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Lei dos Portos equilibrou relações de trabalho, diz advogado do Sindaport

Fonte: AssCom FNP



Especialista em direito portuário, o advogado santista, Eraldo Franzese, avalia que a Lei dos Portos (12.815/13), sancionada no último dia 5 de junho, equilibrou sobre alguns aspectos as relações de trabalho no setor. Segundo Franzese, com o reconhecimento do trabalho portuário como atividade diferenciada, a legislação dá um passo à frente para proteção do trabalhador e barra a precarização das condições de trabalho dentro e fora do porto organizado.
 
Para Franzese faltou, no entanto, disciplinar o direito à renda mínima, bem como outras determinações da Convenção 137 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
 
O advogado disse ainda que é preciso garantir a qualificação dos trabalhadores avulsos, como forma de assegurar o emprego desta categoria.
 
FNP: O que muda na organização do trabalho portuário com a nova Lei dos Portos 12.815/13?
 
Eraldo Franzese: Com as alterações que foram feitas à Medida Provisória [MP 595 publicada em dezembro de 2012] se equilibrou as relações de trabalho.  Foram incorporadas à legislação decisões que já vinham sendo dadas pela Justiça, por exemplo, a determinação de que a aposentadoria não extingue o registro do trabalhador avulso no Ogmo [Órgão Gestor de Mão de Obra]. Por outro lado o governo poderia ter sido um pouco mais ousado e regulamentado a aplicação da Convenção 137 da OIT [Organização Internacional do Trabalho]. Então, apesar da nova lei, alguns conflitos trabalhistas ainda continuarão.
 
FNP: Quais são os avanços na legislação para o trabalho portuário?
 
Franzese: Em termos de avanço, vejo que a legislação tenta acabar com conflitos de representação sindical ao reconhecer os trabalhadores portuários como categoria diferenciada. Nesse aspecto, a legislação deu um passo à frente, pois, existem vários conflitos em relação à representação desses trabalhadores avulsos e não avulsos. Assim, os trabalhadores que desenvolvam atividades portuárias dentro ou fora do porto organizado serão representados pelos sindicatos dos portuários e as negociações coletivas serão realizadas por estes sindicatos. Ou seja, uma garantia na lei de que estes trabalhadores serão reconhecidos como portuários e não terão suas condições de trabalho precarizadas.  Além disso, há uma evolução ao incluir a capatazia no mesmo regramento de outras atividades diferenciadas [como estiva, conferência de carga, vigilância]. Mas é preciso mencionar que mesmo outras atividades que já estavam incluídas nessa regra durante a vigência da Lei 8.630/93 continuam tendo conflitos, sobre o vinculo de emprego. Esses conflitos vão continuar existindo.  Mas houve alguns avanços, além disso, a mobilização dos trabalhadores por meio das federações e sindicatos conseguiu barrar o retrocesso que teria se a Medida fosse aprovada como foi publicada.  É uma grande vitória dos trabalhadores. Da forma como a Medida Provisória veio, seria terrível para a categoria, mas o trabalhador portuário conseguiu se mobilizar e barrar isso.
 
FNP: Quais são os desafios que a nova legislação traz para a classe trabalhadora?
 
Franzese: O grande desafio para os trabalhadores e para os sindicatos que os representam é a manutenção da mão de obra avulsa. O perfil da operação portuária está migrando para grandes operadores portuários. Isso em Santos já é bem visível, onde os pequenos operadores sumiram. Vemos que a política desses grandes terminais é o trabalho com vínculo de emprego. Então, os sindicatos precisam estar atentos a isso e exigir a qualificação da mão de obra avulsa, pois, esses terminais que vem se instalando operam com equipamentos cada vez mais sofisticados. Além disso, a própria modernização dos procedimentos portuários demanda qualificação da mão de obra. Antes tínhamos a anotação de movimentação de mercadoria feita manualmente, atualmente é eletrônica e em futuro próximo será por leitura ótica dos contêineres. Os sindicatos devem exigir que os Ogmos  deem essa qualificação para que uma vez negada a mão de obra avulsa, o obtenha um colocação e não fique de fora do mercado. Ocorre, que muitas vezes, os operadores portuários que controlam o Ogmo não tem interesse em qualificar esses trabalhadores, justamente para enfraquecer a categoria. O desafio é que essa qualificação aconteça efetivamente. O trabalhador tem que estar habilitado para exercer suas funções no mercado de trabalho atual.
 
FNP: A multifuncionalidade é outro desafio?
 
