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30 anos: integra da entrevista do presidente nacional da CUT

Fonte: CUT

Por conta 30 anos de fundação da CUT, o presidente Vagner Freitas falou ao Portal sobre o passado, o presente e o que vislumbra para o futuro da Central Única dos Trabalhadores. A entrevista foi dividida em três partes e publicada ao longo da semana passada. Agui, as 33 perguntas e respostas foram reunidas em um mesmo texto. Segue abaixo a integra da entrevista na qual, entre muitos outros temas, Vagner destacou: “Não dá para imaginar o Brasil sem a CUT”  e "A classe trabalhadora está muito mais fortalecida que há 10 anos"
 
PORTAL DA CUT NACIONAL – Qual é o grande desafio da Central Única dos Trabalhadores 30 anos depois da sua fundação?
 
VAGNER FREITAS – O maior desafio da CUT, hoje e sempre, é ser visionária para conseguir estar à frente do seu tempo. Para isso, temos de nos especializar, formular e estudar mais o que significa e representa o mercado de trabalho brasileiro. Para um dirigente sindical ser realmente competente, ele tem de conhecer a realidade do seu local de trabalho. Somente assim um sindicalista se torna sujeito da transformação da sociedade. Fazer sindicalismo apenas reclamando e reivindicando não dá mais. Na CUT, o papel do dirigente é classista, ou seja, defender toda a classe trabalhadora e não apenas a base do seu sindicato.
 
PORTAL – E como a CUT vai trabalhar para vencer mais esse desafio classista e visionário?
 
VAGNER FREITAS – Nossa missão é justamente esta: preparar os dirigentes e adequar os conceitos e demandas para uma mudança da estrutura sindical
 
PORTAL – Essa necessidade também vem do fato de o perfil do brasileiro ter mudado desde a fundação da CUT, em especial nos últimos 12 anos por conta dos avanços sociais? Essa mudança obrigou a maioria dos setores da sociedade a modificar a forma de se relacionar com esse novo perfil da população, por isso a CUT também tem de mudar para conseguir se relacionar melhor com a sua base e a sociedade em geral?
 
VAGNER FREITAS – Essas mudanças exigiram e estão exigindo que a CUT, uma entidade fundamentalmente de classe, também mude completamente a forma de relacionamento com os trabalhadores que ela representa e também com a sociedade. Tivemos de começar a repensar essa relação a partir de dois acontecimentos no Brasil: a entrada de mais de 30 milhões de pessoas no mercado de trabalho e a ascensão de uma nova classe média em consequência do sucesso das políticas sociais desenvolvidas pelos governos Lula e Dilma. Não é mais como era há 30 anos, quando a grande massa representada pela nossa Central tinha origem na indústria. Hoje, a maior parte dessa representação está nos setores público e de serviços. São os dois setores que mais crescem também na economia mundial, que mais geram empregos e que mais são disputados e, como resultado, que mais trabalhadores têm para ser representados pelos sindicatos.
 
PORTAL – E esse “novo” trabalhador está tão disposto a integrar o movimento sindical como filiado e militante como estava há 20, 30 anos?  Está mais difícil para os sindicatos a tarefa de conquistar, filiar e mobilizar essa nova classe trabalhadora?
 
VAGNER FREITAS – São perfis completamente diferentes. Hoje, o trabalhador e a população em geral têm à sua disposição muito mais informação do que tinham a décadas atrás. Naquela época bastava o caminhão de som para se comunicar com a base. Há 30 anos, pensando na ação sindical, a nossa luta era para defender o emprego e evitar demissões em massa. Antes, o diálogo com o trabalhador e até a cobertura do mundo sindical pela imprensa eram diferentes. O sindicalismo era combatido pela mídia, mas também era aceito. Dentro da empresa, o velho DP (departamento pessoal) virou O RH (recursos humanos). Nós dos sindicatos acabamos ensinando para o inimigo (o patrão) como agir e eles foram também se organizando e ficaram mais competentes na disputa ideológica. Exemplo disso é que quando disputei a direção nos bancários, na década de 1990, tive de me afastar do trabalho a pedido do banco. Hoje, a empresa felicita o candidato a dirigente sindical por sua candidatura.
 
