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Provador de cigarros: atividade lícita, mas, prejudicial à saúde do trabalhador

Fonte: ConJur / Raimundo Simão de Melo (*)
 
Cientificamente não existe mais qualquer dúvida sobre os efeitos nocivos da fuma do tabaco para a saúde humana, tanto para os fumantes ativos como para os fumantes passivos. É o caso dos trabalhadores que não fumam, mas durante a jornada de trabalho ficam expostos à fumaça de cigarros no ambiente de trabalho.
 
É por isso que a Convenção Quadro sobre o controle do tabaco recomenda no artigo 8º a proteção contra a exposição à fumaça do tabaco nos locais de trabalho, no transporte público e nos lugares fechados, nos seguintes termos:
 
“Proteção contra a exposição à fumaça do tabaco. 1. As Partes reconhecem que a ciência demonstrou de maneira inequívoca que a exposição à fumaça do tabaco causa morte, doença e incapacidade. 2. Cada parte adotará e aplicará, em áreas de sua jurisdição nacional existente, e conforme determine a legislação nacional, medidas legislativas, executivas, administrativas e/ou outras medidas eficazes de proteção contra a exposição à fumaça do tabaco em locais fechados de trabalho, meios de transporte público, lugares públicos fechados e, se for o caso, outros lugares públicos, e promoverá ativamente a adoção e aplicação dessas medidas em outros níveis jurisdicionais” (grifados).
 
Esta Convenção internacional faz parte do ordenamento jurídico brasileiro e é de cumprimento obrigatório pelos empregadores (foi promulgada pelo Brasil pelo Decreto 5.658/2006).
 
O fumo é a maior fonte de poluição em ambientes fechados, porque a fumaça emitida é cerca de quatro vezes mais tóxica do que a aspirada pelo fumante ativo. Pesquisa do instituto do câncer comprova que pelo menos sete pessoas morrem por dia no Brasil por conviverem com fumantes ativos.
 
As doenças mais comuns pela exposição à fumaça do cigarro, cientificamente comprovadas, são irritação nasal e ocular, exacerbação da asma, diversas doenças pulmonares, doenças cardiovasculares e câncer.
 
Em qualquer ambiente de trabalho as pessoas podem estar expostas à fumaça do tabaco e aos seus males, sendo mais graves em alguns seguimentos de trabalho, como bares, restaurantes, casas noturnas e outros similares. Mas não é somente pela inalação passiva da fumaça do cigarro que adoecem os trabalhadores brasileiros.
 
Em recente decisão o Tribunal Superior do Trabalho enfrentou a questão dos provadores de cigarros sob o enfoque constitucional da livre iniciativa, da saúde dos trabalhadores e do princípio da dignidade humana. Foi uma das mais importantes discussões judiciais até hoje envolvendo o meio ambiente do trabalho e a saúde dos trabalhadores no Brasil.
 
Não foi acolhida a tese do Ministério Público do Trabalho sobre a proibição da referida atividade de provador de cigarros, como entenderam a primeira e a segunda instâncias da Justiça do Trabalho e a 7ª Turma do TST, esta afirmando que “a decisão regional deve ser mantida, no sentido de obstar a utilização de empregados para a medição da qualidade dos cigarros produzidos, porquanto irremediavelmente lesiva a aludida atividade laboral. No confronto com o princípio da livre iniciativa privada, prepondera o direito fundamental à saúde”.
 
Todavia, a SDI-I, por maioria de votos, afastou a proibição da referida atividade, mas reconheceu que ela é nociva à saúde humana e condenou a empresa a adotar medidas que diminuam os agravos para a saúde dos trabalhadores e a condenou a pagar indenização por danos morais coletivos, cujos tópicos mais importante da respectiva ementa estão a seguir transcritas:
 
EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. INDÚSTRIA TABAGISTA. PROVADORES DE CIGARROS EM "PAINEL DE AVALIAÇÃO SENSORIAL". OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER. VEDAÇÃO DE ATIVIDADE PROFISSIONAL. LIVRE EXERCÍCIO DE QUALQUER OFÍCIO OU PROFISSÃO — ART. 5º, XIII, CF. NOCIVIDADE INERENTE À EXPOSIÇÃO DE SERES HUMANOS A AGENTES FUMÍGENOS. ATIVIDADE LÍCITA SUSCETÍVEL DE CAUSAR DANOS. DIREITO À INDENIZAÇÃO.
1. Inconteste, à luz das regras da experiência ditadas pela observação do que ordinariamente acontece, a grave lesão à saúde advinda da exposição de empregados a agentes fumígenos, de forma sistemática, mediante experimentação de cigarros no denominado "Painel de Avaliação Sensorial".
2. O labor prestado em condições adversas ou gravosas à saúde não justifica, contudo, a proibição de atividade profissional. Tanto a Constituição Federal quanto o próprio Direito do Trabalho não vedam o labor em condições de risco à saúde ou à integridade física do empregado. Inteligência dos artigos 189, 193 e 194 da CLT, NR 9, NR 15, Anexos 13 e 13-A, do MTE. ...
7. Relativamente à atividade de "provador de cigarros", diante do panorama atual de vácuo normativo, cabe à Justiça do Trabalho, se instada a tanto, velar pela observância dos direitos fundamentais dos empregados em harmonia com as normas constitucionais, impondo às empresas a obrigação de adotar medidas que minimizem os riscos daí decorrentes e desencorajá-las na adoção de práticas nocivas à saúde.
8. Infundada, assim, a imposição de condenação à empresa que implique inviabilizar o exercício de uma atividade empresarial lícita e implique igualmente tolher o exercício de atividade profissional lícita, sob pena de, a pretexto de tutelar determinados direitos, vulnerarem-se outros de igual hierarquia constitucional, inclusive o Princípio da Separação dos Poderes.
9. Em que pese a licitude em si do ofício de "provador de cigarros", desenvolvido em favor de atividade econômica também lícita, é manifestamente perniciosa e lesiva à saúde dos empregados a referida atividade, em "Painel de Avaliação Sensorial", ainda que voluntariamente desempenhada. O desenvolvimento de tal atividade acarreta lesão a direitos personalíssimos fundamentais (saúde e vida). Conquanto não se possa proibi-la judicialmente, da conduta patronal emerge inequivocamente responsabilidade civil, pela prática de ato ilícito, com a correlata obrigação de indenizar os danos morais perpetrados à coletividade indeterminada de empregados potencialmente sujeitos à atividade de experimentação de cigarros. Responsabilidade civil que se reconhece mediante a fixação de indenização por danos morais coletivos, também em caráter pedagógico, com o escopo de desestimular o prosseguimento de atividade prejudicial à saúde humana. ... (TST-E-ED-RR-120300-89.2003.5.01.0015, João Oreste Dalazen, Min. Relator; Brasília, 21/02/2013).



(*) Raimundo Simão de Melo é consultor jurídico e advogado. Procurador Regional do Trabalho aposentado. Doutor e Mestre em Direito das relações sociais pela PUC/SP. Professor de Direito e de Processo do Trabalho. Membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho. Autor de livros jurídicos, entre outros Direito ambiental do trabalho e a saúde do trabalhador.
 

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