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"A logística brasileira está de cabeça para baixo"

Fonte: ISTOÉ Dinheiro



Presente em três dos principais portos brasileiros – Santos (SP), Imbituba (SC) e Barcarena (PA) –, a Santos Brasil foi afetada pelo caos logístico que impediu o acesso de milhares de caminhões aos terminais portuários e provocou um dos maiores congestionamentos rodoviários de que se tem notícia no País. Para Antônio Carlos Duarte Sepúlveda, CEO da maior operadora de contêineres brasileira e que tem entre seus sócios o megainvestidor Daniel Dantas, a solução para esses gargalos passa por mudanças na legislação, capazes de destravar centenas de milhões de reais em investimentos. Sepúlveda falou com a DINHEIRO:
 
DINHEIRO – As filas de caminhões na Páscoa podem se repetir?
 
ANTÔNIO SEPÚLVEDA – Esperamos que não. Para minimizar os problemas, desde o domingo de Páscoa, separamos os caminhões graneleiros e os de contêineres. Os que transportam grãos ficam no acostamento esperando, como acontece no Porto de Paranaguá. Foi uma medida simples, mas que provocou um grande impacto.
 
DINHEIRO – O que causou o problema? 
 
SEPÚLVEDA – A falta de acesso é o principal gargalo do Porto. A maior parte das cargas chega ao terminal de caminhão, o que é um erro estratégico. A logística brasileira está de cabeça para baixo. Usamos principalmente o transporte rodoviário, e não usamos ferrovias e hidrovias. 
 
DINHEIRO – Os atrasos podem ter feito o grupo chinês Sunrise cancelar a compra de dois milhões de toneladas de soja? 
 
SEPÚLVEDA – Não sei precisar o que afetou esse contrato. Acre­dito que foi um problema comercial, pois a soja está sendo embarcada todos os dias. 
 
DINHEIRO – Como a deficiência de transpor­te ferroviário atrapalha o Porto de Santos? 
 
SEPÚLVEDA – Atualmente, os trens que passam pela capital paulista disputam espaço com o transporte público local, nas linhas operadas pela Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM). Os trens de carga só podem circular à noite. Pior, o traçado é muito antigo, da época do Barão de Mauá. Nossa estimativa é de que o transporte ferroviário corresponda a apenas 5% do movimento de cargas, quando esse número deveria ser de 30%. 
 
DINHEIRO – O que fazer para solucionar esse problema? 
 
SEPÚLVEDA – Já temos várias obras em curso, como a construção do viaduto que liga a via Anchieta à rodovia Cônego Domênico Rangoni. Uma solução paliativa é a obra na Avenida Fassina, no Guarujá, que servirá para escoar a produção de empresas como a Cutrale, e cuja conclusão está prevista para o começo do segundo semestre. Só essa obra poderia reduzir em 40% o número de veículos na Rua do Adubo. No entanto, essas soluções são paliativas. Com o crescimento futuro do porto, a Cônego Domênico Rangoni voltará a ficar saturada.
 
DINHEIRO – A safra de soja no Centro-Oeste deve crescer 25% neste ano e as projeções são de exportar 14 milhões de toneladas por Santos. Temos como fazer isso?
 
SEPÚLVEDA – O grão no Brasil deveria ser transportado de trem e não de caminhão. Uma solução seria levar o grão para a região Norte, através da ferrovia Norte Sul, para os portos de Vila do Conde, no Pará, e o novo terminal de grãos de Itaqui, no Maranhão. Isso aliviaria os portos no Sudeste. Também deveríamos investir mais no transporte hidroviário. Há projetos de duas eclusas no rio Tocantins. A construção delas vai começar só em 2014. Quando estiverem concluídas, o Tocantins pode se transformar em um novo corredor para a soja. Isso vai desafogar os portos do Sudeste. Outro problema é a ausência de silos. O Brasil armazena 60% de sua safra; nos países desenvolvidos é o dobro.
 
DINHEIRO – Como tornar os portos mais competitivos? E o trabalhador portuário?
 
SEPÚLVEDA – É preciso agilizar o trabalho das Autoridades Portuárias, conceder melhores acessos aos navios e agilizar a dragagem das calhas. Só assim podemos atender à demanda do comércio exterior. Além disso, é preciso permitir que o empresário possa escolher quem vai trabalhar para ele. Atualmente, essa decisão fica a cargo dos órgãos gestores de mão de obra (conhecidos como OGMO), que organizam a fila de trabalhadores. Isso vem criando desvantagens, mas, para que mude, é preciso alterar a legislação. Essa é a discussão da Medida Provisória (MP) 595, que prevê um novo modelo de concessão.
 
DINHEIRO – Essa MP causa discordância entre governo, concessionários e trabalhadores. Qual o ponto mais polêmico? 
 
SEPÚLVEDA – A principal proposta da MP, no que se refere à mão de obra, é permitir que os operadores de portos privados possam contratar empregados diretamente. As reações contra essa proposta chegaram a provocar uma greve de seis horas, no dia 22 de fevereiro. Penso que, se a lei mudar, será possível haver isonomia entre os portos estatais e os privados. 
 