Franzese: A multifuncionalidade foi uma figura que se criou na lei e que não se regulamentou. Não se definiu o que seria multifuncionalidade. Em Santos houve alguns casos em que os próprios sindicatos laborais tentaram encaminhar isso. O Sindicato dos Rodoviários, por exemplo, ajudou na qualificação de trabalhadores que atuam na movimentação de carga. Em razão do número reduzido dos motoristas de capatazia atuando na função, um grupo de movimentadores de mercadoria foi habilitado a conduzir veículos, recebendo inclusive treinamento nas fábricas. Assim, eles podem também embarcar os veículos, uma atividade que cresce em determinado período, exigindo mais mão de obra. Esse sistema vem funcionado no Porto de Santos, mas é um entendimento entre dois sindicatos [dos movimentadores de carga e capatazia].
 
FNP: Como expandir a aplicação da multifuncionalidade?
 
Franzese: Se houvesse uma qualificação maior dos trabalhadores isso poderia ser aplicado de forma mais ampla e poderia ser disciplinado pelo governo. É preciso dar rumo, disciplinar qual qualificação oferecer, qual o quantitativo da mão de obra empregar na multifuncionalidade. Por exemplo, A CLT [Consolidação das Leis do Trabalho] antes disciplinava, por meio de uma fórmula, quando você poderia aumentar o quantitativo de trabalhadores avulsos de estiva. Havia um dado objetivo. Hoje, fica a critério do Ogmo e existem categorias que têm necessidade de aumento de mão de obra para adequação, isso poderia, inclusive, ser feito pela multifuncionalidade sem trazer trabalhadores de fora do setor.
 
FNP: A MP dos Portos (Medida Provisória – 595) publicada em dezembro não mencionava a Guarda Portuária. Por reivindicação dos trabalhadores houve alteração do texto e a Guarda foi mantida, ficou acertado ainda que a atuação da Guarda será regulamentado pela Secretaria de Portos. O que deve ser levado em consideração ao regulamentar essa atividade?
 
Franzese: A Guarda Portuária é uma atividade quase centenária. Ela é responsável por fiscalizar tudo que ocorre no porto, controlar o ingresso à área portuária, garantir segurança. A regulamentação deve levar em consideração essa finalidade. Ela não pode ter finalidade de guarda patrimonial. Ela até pode desempenhar essa função, mas não é sua atribuição principal. A função da Guarda vai além disso. O próprio ISPS CODE [sistema de segurança do porto] passa pela Guarda. Também é preciso fornecer estrutura e equipa lá com tecnologia que melhore a fiscalização e garanta mais segurança.
 
FNP: Quais são as expectativas para regulamentação da Lei dos Portos?
 
Franzese: Como comentei no inicio acho que o governo poderia ter avançado um pouco mais e regulamentar o que a Convenção 137 da OIT assegura. Uma das coisas que os trabalhadores sempre buscaram é a garantia de renda mínima.
 
FNP: Mas essa é uma questão que está sendo discutida pelo governo e que virá na regulamentação.
 
Franzese: Se o governo disciplinar os critério de acesso à renda mínima, teremos um grande avanço na legislação portuária, pois esse tipo de proteção ao trabalho portuário ainda não existe na prática. No quadro das negociações coletivas isso não tem avançado. Avalio também que o governo poderia por meio da legislação colocar de uma forma mais efetiva a obrigação do Ogmo de qualificar a mão de obra, oferecer treinamento. Não adianta só colocar um certificado na mão do trabalhador, é preciso treinamento para melhorar a qualidade da mão de obra. São pontos que se forem estabelecidos na regulamentação farão com que o trabalho portuário evolua.
 
FNP: Como o senhor avalia a mobilização dos trabalhadores durante a tramitação da MP dos Portos?
 
Franzese: Sem o movimento portuário não teríamos o resultado que tivemos. Vinha se falando de uma mudança no setor desde antes da última eleição presidencial. Então se dizia que se não saiu nada é porque não é bom para o trabalhador, se fosse bom seria publicado antes da eleição. De fato quando saiu a Medida Provisória, embora a presidenta tenha dito que não mexeria nos direitos dos trabalhadores, os reflexos negativos eram muito grandes. Os portuários não foram ouvidos antes da edição da matéria.  Eles passaram a ser ouvidos apenas após a realização de greve, quando a MP já havia sido enviada ao Congresso. Pela mobilização encabeçada pelas federações e sindicatos, os trabalhadores garantiram alterações ao texto original da legislação. Esse amparo ao trabalhador portuário só evoluiu por causa dos movimentos e da organização sindical. Se não houvesse organização sindical certamente não estaríamos no patamar que estamos.
 

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