PORTAL – Conta mais um pouco de como era a ação sindical à época em que você fazia campanha salarial nas ruas, pelos bancários, quando o movimento sindical enfrentava a criminalização imposta pelos governos neoliberais?
 
VAGNER FREITAS – Eu não tenho nenhuma saudade daquela época. As campanhas salariais eram um inferno. A cada ano a nossa luta conseguia somente manter os direitos. Essa geração não viu isso. Embora eu me sentisse absolutamente insatisfeito e derrotado por não ver a minha categoria avançar, do ponto de vista ideológico, ficava feliz da vida porque vivia criticando e xingando o FHC, Serra, (Mário) Covas e não tinha o menor problema existencial por isso. Mas para o trabalhador, o que eu sentia não servia de nada. Digo isso para lembrar que o movimento sindical não pode ser instrumento do  prazer pessoal, individual do dirigente, mas sim de transformação da vida do trabalhador.
 
PORTAL – Você diria que hoje as conquistas dos sindicatos e centrais são menos sofridas e, talvez por isso, menos valorizadas?
 
VAGNER FREITAS – Nos governos Lula (e agora Dilma) fiquei muito satisfeito com o meu trabalho de dirigente porque vi as coisas evoluir e se transformar em conquistas para a classe trabalhadora. Ainda são muito menores do que deveriam ser. Mas em um quadro comparativo que considere melhoria da qualidade de vida em geral e da vida dos trabalhadores e trabalhadoras, nos últimos 10 anos, comparado aos últimos 50 anos, tudo melhorou para os brasileiros. Qualquer um que faça esta análise de forma correta, isenta, e não defenda lado a ou b sabe e dirá que os últimos 12 anos foram salutares para o Brasil, tanto que o País se tornou referência mundial em programas e conquistas sociais.
 
PORTAL – Mas se trouxe conquistas como a mudança e mais justiça na pirâmide social e também protagonismo ao movimento sindical, essa relação mais estreita entre CUT e um governo federal progressista também trouxe contradições, questionamentos e cobranças internas e da sociedade?
 
VAGNER FREITAS – Logicamente, para alguns esse cenário gerou contradições e questionamentos do tipo: até onde a defesa do projeto político não distanciou o movimento sindical da defesa dos interesses do trabalhador? Mas a mim não trouxe nem traz nenhuma contradição.
 
PORTAL –  Mas existe uma fala recorrente de setores conservadores de que a CUT é “governista”, “chapa branca” desde que Lula (2003) assumiu a Presidência da República e que, por isso, a Central não representa como devia os interesses da classe trabalhadora?
 
VAGNER FREITAS – Como eu disse, não acho que haja contradição, mas a sociedade pode achar que sim. Eu, como presidente da CUT e dirigente sindical, nesses 10 anos de governo federal comprometido com a classe trabalhadora, cujas eleições foram formalmente apoiadas pela nossa Central, do ponto de vista de saber que o outro projeto era ruim, afirmo que a CUT foi a central que fez mais greves e que as categorias a nós filiadas foram as que mais tiveram conquistas nesse período. Nossa central, sozinha, representa 40% dos trabalhadores que se filiam a sindicatos no Brasil.
 
PORTAL – O trabalhador, a base cutista tem essa mesma compreensão?
 
