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Balanço e perspectivas da CLT

Fonte: Correio Braziliense / Ives Gandra Martins Filho (*)

 
Muito se tem falado e comemorado pelos 70 anos da edição da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), enaltecendo a iniciativa de Getúlio Vargas em defesa da classe operária e prognosticando vida longa ao diploma legal. Aproveito também a efeméride para fazer uma reflexão sobre a eficácia protetiva da CLT.
 
Inspirada nos princípios da Doutrina Social Cristã e tendo como marcos balizadores, além da Encíclica Rerum Novarum de Leão XIII, as Convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT), os pareceres do Ministério do Trabalho e as teses expostas no Congresso Brasileiro de Direito Social, a CLT recolheu e incrementou o que havia de normas de proteção ao trabalho no Brasil, dando-lhe organicidade. O trabalhador ganhou e o Brasil cresceu.
 
Emendada em mais de 60% de seus dispositivos, a CLT teve o seu cerne transplantado para a Carta Magna de 1988, que “constitucionalizou” os direitos básicos do trabalhador brasileiro e os ampliou consideravelmente. O chamado custo Brasil pesou.
 
Mas a Constituição de 1988, na esteira das Convenções 98 e 154 da OIT, trouxe mecanismos de compensação e de acertos setoriais e sazonais, prestigiando a negociação coletiva (art. 7º, XVI) e garantindo flexibilidade ao sistema protetivo (art. 7º, VI, XIII e XIV), a exemplo do que ocorre com o capacete de plástico acolchoado, que assimila o impacto, em vez de adotar o modelo do capacete de ferro, que transmite, na sua rigidez, toda a força do golpe à cabeça, dilacerando-a.
 
Ora, o que se tem visto na última década é o enrijecimento do sistema, fruto de uma jurisprudência superlativamente protetiva do trabalhador, que anula acordos coletivos, ampliando o rol de direitos indisponíveis, e cria, a partir de princípios jurídicos de baixa densidade normativa, obrigações concretas de conteúdo econômico, a introduzir acentuada insegurança nas relações laborais.
 
A missão do juiz do Trabalho, como intérprete da CLT, é aplicar de forma imparcial uma legislação que, de per si, é naturalmente parcial. E deve fazê-lo com o fito de harmonizar as relações de trabalho e compor os conflitos sociais, não acirrá-los. A missão é espinhosa e não há fórmulas mágicas. Nem a lei nem a jurisprudência são capazes de criar e garantir empregos. É a economia que os gera e a competência do trabalhador que os preserva.
 
O excesso de intervencionismo estatal na economia, quer pelo Estado legislador, quer pelo Estado juiz, especialmente na seara trabalhista, só tem contribuído para gerar no trabalhador a esperança de tudo obter do Estado paternalista e das soluções judiciais, atolando os tribunais de demandas, e infantilizar os sindicatos, tornando-os irresponsáveis pelo que negociam.
 
Talvez um dos fatores que explique taxas de congestionamento tão elevadas na execução, com quase 70% dos reclamantes ganhando mas não levando, seja, além da existência de maus empregadores, essa jurisprudência ultraprotetiva que, somada às vicissitudes do processo, como a revelia ou o testemunho forjado, gera, especialmente no pequeno empresário, o sentimento de injustiça, que faz resistir a todo custo ao que se entende indevido e que possa quebrar o negócio.
 
Uma reforma da CLT e uma reforma sindical já se fazem mais do que necessárias no Brasil. A CLT deveria albergar apenas os direitos básicos e comuns a todos os trabalhadores, cabendo às convenções e acordos coletivos prever os direitos específicos de cada categoria e profissão, pactuados por aqueles que conhecem as reais condições de trabalho, produção e comercialização de bens e serviços em cada segmento da economia. Mas, para isso, é necessário fortalecer o sistema sindical, desprendendo-o do lastro das garantias estatais de unicidade sindical e imposto sindical, que acomodam as atuais lideranças sindicais, cujo esforço se concentra na manutenção de suas fontes de renda e privilégios.
 
Já é mais do que hora de promover essas reformas, se se espera que o Brasil cresça economicamente e que todo trabalhador brasileiro, empregado ou não, conte com um sistema jurídico protetivo real e não de fachada. Enquanto isso não ocorrer, que nós, juízes, saibamos aplicar prudente e imparcialmente a CLT, sem nos deixarmos encantar pelo ativismo judiciário, que, a par de usurpar indevidamente a competência do Legislativo, gera falsas expectativas de um Brasil mais justo e solidário, o que todos queremos, mas pelas vias que o Estado Democrático de Direito estabeleceu.



 

(*) Ives Gandra Martins Filho, Ministro corregedor-geral da Justiça do Trabalho
 

 


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