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O futuro das agências reguladoras

Fonte: Valor Econômico / Gustavo Flausino Coelho (*)



Após os debates eleitorais, polarizados nos dois candidatos finalistas, é possível afirmar que um tema será pauta no mandato a ser iniciado em 1º de janeiro de 2015: as agências reguladoras. Não resta dúvida - tanto para as empresas como para os consumidores - que o governo precisa fortalecê-las a fim de promover o país a um novo patamar de desenvolvimento econômico e social.
 
O Brasil possui diversas agências reguladoras nacionais relacionadas a setores essenciais. Essas autarquias federais foram introduzidas a partir da segunda metade dos anos 1990 no ordenamento nacional com o intuito de corrigir falhas de mercado, monitorar os agentes econômicos relevantes, garantir a efetividade de políticas públicas de Estado e editar normas de caráter técnico e de modo célere.
 
As primeiras leis criadoras das agências cultivaram um padrão normativo consistente, em linha com as melhores práticas internacionais da época, permitindo aos estudiosos e profissionais acumular o conhecimento sobre direito regulatório no Brasil. Os investidores nacionais e estrangeiros encontraram nessa nova sistemática a segurança jurídico-institucional desejada para viabilização de investimentos significativos em infraestrutura, demanda histórica do Brasil.
 
Criação foi feita para viabilizar a regulação eficiente e técnica e manter um ambiente negocial transparente
 
Do ponto de vista do consumidor, a curva de aprendizado também foi sentida, com a inicial desconfiança sendo superada pela melhoria sensível em diversos setores. No setor de telecomunicações, por exemplo, a Anatel atuou decisivamente na universalização das telefonias fixa e móvel, terminando com as filas e aluguéis de linhas, aproximando o consumidor da agência reguladora no momento inicial. No setor petrolífero, a ANP trouxe transparência aos preços dos combustíveis nos postos e promoveu rodadas de licitações com geração de diversos empregos pela iniciativa privada e receitas aos cofres públicos.
 
Contudo, esse histórico nos setores regulados tem sido impactado pelos percalços enfrentados nos últimos anos, gerando descontentamento dos consumidores e empresariado. Os sintomas são diversos: atraso na nomeação de diretores (com a consequente falta de quórum para decisão das diretorias), aumento da ingerência de secretarias e ministérios nos setores regulados, indícios de captura política de membros das agências, restrições orçamentárias.
 
A causa parece ser a percepção de que as agências reguladoras independentes representam um modelo que não deveria ser perpetuado ou aprimorado, mas mitigado e adaptado para atender aos interesses dos ministérios (de Governo) em vez das políticas públicas (de Estado).
 
Alguns casos recentes exemplificam incertezas na regulação no país. No setor petrolífero, o novo marco regulatório do pré-sal deslocou as atribuições da ANP, dando papel secundário à agência. No âmbito da mineração, as atividades foram impactadas por um futuro projeto de marco regulatório, que deverá criar a ANM com desenho similar à ANP (antes das mudanças do pré-sal).
 
Ou seja, a regulação da mineração deverá reproduzir o desenho institucional do setor petrolífero de 1997, que foi criticado e alterado a partir de 2010. A nova Lei dos Portos também evidencia a miscelânea de desenhos existentes em matéria regulatória, com a submissão de decisões colegiadas da Antaq ao crivo do ministro-chefe da SEP.
 
A ampla discussão sobre o papel essencial das agências reguladoras para o desenvolvimento digno do Brasil precisa ser conduzida pelo Congresso Nacional na próxima legislatura, e a Presidência da República deverá assumir papel de destaque neste debate legislativo, a fim de resgatar a estrutura inicial de autonomia administrativa, financeira e técnica dessas autarquias federais. Medidas como a promulgação de uma lei geral das agências federais permitiriam a correção de algumas inconsistências no desenho institucional das agências e reforçariam a importância da regulação independente em âmbito federal.
 
Ademais, competirá ao chefe máximo do Executivo adotar medidas administrativas para fortalecimento e revigoramento das agências, tais como a pronta nomeação dos diretores para as vagas vacantes, a adoção de critérios técnicos para escolha desses mandatários (sem preterir profissionais da iniciativa privada) e o incremento razoável do orçamento.
 
A Constituição Federal consagrou o princípio da subsidiariedade, atribuindo ao Estado o papel regulador e à iniciativa privada a primazia sobre a iniciativa estatal para condução das atividades econômicas. Neste sentido, as agências reguladoras foram concebidas para viabilizar a regulação eficiente e técnica, a fim de manter um ambiente negocial seguro e transparente.
 
Resta aos brasileiros verificar qual será a atuação do governo federal a partir de 2015: retomar o caminho original de incentivo à efetiva regulação por meio de agências reguladoras independentes ou intensificar a captura política dessas autarquias federais a ponto de transformá-las em entes subordinados aos ministérios.


 
(*) Gustavo Flausino Coelho é advogado e mestrando em direito empresarial na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
 

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