VAGNER FREITAS – Não tenho dúvida de que hoje no Brasil, na luta de classes, o trabalhador está muito mais fortalecido para enfrentar o patrão do que a 10 anos atrás porque temos instituições de representação dos trabalhadores muito mais sólidas para fazer isso. Na cultura da classe trabalhadora, a simbologia de ter o Lula, um operário, presidente da República, de olhar para a cadeira da Presidência e ver um metalúrgico de Pernambuco, com quarto ano primário, eleito duas vezes para dirigir o País e, ainda por cima, governar melhor que seu antecessor, um sociólogo formado em universidade francesa, representa, além dos ganhos sociais, econômicos e políticos, um valor simbólico de identidade de classe. O trabalhador pensa e diz: “eu sou operário e sou mais competente e fiz um governo melhor do que o governo da burguesia”. Este é um legado que a gente jamais vai perder. É aquela coisa do eu sei e eu posso, que foi reproduzida depois em outros países da América Latina, porque as pessoas não acreditavam que seria possível. Até a burguesia aceitou porque pensava que, depois de três tentativas, Lula seria eleito, ficaria seis meses no poder e sairia derrotado para nunca mais voltar, porque ele era, na visão burguesa, de uma raça incompetente e o lugar dele era a senzala, porque a casa grande era da burguesia e da elite.
 
PORTAL – Lula deixou esse legado social para o Brasil, qual é então o maior legado do ponto de vista sindical que ele deixou para a classe trabalhadora?
 
VAGNER FREITAS – A certeza de que o Brasil jamais voltará a ser tão ruim como já foi. O fato de nós termos quebrado essas expectativas de parte da burguesia e mostrado que temos condições de, com acertos e erros, fazer um governo da forma como está sendo feito, me deixa sem nenhuma dúvida de que tem um resultado cultural e político, de formação política e de alto estima de classe que nunca vaipermitir que o Brasil volte a ser ruim como era antes do Lula/Dilma. Mesmo sem ele, sem o PT, seja quem for que vier no futuro não vai conseguir fazer no País o que fizeram de ruim antes. Até porque as organizações da própria sociedade vão cobrar muito mais.
 
PORTAL – E você acredita que esse projeto de governo apoiado oficialmente pela CUT e pela maioria do movimento sindical prosseguirá no governo por muito tempo?

VAGNER FREITAS – Na democracia, a alternância de poder é normal e até saudável, mas espero que ainda demore muito, muito tempo mesmo para que outro projeto diferente do de Lula-Dilma-PT, que teve e tem o apoio da CUT, deixe o poder. Mas se isso ocorrer, repito que jamais o Brasil voltará a ser (ruim) como que era antes da eleição de Lula. O reconhecimento da forma de governar e de que é possível fazer coisas diferentes aliados à formação política do brasileiro não vão permitir que as conquistas sejam retiradas. A população e o eleitor serão muito mais exigentes. Isso é outro legado do governo lula. É legado do Lula, é legado do PT é legado da CUT, porque foi uma conquista que nós estabelecemos. É por isso que eu não posso me sentir com qualquer tipo de desconforto diante da minha própria análise de que essa trajetória de 10 anos foi transformadora e positiva para a história do Brasil.
 
PORTAL – A CUT e o movimento sindical conseguiram aproveitar a maior abertura e espaço proporcionados por governos progressistas?
 
VAGNER FREITAS – Talvez nós, dirigentes sindicais, não tenhamos conseguido entender o que estamos vivendo desde 2003 e, por isso, não adotamos uma postura que nos permitisse mais conquistas de pautas advindas dos próprios sindicatos. Uma parcela do nosso movimento sindical continuou e continua, durante os governos Lula e Dilma, que têm outras conjuntura e características, fazendo movimento sindical como era feito no governo FHC. Faltou, talvez, mais ousadia da nossa parte para aproveitar o momento de crescimento econômico do País, com um operário na Presidência da República que abiu diálogo com movimento social, para conquistar mais mudanças do que conquistamos.
 
PORTAL – E por que isso – essa falta de entendimento e de ousadia - aconteceu?
 
VAGNER FREITAS – Creio que, como nós não renovamos o movimento sindical, tem muita gente com a trajetória e a cabeça lá atrás, que não conseguiu ver o que acontecia naquele momento. Durante os últimos anos, não tivemos nenhum problema em fazer enfrentamento com os governos Lula e Dilma. Fizemos muitos e, parte deles, não era por pauta pré-determinada de maneira que pudéssemos avançar, era enfrentamento como sempre foi feito. O nosso problema foi construir consensos e isso se faz em um governo democrático e popular, com uma economia em crescimento, porque não é possível fazer essa construção durante um governo neoliberal e com a economia fraca, como era antes.
 
