e incentiva a negociação coletiva mesmo “in pejus”, legitimando a intermediação de mão-de-obra. Não se pode esquecer, ademais, da violenta repressão que o governo promoveu nas recentes greves dos servidores federais e como agiu repressivamente também com relação às manifestações, tendo incentivado, a propósito, a adoção de uma Lei Antiterrorismo (PL 499/13), que reproduz conceitos da Lei de Segurança Nacional, típicos da época da ditadura, atentando, pois, contra a lógica democrática, tudo para abafar as manifestações, as quais opunham à realização da Copa no Brasil ou que serviam como instrução para reivindicação de direitos sociais e melhorias nas condições de vida.
 
Aliado a tudo isso, vê-se, agora, a apresentação daquela que, segundo o prof. Marcus Orione, especialista na área da Seguridade Social, representa o “pior de todo o conjunto de medidas já adotados em relação à previdência social por qualquer governo no chamado Brasil democrático – considerado, para fins jurídicos, o estado de direito que foi conformado a partir da constituição de 1988 –, já que, além de tudo, é a que atinge, em maiores proporções, a população mais pobre. Somente a introdução do fator previdenciário, pelo governo Fernando Henrique Cardoso (e mantido pelos governos Lula e Dilma), pode ser considerado tão prejudicial aos trabalhadores quanto esta reforma produzida como um dos derradeiros atos do fim do primeiro mandato de Dilma Rousseff e com o qual ela se credencia para iniciar a sua nova gestão. Isto dá a dimensão histórica do que foi feito por este governo” [1].
 
O governo justificou a medida de maior rigidez para o recebimento dos benefícios com a necessidade de reduzir custos da Previdência e para evitar fraudes. O que o senhor acha disso?
 
Acho um desrespeito à classe trabalhadora, ao menos por dois motivos.
 
Primeiro, por uma questão principiológica, que é a mais importante de todas, vez que fixa a diretriz do raciocínio e das atitudes. Ora, ao dizer que pretende economizar R$18 bilhões mediante a supressão de benefícios dos trabalhadores o governo adota o principio de que o interesse econômico (que sequer é o interesse econômico do mercado, ao menos não diretamente) deve prevalecer sobre o interesse social. Foram vários anos de aprendizado, desde a implementação das políticas recessivas e de arrocho salarial da equipe econômica de Roberto Campos, no período iniciado em 1964, sobre os efeitos deletérios desse pensamento, ainda mais quando acoplado à satisfação dos interesses de grupos econômicos estrangeiros, gerando conseqüências graves também do ponto de vista da formação educacional e da própria qualidade de mão-de-obra, prejudicando a produção de riquezas e o desenvolvimento do país. O projeto gerou, na década de 80, um grave ciclo inflacionário, que, novamente, prejudicou a classe trabalhadora. Na década de 90, com a implementação da política neoliberal, pensada a partir da realidade dos países do capitalismo central, onde o Estado Social se efetivou concretamente, ao contrário do que se verificou no Brasil, cujo implemento, que poderia advir com o projeto de diretrizes e bases de João Goulart, foi impedido pelo golpe, a solução pensada mais uma vez penalizou a classe trabalhadora. 
 
Ou seja, a classe trabalhadora foi punida nos 21 anos de ditadura civil-militar, sofreu as conseqüências na década de 80, e pagou a conta a partir da década de 90. E quando se está diante de uma iniciativa como esta, da imposição de Medidas Provisórias que retiram direitos dos trabalhadores sob o argumento de que isso é importante para alavancar a economia, tem-se a prova de que a frase correta não é “os trabalhadores pagaram a conta na década de 90” e sim, que “estão pagando a conta desde a década de 90”, mantendo-se o princípio do “tudo pelo econômico” e não do “tudo pelo social”. 
 
Ainda que o governo tente utilizar eufemismos para qualificar seu ato, dizendo tratar-se apenas de um “ajuste” ou de um “um aperfeiçoamento das políticas sociais para aumentar sua eficácia”, não é possível obstar a compreensão do direcionamento principiológico que dita as MPs e o prejuízo concreto que gera para os trabalhadores, como se demonstrará mais adiante, sendo oportuno lembrar, para afastar qualquer tipo de retórica, que as maiores investidas sobre os direitos trabalhistas foram feitas de 2003 em diante: taxação dos inativos, alta programada e fator previdenciário [2].
 
Segundo, pelo próprio fundamento econômico utilizado. Ora, a redução do gasto em R$18 bilhões para uma economia como a do Brasil cujo PIB [3] é R$ 4,84 trilhões (2013) é mesmo insignificante. Verdade que nem assim houve superávit. Aliás, o que se anunciou na última sexta-feira foi o maior défict nas contas do governo desde 1997, coincidentemente de cerca de R$17,2 bilhões, tendo havido em dezembro de 2014, o pior resultado da história.
 
Partindo dessa coincidência, fica até parecendo que o governo, sabendo que o déficit seria este quis se antecipar a anunciar uma medida de restrição de gastos exatamente no mesmo valor, para acalmar o mercado e os eventuais críticos. 
 
E o fez, tirando de quem? Dos trabalhadores, é claro!
 
Mas, foram os trabalhadores os culpados do déficit? 
 
O PIB de 2014 ainda não foi anunciado. Sabe-se, por ora, apenas que a arrecadação de impostos em 2013 atingiu a marca recorde de R$ 1,7 trilhão (2013), sendo que, de 1º. a 29 de janeiro de 2015, já tinham sido arrecadados mais de R$ 181 bilhões.
 
Na contribuição para o déficit o que há de se indagar é quanto se gastou para a realização da Copa. Segundo o próprio governo, foram gastos R$ 25,6 bilhões, em obras para o torneio, entre obras de estádios e infra-estrutura, sendo que deste valor, 83,6% saíram dos cofres públicos.
 
Verdade que a maior parte dos gastos foi feita para o transporte e aeroportos (60,1%), mas a população continua pagando para a utilização desses serviços, tendo havido, inclusive, no início do ano de 2015, aumento das tarifas. Já outros R$ 7,09 bilhões foram utilizados para os estádios, que não possuem qualquer interesse de ordem pública, estando, ademais, a maior parte deles, à disposição da iniciativa privada, para exploração econômica, cobrando pelos serviços, sem qualquer controle do Estado.
 
Claro que o governo poderá dizer que no período de preparação para a Copa foram gerados, segundo argumenta, R$ 3,6 milhões de empregos diretos [4], mas quanto do valor efetivamente gasto ficou para os trabalhadores e quanto restou para empreiteiras e demais entidades empreendedoras, que foram “convidadas” para a festa? Dê-se registro, por oportuno, às vultosas quantias oferecidas pelas empreitei
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