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Novas fronteiras da privatização

Fonte: Correio Braziliense / Armando Castelar (*)
 
 
Tem quase quatro décadas que a privatização entrou no debate econômico no Brasil. Desde então, o seu escopo vem se ampliando. Ainda que nem sempre no mesmo ritmo, essa expansão ocorreu em todos os governos, inclusive no da presidente Dilma Rousseff, em que a privatização ganhou novo fôlego.
 
Nas décadas de 1950 e 1960, o setor estatal aumentou consideravelmente, com a criação da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), da Petrobras, do BNDES, da Eletrobras etc. Após a reforma administrativa de 1967, se observou uma nova onda de ampliação, com a verticalização e a expansão horizontal das grandes estatais.
 
A grande mudança no governo Geisel foi colocar freios nessa expansão, retirando alguns dos privilégios de que gozavam as estatais. Ainda que a venda dessas empresas tenha sido considerada, nem o governo nem o setor privado queriam isso. Convergiu-se, assim, para abrir espaço para as empresas privadas competirem e estabelecerem parcerias com as estatais.
 
A situação macroeconômica ficou mais crítica no governo Figueiredo. Em reação, não só se apertaram os controles sobre as estatais como se passou a vender algumas delas. A privatização se limitou, porém, a empresas pequenas, em geral estatizadas antes, em processos de falência. O governo Sarney deu continuidade à privatização, que passou a incluir empresas de maior porte.
 
Na década de 1980, vender estatais deixou de ser tabu. Adicionalmente, o governo aprendeu como fazer isso de forma transparente. Os órgãos de controle, do Ministério Público ao Congresso Nacional, também se equiparam para acompanhar cada operação. Assim, ainda que os resultados tenham ficado aquém das metas originais, o avanço em termos institucionais e de comunicação foram notáveis.
 
Essa preparação se mostrou fundamental quando a privatização foi ampliada no governo Collor, com a criação do Programa Nacional de Desestatização, essa passou a incluir algumas das principais estatais do país, como a CSN e a Embraer. O presidente Itamar Franco deu prosseguimento à privatização. De fato, mais empresas foram privatizadas no seu governo do que no do antecessor.
 
Nova ampliação da privatização teve lugar no governo FHC. Esse focou na entrada da iniciativa privada na infraestrutura, depois de um século em que o setor fora dominado por empresas estatais. Também nesse período se fizeram reformas institucionais importantes, não apenas para tornar o processo mais ágil, mas para criar um ambiente regulatório que estimulasse os novos concessionários privados a operar de acordo com o interesse público.
 
A ampliação do escopo da privatização foi um grande desafio. Desde os anos 1970 que essa conta com apoio minoritário da população. Às vezes, mesmo dentro do próprio governo. Isso exigiu reforçar os controles e instrumentos que garantiam não apenas a lisura como também a transparência do processo. Compreensivelmente, os controles externos também se aprimoraram com o tempo. Isso foi importante para legitimar ainda mais o processo.
 
O motivo para ir em frente com a privatização, mesmo com pouco apoio popular, foi ela ser o remédio certo para o problema da baixa produtividade e da falta de investimento. Foi o pragmatismo, não a ideologia, que fez a privatização andar no Brasil.
 
É isso que explica os governos Lula e Dilma terem recorrido à privatização, mesmo se opondo a ela ideologicamente. Como se sabe, a opção preferencial desses dois presidentes era expandir o investimento público, especialmente na infraestrutura. Só quando perceberam o tamanho das dificuldades envolvidas em viabilizar essa expansão decidiram recorrer à privatização.
 
O atual processo é bastante ambicioso. Prevê-se uma grande ampliação da malha rodoviária nas mãos de investidores privados, construindo sobre as privatizações nesse setor realizadas no governo Lula. Metas igualmente ambiciosas estão colocadas para o setor ferroviário e o de portos. Além disso, está na agenda privatizar grandes aeroportos, setor em que o governo Dilma foi pioneiro em transferir as operações para a iniciativa privada.
 
A ampliação da privatização e o maior pragmatismo com que essa vem sendo tratada são avanços importantes. É fundamental, porém, nunca descuidar dos controles e da transparência. Por isso, quanto menos a ideologia interferir na modelagem desse processo, melhor. Como a política macroeconômica, a privatização também deveria ser protegida do debate político-eleitoral.
 
 

 

(*) Armando Castelar
Pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
 

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