PORTAL – Você diria, então, que foi uma das maiores conquistas da CUT em seus 30 anos, do movimento sindical e da classe trabalhadora a eleição de Lula/Dilma à Presidência da República em favor de um projeto progressista?
 
VAGNER FREITAS – Com certeza. Eleger um governo progressista foi uma das conquistas da CUT, do movimento sindical e de uma luta longa. Nós, às vezes, esquecemos o fato de termos conseguido ser uma opção de governo dos trabalhadores e para os trabalhadores que deu certo e que é uma vitória do nosso projeto. Por isso, eu disse antes que podíamos ter feito outras coisas durante esses últimos 10 anos. Mas ainda dá tempo.
 
PORTAL – Apontar a eleição de um governo progressista como uma das conquistas da CUT é coerente, mas reforça a fala de quem acha a Central governista. Que papel a ‘grande mídia’ teve nesse processo de tentar carimbar a CUT como pelega?
 
VAGNER FREITAS – A imprensa nos chama de pelegos, chapa branca, governista, pau mandado do Lula, pau mandado do PT para tentar desqualificar nossas conquistas que foram muitas e importantes. Mas isso que a grande mídia faz é parte da luta ideológica que tem objetivo de defender os interesses de setores da elite.
 
PORTAL – Além da eleição de um operário e de uma mulher para presidir o Brasil, o que você considera como grande conquista nesse período?
 
VAGNER FREITAS – A Política de Valorização do Salário Mínimo, por ter uma influência na cadeia econômica muito grande, importantíssima. Pela primeira vez, o salário mínimo foi discutido e negociado com a CUT e o movimento sindical. Antes, essa discussão era feita entre o governo federal e o Legislativo, sem a participação da sociedade e, muito menos, dos trabalhadores. A política de valorização do salário mínimo é resultado de um acordo feito com a CUT e centrais e referendado pelo Congresso Nacional. É o maior acordo salarial do mundo, que vai além dos termos econômicos, porque foi firmado entre partes e com o trabalhador participando. Esse é um de grandes legados da CUT para a classe trabalhadora nos últimos tempos.
 
PORTAL – Por que outras reivindicações importantes para a classe trabalhadora brasileira, como a do fim do fator previdenciário, não vingaram, não deram certo como a valorização do salário mínimo?
 
VAGNER FREITAS – Nós (a CUT e demais centrais) quase fechamos um acordo relativo ao fator previdenciário. Chegamos a discutir nas reuniões do Fórum das Centrais que a fórmula85/95, se não estabelecia o fim do fator, era extremamente importante porque reduzia as perdas. Não recuperava os cinco anos, mas reconquistava pelo menos 40% do que o governo FHC havia tirado dos trabalhadores.
 
"Nossos sindicatos, que são instrumentos de luta importantíssimos, não podem, ao longo do ano, se preocupar apenas durante dois meses com campanha salarial e nos outros dez meses não ter claro o que fazer”
 
PORTAL – Por que a negociação e o acordo da fórmula 85/95 não vingaram?
 
VAGNER FREITAS – Porque não houve consenso entre as centrais. A CUT tirou posição favorável, mas faltou consenso.  É importante que a Central resgate a negociação da fórmula 85/95 como foi feita com o ex-presidente Lula e que tente, de novo, construir a unidade entre as centrais.

PORTAL – Além da valorização do salário mínimo, quais são, na sua visão, as outras principais conquistas dessas três décadas de ação da CUT?
 
