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O preço da incerteza na questão portuária

Fonte: Correio Braziliense / Murillo de Aragão (*)


O Palácio do Planalto tem afirmado que não está disposto a discutir mudanças na medida provisória que trata da adaptação de contratos no setor portuário. No mínimo, essa posição prenuncia uma derrota no Congresso, pois os parlamentares parecem sensíveis à necessidade de alterações na MP. No máximo, a intransigência do governo gera risco de "judicialização" da questão dos terminais arrendados.
 
A consequência é clara. Um dos cenários que se apresentam põe em risco a estratégia governamental de implantar novos terminais privados, pois cria insegurança jurídica para os potenciais investidores do setor. O mero anúncio das discussões em torno do tema no Congresso já resultou na paralisação de investimentos de bilhões de reais. Todos querem saber, antes, o que vai acontecer.
 
O cerne da questão está no fato de que os atuais arrendatários têm argumentos legais para as suas reivindicações no âmbito judicial. Por exemplo, a Lei 8.630/1993 estabelecia que o Poder Executivo deveria promover a adaptação dos contratos de arrendamento anteriores a 1993, incluindo nessa adaptação o prazo de vigência de até 50 anos. A Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) chegou a editar a norma, a Resolução 1.837/2010, com os procedimentos para a adaptação e a prorrogação dos prazos. Porém, apesar de todo arcabouço legal, a adaptação nunca aconteceu, por inação do próprio Executivo.
 
No momento, a reivindicação para o cumprimento da legislação, mesmo que a Lei 8.630/1993 tenha sido revogada pela MP 595, tem apoio das principais entidades empresariais do país. Em reunião organizada pelo empresário Jorge Gerdau, em 31 de janeiro, em Brasília, diversas entidades discutiram mudanças na MP. Entre as que participaram estavam a ABTP (Associação Brasileira dos Terminais Portuários), a Fenop (Federação Nacional dos Operadores Portuários), a Abratec (Associação Brasileira de Análise Térmica e Calorimetria), a CNI (Confederação Nacional da Indústria), a CNA (Confederação Nacional da Agricultura), a Abdid (Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base).
 
Depois da exposição dos argumentos jurídicos feita pela ABTP, todas as entidades concordaram com a demanda para a adaptação dos contratos. Entre as razões apresentadas pela associação que representa os terminais portuários está o direito adquirido de adaptação dos contratos, mesmo após a revogação da Lei 8.630/1993. Ou seja, vai parar na Justiça, como eu e muitos imaginavam.
 
Os empresários portuários são unânimes quanto à necessidade de atrair novos investimentos para os portos brasileiros. Também apoiam a maior competição e a entrada de empresas privadas no setor. Competição gera oportunidades e todos as querem. Alguns desses conceitos estão na MP e devem ser mantidos, mas os empresários avaliam que as mudanças no marco regulatório deveriam ter sido amplamente discutidas com todos os setores — e não resultado de uma decisão interna do governo. Segundo eles, faltou diálogo.
 
A adaptação dos contratos, além de ser o simples cumprimento da legislação e de levar segurança jurídica para o setor, garante investimentos na ordem de R$ 10,3 bilhões (conforme plano de investimentos apresentado à chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, em maio de 2012) para a melhoria e a ampliação da infraestrutura dos portos públicos.
 
A fim de encontrar um bom termo, o Palácio do Planalto deve conversar com o segmento empresarial para discutir pontos críticos da MP. O Congresso deve fazer o mesmo.
 
O setor empresarial quer expor ao governo as especificidades e complexidade da operação portuária que não foram levadas em consideração na elaboração da medida provisória. Alguns detalhes acabaram passando despercebidos pelo Planalto, o que pode comprometer a viabilização de alguns pontos propostos pela MP e, ao contrário que propõe a medida, aumentar ainda mais a burocracia e dificultar a melhoria na eficiência dos portos. O próprio Congresso já havia percebido a necessidade de mudanças e apresentou mais de 600 emendas no texto enviado pelo Planalto.
 
O diálogo é necessário. Não apenas para restabelecer um princípio básico da administração pública, mas também para que se chegue a um consenso em torno de um item essencial para o desenvolvimento do Brasil.



 

(*) Murillo de Aragão
Cientista político e presidente da Arko Advice Pesquisas
 

 


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