Artigos e Entrevistas

Privatofobia oportunista

Fonte: Correio Braziliense / Josemar Dantas (*)
 
A Lei nº 12.351/2010, que estabeleceu o marco regulatório para a exploração de petróleo na província do pré-sal, ficou a meio caminho dos seus objetivos. O diploma legal prevê, como é de domínio público, a escolha da empresa — ou de consórcio empresarial — que ofereça a proposta mais vantajosa para extração de hidrocarbonetos em águas profundas (o princípio passou a valer também para as atividades extrativas em terra). Por semelhante critério, chegar-se-ia à associação da Petrobras com terceiros, empresas privadas ou não, para as operações técnicas e posterior apropriação e comercialização do produto. A partilha — assim foi batizado o sistema — mediante leilão é considerada pelo governo mais eficaz que a licitação ou a concessão de direitos. 
 
Deveria a negociação sujeitar-se, na íntegra, aos parâmetros de ordem legal e operacional típicos do formato concebido para a partilha. Mas houve transferência da captação das insurgências de óleo e gás do Campo de Libra ao único consórcio que ofereceu lance, formado pela Petrobras e três empresas estrangeiras (duas estatais). A exigência fundamental, contudo, não foi cumprida, pois é óbvio que se entende por leilão a participação, no mínimo, de dois concorrentes. Não convém, contudo, tomar a inexecução do ato de ofício como fundamento para requerer a invalidação judicial do certame. Iniciativa do gênero seria mais prejudicial ao país do que o leilão que não foi leilão. 
 
Mas é evidente que desabaram a um nível ridículo os ganhos calculados pelo leiloeiro — o governo, é claro. Em suma, não se avançou além de uma “decepção”, para utilizar o termo avaliatório da revista The Economist, considerada a mais respeitável publicação do mundo especializada em economia. Soam, portanto, como propaganda enganosa, de naturera eleitoreira, os exagerados regosijos do Palácio do Planalto quanto às “vantagens” obtidas no pregão. Libra foi alienada pelo preço mínimo e sem pagamento de ágio. 
 
O ranso ideológico do petismo e da presidente da República inspirou a adoção da partiha, havida como meio de afirmar repulsa à privatização de instituições públicas. Ora, a Petrobras se rege pelo regime aplicável às empresas privadas, funciona como sociedade de capital aberto (S/A), participa da disputa de investimentos mediante oferta de ações na Bolsa de Valores, tem acionistas em numerosos países. Quais, então, as razões para satanizar o empreendedorismo privado?
 
Maior perplexidde causa a presidente da República ao proclamar que o leilão do Campo de Libra soterrou o princípio da privatização de entidades públicas. Algo bastante estranho. A declaração passa ao largo do fato de que a lavra das jazidas por empresas estrangeiras, naquela bacia atlântica, corresponde a 60% da produção. E, também, não lhe ocorreu que os governos petistas — o dela e o de Lula — recorreram e recorrem à privatização em dose capaz de ruborizar o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, apontado pelo PT como o vilão do privatismo. 
 
À conta da atual presidente e do ex-presidente, quatro usinas hidrelétrias, 2.600 quilômetros de rodovias, portos, os aeroportos de Congonhas, Campinas e Brasília (os próximos da pauta para entrega à iniciativa particular são o Galeão e Confins) foram privatizados — até mesmo a Ponte Rio-Niteroi. No orçamento da União de 2014 estão previstos R$ 267 milhões só para cobrir parte das despesas na elaboração do projeto do Trem Bala — projeto, explique-se, orçado em R$ 900 milhões, segundo o presidente da Empresa de Planejamento e Logística, Bernardo Figueiredo, que cuida do problema. A via férrea se inicia em Campinas, passa por São Paulo e finda no Rio de Janeiro. Será propriedade do capital privado que a construir.
 
Enfim, a privatofobia petista varia segundo conveniências espúrias.
 
 

 

(*) Josemar Dantas é editor do suplemento Direito & Justiça do Jornal Correio Braziliense e membro do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB)
 

Imprimir Indicar Comentar

Comentários (0)

Compartilhe