VAGNER FREITAS – Foram inúmeras e grandes conquistas. A redução da jornada de 48 para 44 horas semanais na Constituinte; a participação nos lucros e resultados; a melhoria das condições de trabalho com várias regulamentações na área da saúde do trabalhador, direitos dos trabalhadores no campo, a aprovação da PEC (Projeto de Emenda Constitucional) do trabalho doméstico. Tem as conquistas de todas as lutas nos sindicatos, que também são da CUT, como melhorias das condições de trabalho específicas e da legislação de proteção. Mas ainda há muitas outras lutas a fazer: pela redução da jornada de trabalho para 40 horas sem redução de salário, uma das principais batalhas atuais da CUT - que vai aquecer a economia e gerar 2,2 milhões de empregos, além de satisfação pessoal por garantir aos trabalhadores  uma vida pessoal, familiar e profissional mais digna. A tarefa da CUT é também melhorar a vida da classe trabalhadora fora do local de trabalho, como cidadão que tem direito a serviços básicos públicos e de qualidade, como a universalização da saúde. É por isso que a redução da jornada de trabalho não pode ser vista como uma conquista somente do trabalhador, mas sim de toda a sociedade. Também lutamos contra o projeto que amplia a terceirização e a precarização, pelo direito à organização no local de trabalho e pela igualdade de direitos independentemente de gênero, cor e raça.
 
PORTAL – Desde os anos 1990, a CUT e os sindicatos passaram a ter essa ação “cidadã”, com pautas e lutas que vão além das questões do local de trabalho e sindicais. Isso tem aumentado?
 
VAGNER FREITAS – Sem dúvida. Por conta dessa concepção, o papel dos sindicatos não está mais restrito à pauta da classe trabalhadora, às campanhas sindicais. Essa é uma das grandes lições que as ruas trouxeram em junho, quando as manifestações revelaram o descontentamento enorme que a sociedade tem com a estrutura do Estado, que não funciona. Em 10 anos sabíamos que não seria possível transformar uma estrutura organizada para ser excludente há séculos, porque o Estado brasileiro foi concebido para excluir e ser propriedade da burguesia e não da sociedade e do trabalhador. Nós queremos e vamos mudar isso. Só que não é possível em uma década. Porém, não é admissível que não tenhamos educação, transporte e saúde como deveres e financiados pelo Estado e como direito do cidadão. Isso tem de ser efetivamente uma construção feita pela sociedade.
 
PORTAL – Essas novas demandas vindas das ruas, especialmente da juventude, o que representam para a CUT?
 
VAGNER FREITAS – Aí o movimento sindical também tem de evoluir muito. É verdade que as questões da defesa do transporte coletivo, da educação e saúde públicas de qualidade fazem parte da nossa pauta, mas essas reivindicações não são consideradas essenciais. Elas têm de deixar de integrar a pauta somente como motivação da ação sindical e virar prioridade. Por exemplo: os sindicatos, em suas campanhas salariais, além de discutir emprego, salário, PLR, precisam incluir essas questões nas suas pautas e debater com o empresariado e a sociedade. Dizer que já estão pautadas é fácil. Basta colocar na lista junto com 55 outros itens e pronto. Mas ao longo do ano, o que a gente faz para que, efetivamente, esses temas virem conquistas? Para isso, essas demandas têm de ser colocadas e tratadas como essenciais e prioritárias pelo movimento sindical.
 
"A Central Única dos Trabalhadores é a história e a trajetória de luta dos seus sindicatos. É esse o significado de Somos fortes, Somos CUT"
 
PORTAL – Na sua opinião, o que é CUT representa para os trabalhadores?
 
VAGNER FREITAS – O Lula disse algo muito importante no lançamento das comemorações oficiais dos 30 anos da CUT: “Imaginem o Brasil sem a CUT, como seria?” De fato, a nossa Central representou e representa até hoje a possibilidade concreta de melhoria da vida do/a trabalhador/a em muitos aspectos. A classe trabalhadora foi colocada no cenário político do País como protagonista. Quando viajo pelos Estados vejo isso. Em cada canto do Brasil, tem um sindicato cutista lutando; tem uma CUT Estadual organizando a luta.  É inegável que ainda temos muito que construir com os nossos sindicatos nessa concepção, porque a CUT não é somente a sua Executiva Nacional. A CUT são todos os seus mais de três mil sindicatos filiados, uma estrutura que vem fundamentalmente da organização no local de trabalho, nas fabricas, bancos, escolas, hospitais. Somos uma central de base e de massa. Ninguém se filia à CUT, mas sim ao sindicato e é por meio dele que o trabalhador se manifesta e se faz representar. A Central é a história e a trajetória de luta dos seus sindicatos.  É esse o significado de Somos fortes, Somos CUT.