DINHEIRO – Como assim?
 
SEPÚLVEDA – A MP 595 vem corrigir e aperfeiçoar lacunas da Lei dos Portos, de 1993. Um dos pontos mais importantes é a centralização nas decisões. Ou seja, o que hoje é decidido pelas Autoridades Portuárias locais passa a ser centralizado na Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) e na Secretaria de Portos (SEP), em Brasília. Essa decisão tem dois lados. O positivo é que, nos portos que foram construídos pelo Estado, só poderá haver terminais operados por empresas que ganharam uma licitação. Isso acaba com vários conflitos. O lado negativo é que os terminais licitados desses portos podem não ser tão competitivos quanto os portos privados, que geralmente são menores e não têm uma administração central. Esse é o ponto mais polêmico. 
 
DINHEIRO – Como melhorar a gestão dos portos? 
 
SEPÚLVEDA – O melhor modelo de gestão divide a responsabilidade entre a Autoridade Portuária, que arrecada o dinheiro, e os órgãos reguladores. A autoridade deveria administrar o porto, cuidar da segurança e fiscalizar o cumprimento dos contratos de arrendamento. Já o administrador cuidaria da melhoria do porto. Isso reduziria os custos administrativos e aumentaria a velocidade nas decisões. 
 
DINHEIRO – De quanto seria essa redução nos custos?
 
SEPÚLVEDA – É difícil precisar o percentual, pois a Autoridade Portuária enfrenta vários gargalos por conta da lei. As licitações e a compra de insumos, por exemplo, demoram muito para acontecer. É preciso reduzir a burocracia e ter decisões mais rápidas.
 
DINHEIRO – Santos é um porto caro?
 
SEPÚLVEDA – Os custos de Santos vêm caindo. As tarifas cobradas ali têm algumas variáveis que não aparecem em outros lugares. Contudo, o custo de Santos é menor que o dos portos americanos e maior que o dos asiáticos, que têm terminais monstruosos. Só para se ter uma ideia, eles movimentam 12 milhões de contêineres por mês, e nós movimentamos 1,2 milhão, um décimo disso. 
 
DINHEIRO – Como a MP 595 afeta a Santos Brasil?
 
SEPÚLVEDA – Ela balizará nossos investimentos. Na medida em que as concessões se tornarem mais competitivas, nós investiremos mais. Em 1993, conquistamos a concessão do Porto de Santos, com um lance de R$ 274,5 milhões. O contrato vale até novembro de 2022 e prevê a renovação por mais 25 anos. Queremos antecipar isso e, se conseguirmos, vamos investir R$ 700 milhões. Isso e a melhoria na infraestrutura permitirão elevar a capacidade de movimentação em 50%, passando de dois milhões de contêineres de 20 pés para três milhões. 
 
DINHEIRO – Como a Santos Brasil conseguirá esse dinheiro?
 
SEPÚLVEDA – No dia em que a presidenta Dilma Rousseff anunciou a MP, em dezembro do ano passado, ela afirmou que o Banco Nacional de Desenvol­vimento Econômico e Social (BNDES), o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal estariam ali para financiar parte dos investimentos. Além disso, podemos alocar recursos próprios e captar dinheiro no mercado ou fazer um aumento de capital por meio de ações. 
 
DINHEIRO – Onde se poderia construir novos portos para escoar a produção?
 
SEPÚLVEDA – Quando falamos em produtos a granel, grãos, por exemplo, temos de pensar em receber navios muito grandes, que precisam de calhas profundas. Eles têm de poder transportar muita soja para reduzir os custos. Assim, os portos tradicionais devem pensar em transportar contêiner, têm de ser pensados visando centros logísticos integrados, caso do porto de Suape, em Pernambuco. 
 
DINHEIRO – A Santos Brasil comprou dois milhões de metros quadrados perto de Imbituba. O que será feito nessa área? 
 
SEPÚLVEDA – Vamos oferecer um centro logístico para transporte de contêiner. Seguiremos a lógica mundial: aproximar a indústria do porto e reduzir o custo do transporte. Assim como Santos, Imbituba é uma concessão que vence em 2033. O que comercializamos é o terreno com infraestrutura, que demandará R$ 50 milhões. Já estamos negociando com uma montadora chinesa, que deve se instalar nos arredores. Ela negocia com o governo catarinense. Pode ser o primeiro cliente.
 
DINHEIRO – Existe uma disputa pelo controle da Santos Brasil entre Richard Klien (Multiterminais) e Daniel Dantas (Opportunity). Como isso prejudica o crescimento da empresa? Há uma solução no curto prazo?
 
SEPÚLVEDA – Não percebemos nenhuma interferência no nosso cotidiano, uma vez que a empresa não participa do acordo de acionistas. Tanto que crescemos 20% ao ano, nos últimos três anos, período da disputa. Não sabemos como está a disputa entre as partes.

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