Artigos e Entrevistas

MPV 595: Como preservar minimamente o conceito de Autoridade Portuária?

Fonte: Agência T1 / Cláudio Soares (*)



Primeiramente, parece unânime, pelas vozes mais equilibradas e democráticas do Congresso, de que não seria recomendável regularmos o comportamento de uma indústria por longo prazo com base em uma Medida Provisória. Instituto que dispensa, pelo seu conceito, a participação da sociedade na sua construção quando uma situação impõe concomitantemente urgência e relevância à mesma. Poderia a “relevância” ser entendida como algo “insuperável” e a urgência como algo “inadiável” no caso do parque portuário nacional? Esta análise justificaria uma Medida Provisória?
 
Bem, parece também que os debates ajudaram a alguns a redescobrir os portos no Brasil. Redescobriu-se que antes dos portos há uma deficiente infraestrutura logística, tanto no contexto físico como no tecnológico, que há um pesado sistema burocrático formado por órgãos do próprio Governo Federal vinculado à atividade portuária e dissociado da dinâmica operacional que o setor exige. Ao que parece ainda, resta uma dúvida conceitual entre a função premente de uma Autoridade Portuária moderna e a de um mero Distrito Fiscal da atividade.
 
Quando se assevera que as autoridades portuárias continuarão com suas funções preservadas, elencando como tais as funções de manutenção, fiscalização e de secretariado dos órgãos colegiados criados pelo Governo Federal, excluindo das mesmas as funções de planejamento e desenvolvimento portuário, acabam por decretar a falência do conceito de Autoridade Portuária no Brasil, transformando-as conceitualmente de agentes autônomos para agentes autômatos.
 
Meros conferentes do cumprimento de um projeto central conduzido por um rito também central, onde as Autoridades portuárias não participaram nem da concepção do projeto (master plan) nem do rito a conduzi-lo. Assim, a superconcentração de decisão sobre projetos portuários no Brasil superará as aspirações federativas e o natural dinamismo que o setor exige, submetendo o desenvolvimento portuário a uma lógica monolítica, dissociada dos modelos de sucesso no mundo.
 
Nesse período de debates houve vários momentos de divulgação de análise de dados sobre o desempenho da gestão das autoridades portuárias apresentadas de forma corrompida, passando à opinião pública a percepção de que a gestão dos portos públicos durante os últimos vinte anos, após a Lei 8.630/93, foi algo anacrônico e ineficiente.
 
Observa-se que, quando da conclusão do processo de privatização das operações portuárias em 1998, a partir de então, o país quintuplicou o seu fluxo de comércio internacional em termos de US$(FOB), passando de US$ 90 bilhões a US$ 460 bilhões em 2012, com 90% desse comércio realizado pelo parque portuário nacional.
 
Neste período, no Brasil, faltou exatamente o aprofundamento da autonomia e do aprimoramento profissional nas gestões dos portos públicos. Isto, como forma consagrada de combater as deficiências logísticas com o apoio das comunidades portuárias locais e dos órgãos do governo central, onde este último, no mesmo período, no contexto regulatório, caminhava de forma pró-ativa e dinâmica.
 
Não é por demais ressaltar a máxima de que integração não significa centralização. Contudo, na MPV 595 tal premissa parece ser negada e consequentemente desprezada a busca pela gestão compreensível para as autoridades portuárias do ponto de vista do desenvolvimento da atividade portuária local e regional, aprofundando a desnecessidade de povoar e formar nos portos públicos profissionais do setor, bastando apenas povoá-los de burocratas para os distritos fiscais, de forma a cumprir o rito e conferir a execução dos projetos determinados pelo poder concedente.
 
Em todo período de debates observou-se que a angustia do governo é capitaneada pelas barreiras de infraestrutura logística do país, onde estas dificultam sobremaneira o escoamento de nossas commodities agrícolas e minerais a preços mais competitivos no comércio internacional.
 
A preocupação é fundamental para o desenvolvimento do país, mas o remédio aplicado pode ter como efeito colateral a desarrumação daquilo que precisava apenas ser aprimorado e inovado em alguns aspectos regulatórios.
 
Questões como a necessidade de superar a burocracia crônica de órgãos federais inseridos no setor portuário, o estímulo aos investimentos na infraestrutura logística do país, com destaque ao empreendimento portuário e consequente regulação do seu ambiente competitivo, são elementos fartamente conhecidos no mercado.
 
Em outras palavras, precisávamos mais de uma evolução do que uma revolução. Uma Autoridade Portuária dinâmica e empreendedora, atuando como uma agência de desenvolvimento e de integração regional e continental pode ser capturada como exemplo através do próprio Porto de Rotterdam, instituto citado em alguns debates como ente inspirador da MPV 595.
 
Esta fantástica Autoridade Portuária promove o seu planejamento, busca a integração regional e continental sem submeter-se a uma orientação monolítica Europeia, inclusive participando em empreendimentos portuários privados como acionista, como é o caso do ECT – European Container Terminal, onde o Porto de Rotterdam detém em torno de 30% do capital acionário deste terminal. Perquiri-se que, o ambiente do setor portuário no Brasil pós MPV 595, reporta-se, para muitos, a um ambiente de boliche, onde ao derrubarem-se todos os pinos no primeiro arremesso (strike), a rearrumação dos pinos é uma questão de musculatura política.





(*) Cláudio J. M. Soares é doutor em Planejamento de Transporte COPPE/UFRJ e mestre em Transporte Internacional CARDIFF UNIVERSITY – UK
 

Imprimir Indicar Comentar

Comentários (0)

Compartilhe