PORTAL – Certo, mas qual seria então o papel da CUT como uma central sindical?
 
VAGNER FREITAS – É preciso ter a ação organizada pelos sindicatos porque a nós, central sindical irradiar de política nossos sindicatos. É papel nosso fazer formação política, formação sindical, estar preocupado com a transformação do mundo do trabalho, com a luta e preparação da Central para que ela esteja à frente do nosso tempo. Cabe à CUT manter relacionamento com as demais centrais do Brasil e do mundo e trazer ao País o que é importante para melhorar a vida dos/as trabalhadores/as brasileiros/as. Acima de tudo, uma central precisa ser parte dessa estrutura que constrói a organização da classe trabalhadora, que dá voz e protagonismo ao conjunto dos sindicatos e dos trabalhadores na sociedade e no País para conquistar as nossas reivindicações imediatas e históricas.

PORTAL – Dê exemplos?
 
VAGNER FREITAS – Não tem como um sindicato fazer as lutas referentes à mudança da estrutura do Estado para garantir um transporte público de qualidade em uma cidade como São Paulo sem discutir mobilidade urbana, porque o trabalhador chega no local de trabalho cansado, atrasado, devido à má qualidade do transporte coletivo. Essa é uma luta de toda a classe trabalhadora. Os sindicatos não podem deixar os temas da saúde e da educação públicas de qualidade fora da pauta porque o trabalhador gasta seu aumento salarial com os serviços privados. Ele consegue aumento real (média brasileira é de 2% ao ano), fica satisfeito, mas tem de gastar parte desse ganho em convênios médicos. Isso (saúde) não é papel do Estado? Esse ganho salarial deveria ser incorporado ao patrimônio do ganho da classe trabalhadora e não usado para pagar aquilo que o Estado deveria fornecer com o que arrecada de impostos. Outro exemplo: com o resultado das suas campanhas salariais o trabalhador consegue comprar um automóvel, sai do flagelo do trem e do ônibus, mas entra no flagelo do trânsito. Coloca o filho no colégio particular, porque a rede pública é ruim. Os 2% a mais no salário acabam corroídos com gastos em educação e saúde privadas, despesas que ele não deveria ter, pelo menos não 100%.
 
"Talvez hoje seja mais importante se dedicar até o fim a uma luta por saúde e transporte público de qualidade, que realmente melhore a vida da sociedade, que a uma campanha salarial por aumento real que será corroído por gastos com plano de saúde e escola particular"
 
PORTAL – Sem essa consciência, mas por causa de problemas como esses, manifestantes foram às ruas em junho protestar contra tudo e todos, chegando, inclusive, a rejeitar a presença de partidos, políticos e até de centrais. Como a CUT viu esse movimento inédito?
 
VAGNER FREITAS – Dez anos de crescimento econômico, PIB (Produto Interno Bruto) aquecido, sexta economia mundial, País como referência internacional em vários setores. Isso tudo mostra que, da porta para dentro da casa do trabalhador, a vida melhorou muito mesmo. Comprou fogão, geladeira, colocou os filhos na escola particular, comprou carro, voltou à faculdade, mas, da porta da casa dele para fora, a vida ainda é um inferno. Isso acontece porque teve e ainda há um crescimento que demanda mais e melhores estruturas, ou seja, serviço público, eu tem como responsável o Estado brasileiro. Talvez hoje seja muito mais importante se dedicar até o fim a uma luta por transporte público que realmente melhore o patamar de vida a sociedade do que a uma campanha salarial por 2% de aumento real.Essa visão (boa) que a CUT tem, e sempre teve, está mais enfatizada na cabeça dos dirigentes cutistas, principalmente depois das manifestações de junho.
 
