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Não me importo em ser vigiada pelo Big Brother no escritório

Fonte: Financial Times / Lucy Kellaway (*)

 
A reportagem desta página sobre como a tecnologia está sendo usada pelas empresas para nos espionar no trabalho é assustadora. Ele descreve como sensores podem ser facilmente escondidos, a custos baixos, em crachás e mobiliário do escritório para monitorar onde estamos, com quem conversamos e até o tom de voz.
 
Os departamentos de recursos humanos agora podem saber quanto tempo levamos para chegar ao trabalho e como nos comportamos quando chegamos nele. Depois, os dados podem ser usados para decidir quem será promovido e quem será demitido.
 
Fiquei arrepiada ao ler o artigo. Ainda assim, em uma análise mais atenta, a chegada do "Big Brother" ao mundo corporativo não é necessariamente uma coisa ruim. Ser monitorada o tempo todo por dispositivos invisíveis pode parecer assustador, mas não sei se é mais assustador do que ser monitorada ocasionalmente por seres humanos visíveis.
 
Hoje, somos observados de maneira aleatória e não científica por superiores que podem muito bem já ter formado suas opiniões sobre nós, com base em poucas evidências. A Lei de Murphy diz que, quando você faz algo bom, ninguém percebe, mas, no minuto em que faz algo ruim, é pego. Lembro-me de um chefe que raramente andava pelo escritório, mas sempre que ele passava por minha mesa eu estava invariavelmente fazendo a lista de compras do supermercado ou ao telefone com minha mãe.
 
Essa vigilância não melhorou meu comportamento, embora tenha aumentado meu sentimento de injustiça. Ser vigiada o tempo todo - o que teria colocado a lista do supermercado no contexto de um comportamento que de outra maneira serie diligente - teria sido uma grande melhora.
 
Na maioria dos escritórios uma série de ferramentas inconvenientes, e em sua maioria sem sentido, é usada para avaliar o desempenho, incluindo entrevistas de avaliação e testes psicométricos. Juntas, elas são tão ineficazes que, segundo um estudo delicioso feito pela Universidade de Catania, as empresas não se sairiam piores se promovessem as pessoas aleatoriamente.
 
Se favorecemos a meritocracia, também deveríamos favorecer qualquer coisa que nos ajudasse a medir o mérito com mais exatidão. Os dados recolhidos pelos novos sensores certamente são crus demais para oferecer grande ajuda no momento, mas acredito que com o tempo (e provavelmente muito em breve) teremos definido exatamente quais peculiaridades comportamentais serão importantes para o bom desempenho (ou o ruim), e encontrado uma maneira decente e objetiva de avaliá-las.
 
A Steelcase, que fabrica alguns desses polêmicos sensores, espera que algum dia eles deixem de ser usados apenas para monitorar os funcionários dos escalões mais baixos, e passem a ser usados também nas cúpulas das empresas. É difícil imaginar chefes dispostos a usar essas ferramentas em si mesmos, mas seria uma ideia maravilhosa se eles o fizessem. No momento, monitorar o comportamento da cúpula de uma organização é impensável - periodicamente, diretores de fora aparecem para observar os demais diretores, mas as habilidades políticas são tais que é difícil perceber algo relevante.
 
Se, por outro lado, todos os diretores fossem "grampeados", aqueles que dão murros na mesa, reduzindo os batimentos cardíacos dos colegas nas reuniões, seriam apontados pela tecnologia. Do mesmo modo, os que vivem fazendo comentários inapropriados e constrangendo os demais também seriam pegos. Saber que dispositivos dessa natureza estariam sendo usados melhoraria muito, por exemplo, as reuniões de conselho.
 
Argumenta-se que monitorar o comportamento dos funcionários nos escritórios acabaria com a confiança e a espontaneidade, transformando todos nós em robôs. Mas, desde que a pessoa saiba que está sendo monitorada e a razão, não vejo essa ideia como tão aterradora - exceto, talvez, para aqueles que intimidam, molestam e gritam com os outros.
 
Longe de tornar o trabalho menos civilizado, a chegada do "Big Brother" poderia fazer o contrário. A vida no escritório poderia se tornar mais transparente e menos política. E os gestores estariam liberados do papel de policiais, podendo se dedicar à função mais importante de ajudar as pessoas a fazer um trabalho melhor.
 
Mesmo assim, alguns problemas teriam de ser resolvidos. Para começar, o monitoramento extensivo poderia ser ilegal. Também seria preciso certificar-se de que os funcionários não conseguiriam burlar o processo e que gestores mal intencionados não manipulariam os dados em favor de seus interesses escusos. Acima de tudo, para o sistema funcionar, você teria que ter uma certa confiança no regime que o implementou. Mas aí, se não houvesse essa confiança, você provavelmente se daria mal de qualquer jeito.
 
 

 

(*) Lucy Kellaway é colunista do "Financial Times". Sua coluna é publicada às segundas-feiras na editoria de Carreira
 

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