PORTAL – E a CUT está preparada para fazer esse debate com os seus filiados e esses sindicatos têm condições de assimilar e promover essa mudança cultural e de ação?
 
VAGNER FREITAS – Temos de nos preparar mais. Precisamos apresentar essa demanda, porque essa não é a cultura predominante da CUT. A nossa cultura é a de lutar, enfrentar o patrão e conquistar melhores salários e condições de trabalho. Mas somente isso, hoje, não é mais o suficiente.
 
PORTAL – E como fazer isso acontecer?
 
VAGNER FREITAS – Será necessário mudar a estrutura do Estado para disputar com a burguesia um Estado democrático de direito para os trabalhadores e, por isso, os nossos sindicatos, que são instrumentos de luta importantíssimos, não podem, ao longo do ano, se preocupar apenas durante dois meses com campanha salarial e nos outros dez meses não ter claro o quefazer. Tem de lutar durante o ano todo para mudar a estrutura do Estado, organizando o trabalhador para defender os seus direitos fundamentalmente como cidadão, além de operário. Essa é a mudança desejada e o papel de um dirigente cutista que pensa a CUT para daqui a 15, 30 anos. É importante para que, efetivamente, a gente consiga estar além do nosso tempo como estiveram Meneguelli,  Vicentinho, Marinho, Kjeld, Felício, Artur (ex-presidentes da CUT).
 
PORTAL – Além de todos os itens da pauta da classe trabalhadora, da pauta social por reestruturação do Estado que outras lutas são prioritárias para a CUT ?
 
VAGNER FREITAS – Neste momento, são três: a reforma política, a reforma tributária e a democratização das comunicações: Esses são temas importantíssimos para a CUT e o Brasil já e para os próximos anos. E podem ter certeza que, da mesma forma que a Central participou de outros momentos decisivos do País, como a campanha pelas Diretas-Já, vai participar de maneira direta nessas três lutas essenciais para toda a sociedade.
 
PORTAL – Por que priorizar essas três lutas em um País com tantas demandas?

VAGNER FREITAS – A reforma política garante a participação da sociedade na discussão e soluções de assuntos decisivos, levando a uma democracia participativa direta e cada dia mais consolidada no Brasil. Quando um presidente da República, um deputado, senador e prefeito são eleitos não é dado a eles a tutela para fazer representação integral, durante 24 horas por dia, da opinião e vontade do eleitor. Essa é a forma de estruturar a sociedade. A população tem de ter mais voz, mais participação para poder se expressar diretamente. A reforma política é necessária justamente para criar um sistema eleitoral mais democrático, com igualdade de participação de todas as classes sociais. Também promove direitos iguais no processo eleitoral, algo que não acontece no Brasil hoje porque, lamentavelmente, esse sistema é conduzido por interesses do grande empresariado, pelo setor financeiro. O brasileiro até acredita ter votado no candidato que escolheu, mas, na verdade, parte votou naquele que o poder econômico impôs e deixou que ele conhecesse e votasse.
 
PORTAL – A aprovação de uma reforma tributária se arrasta. Você acredita que essa reforma ampla ainda é o principal caminho para assegurar que o dinheiro público seja utilizado de maneira mais justa, igual e produtiva no Brasil?
 
VAGNER FREITAS – A tributária é outra reforma tão essencial quanto à reforma política no Brasil. A CUT precisa construir a reforma do Estado brasileiro juntamente com toda a sociedade. Para que a educação, a saúde e o transporte públicos e de qualidade sejam efetivamente um direito do cidadão, precisamos fazer reforma tributária, pois somente assim os que ganham mais vão financiar essas políticas públicas. É urgente fazer uma inversão no Brasil, porque aqui se tributa o trabalho, mas o patrimônio não é tributado. A reforma tributária vai garantir que as grandes fortunas sejam tributadas e impedir que alguém que compra um iate não pague imposto algum, enquanto o trabalhador que compra um quilo de farinha pague 30% de tributo sobre um produto da cesta básica.
 
PORTAL – E qual é a importância da democratização das comunicações para a classe trabalhadora e a sociedade?
 
VAGNER FREITAS – Eu não considero que o Brasil tenha liberdade de expressão. A sociedade não tem. Quem tem essa liberdade são os que detêm o monopólio dos direitos de comercialização dos meios de comunicação. Que fique muito claro que não estou falando em censura à mídia. Tem uma fala da presidenta Dilma Rousseff que considero fantástica: “não queremos normatizar o conteúdo (da mídia), mas normatizar o negócio, o que é bem diferente”. Não é possível que apenas algumas famílias sejam donas, ao mesmo tempo, de jornais impressos, emissoras de rádio e TV, portais de internet, cabos de transmissão. Isso não acontece em quase nenhum país do mundo. A CUT não tem preocupação em controlar os instrumentos de construção de opinião que estão com a ala conservadora da sociedade, mas creio que não pode ser só essa ala, a direita do Brasil, a ter o direito de emitir e divulgar a sua opinião. Precisamos ter instrumentos com capacidade de formar o Brasil inteiro; necessitamos democratizar as comunicações para ter o contraditório, que é essencial à construção de posicionamento e de opinião. No Brasil, esse direito à informação e de construir opinião é negado à maioria da população. Não tem cabimento a CUT reunir 50 mil pessoas em Brasília (marcha de 6 de março) e a mídia simplesmente ignorar este fato como se ele não tivesse ocorrido. Mesmo que noticiassem sob o enfoque que quisessem deveriam ter divulgado. Isso é sonegar informação à população.
 
PORTAL – Agora para encerrar a entrevista e falar de festa: o ato político dos 30 anos da CUT vai acontecer no Pavilhão Vera Cruz, em São Bernardo do Campo, berço do novo sindicalismo brasileiro e onde a história da Central começou. Que simbologia tem essa data e esse local?
 
VAGNER FREITAS – A CUT tem muito a comemorar com toda a nossa militância. Não é à toa que escolhemos o slogan 30 anos transformando o Brasil, porque nada de importância que aconteceu neste País nessas ultimas três décadas deixou de passar pela lupa da CUT e de ter a importante intervenção e participação da nossa Central. O enfrentamento e a derrubada da ditadura, a campanha pelas Diretas-Já, o impeachment de Collor, a Constituição de 1988 e também uma das conquistas mais importantes que foi a eleição de um trabalhador operário e de uma mulher para a Presidência da República, representando um projeto político que faz parte da luta de classes e prova que nós podemos fazer mais e melhor que eles. Conquistas que melhoraram a vida da classe trabalhadora e consolidaram o sindicato-cidadão. A CUT hoje é uma instituição da sociedade para a sociedade, mesmo à parcela da população que a Central não representa formalmente.
 
PORTAL – Da CUT do metalúrgico Jair Meneguelli (primeiro presidente eleito, em 1983)em um Brasil que ainda enfrentava a ditadura, à CUT presidida pelo bancário Vagner Freitas, que vive a revolução tecnológica e midiática, o que não mudou e deve ser preservado para sempre e o que hoje que faz inveja a seus antecessores?
 
VAGNER – Temos de conservar essa característica da CUT classista, que foi fundada e existe para transformar a sociedade brasileira, para diminuir e acabar com as injustiças sociais e valorizar o trabalhador como célula principal da sociedade brasileira. É isso que o Meneguelli construiu e é esse sentimento que pretendemos levar adiante para sempre na trajetória da central. São os cinco pilares - classista, combativa, de luta, independente, voltada aos interesses dos trabalhadores. Essa é a CUT que nos faz trabalhar para que ela continue existindo. Oque a CUT tem hoje de fazer inveja a outros mandatos? Ah! Tem um presidente são-paulino. O Meneguelli, por exemplo, sempre torceu para times pequenos (é palmeirense).
 

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