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A Medida Provisória 595, os portos e a soberania do País

Paulo Rubem Santiago (*)

 
O Congresso Nacional instalou na quarta-feira, 20 de fevereiro, a Comissão Especial que analisará a Medida Provisória 595, enviada pela Presidente Dilma no final de 2012. A proposta anuncia a “modernização” dos portos brasileiros, com nova federalização, destacando-se a promessa de redução das tarifas, pois as atuais instalações portuárias são consideradas um dos elos mais fracos e onerosos da infraestrutura do país.
 
Para o leitor menos informado a concordância com a medida será imediata. Fala-se exaustivamente que nossos portos são caros, mal equipados e submetidos à baixa concorrência e investimentos, sem se explicarem, contudo, as causas disso tudo. Juntando-se as peças do quebra-cabeças logo se justifica a intenção do governo. Aos mais cuidadosos recomenda-se cautela. Sugere-se olhar para o outro lado do Atlântico, onde grupos poderosos buscam ativos interessantes a serem encampados em outros territórios, concentrando-se ainda mais as operações em áreas cruciais da infraestrutura dos chamados países em desenvolvimento. Esses grupos, impossibilitados de manterem seus lucros em aplicações financeiras e negócios na zona do euro, tragada pela longa crise que se arrasta desde 2008, miram agora para o lado de cá, como as expedições financiadas por Portugal, Espanha, Holanda e Inglaterra nos séculos XV, XVI e XVII.
 
Os chamados países em desenvolvimento, atropelados pela crise da dívida externa dos anos de 1970, da dívida pública e do câmbio nos anos de 1990, segundo o respeitado Professor Luiz Gonzaga Belluzzo afirmou anos atrás, foram capturados e compelidos a abrirem suas economias para a livre circulação de capitais, privatizações e aumento da dívida em papéis do tesouro nacional, receituário imposto pela globalização. Assim, atropelados, viram sumir suas capacidades de alavancar o desenvolvimento, permanecendo com baixo investimento público. Enquanto isso, há anos, já no século XXI, muitas das empresas chinesas, líderes já no Brasil de hoje em fusões e aquisições de empresas locais, empurram suas operações para além de suas fronteiras, como o fizeram americanos, alemães, espanhóis, suecos e outros no século XX.
 
Sem investimento, embora com alta carga tributária sobre os assalariados, gordas desonerações para os mais ricos e fartos créditos subsidiados pelo BNDES a algumas empresas, a infraestrutura continua precária, constantemente atacada, caminhando para ser privatizada. Agora o modelo é outro, o das concessões. Entre 1990 e 2002 o Brasil e países em situação similar entregaram muitas de suas empresas a preço de banana, aceitando-se papéis podres, em nome da redução do tamanho do estado na economia, do déficit público, o que geraria, a partir disso, o aumento de investimentos. Ficamos no meio do caminho. Agora se anuncia que, além do BNDES, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica financiarão investimentos para as concessões já aprovadas, feitas sob o argumento de que não tínhamos dinheiro para investir. O governo PT-PMDB clona as privatizações da era FHC.
 
A MP 595 quer promover mudanças, regulando a exploração pela União, direta ou indiretamente, dos portos e instalações portuárias. A medida, considerado o prazo desde o final de 1990, se soma as concessões antigas das ferrovias e, mais recentemente, de rodovias e aeroportos. Isso quer dizer que a infraestrutura do país passará paulatinamente às mãos de grupos privados, sobretudo estrangeiros, submetida cada vez mais às decisões externas e à desnacionalização, com a consequente exposição aos descontroles cambiais fruto das conhecidas remessas de lucros.
Ao lado desse movimento, desde 2008, frente à crise financeira mundial, a fazenda pública emitiu perto de R$ 300 bilhões em títulos públicos para o BNDES e agora se propõe a emitir R$ 21 bilhões para o Banco do Brasil e Caixa Econômica, uma espécie de orçamento paralelo, à margem da arrecadação de impostos e contribuições, com evidente aumento da dívida pública.
 
Mesmo assim a economia patina em taxas irrisórias de crescimento e investimento. A MP é recheada de boas intenções, ressalvas, cuidados e preliminares. Embora o artigo 36 da proposição defina quais são as funções das diferentes categorias de trabalhadores portuários, há o fundado receio de que, na prática, seus contratos de trabalho sejam realizados a prazo indeterminado, como se prevê no artigo 40. Sinais de precarização, de redução de direitos, em nome da “modernização” e da “competitividade”.
 
Por isso tenho dúvidas muito consistentes quanto aos reais interesses que pautam a edição dessa medida provisória. Um país que entrega sua infraestrutura ao capital estrangeiro, facilitando a formação de monopólios e submetendo exportadores e importadores aos mesmos, uma nação que mantém sua capacidade fiscal comprometida em quase 50% com os interesses dos credores, detentores dos papéis do tesouro nacional, com dívida pública bruta beirando 60% do PIB, se transforma, na prática, apesar da euforia com a atração de investimentos externos, em uma nova colônia no século XXI.
 
Em primeiro lugar paga a renda dos financistas com juros e amortizações. Em segundo lugar, por isso, dependendo de investimentos, entrega ativos estratégicos a conglomerados internacionais. Assim, em terceiro lugar, corroída a capacidade fiscal com a dívida pública, torna-se incapaz de operar investimentos robustos em educação, ciência, tecnologia e registro de patentes, seguindo com exportações de produtos básicos e de baixa tecnologia, com queda da indústria de transformação no PIB antes mesmo de chegarmos a uma elevada renda per-capta.  Entretanto, segundo o texto e justificativas da MP 595, passará o país a ter infraestrutura “moderna”, através da qual se dará ao luxo de exportar com mais competitividade bens de baixo valor agregado, importando outros de média e alta tecnologia. Nada mais agradável ao capital internacional, que ganhará ainda mais nas trocas, com um câmbio apreciado (ao nos exportar) e na remessa de lucros (dominando a infraestrutura).
 
Assim, em posição periférica, permanece o país, por isso, na divisão internacional do trabalho e do desenvolvimento. Vivos, se hoje fossem, Miguel Arraes de Alencar e Leonel de Moura Brizola certamente não ficariam calados frente a tantas facilidades aos capitais internacionais. Como está, portanto, a MP 595 não pode ser aprovada.



 

(*) Paulo Rubem Santiago, deputado federal pelo PDT-PE  

 


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Comentários (1)

Cileno Borges
Data: 01/03/2013 - 23h51
Uma das questões pontuais é:

como ficarão os trabalhadores portuarios avulsos; os empregados das administrações portuárias; as cias de docas e a propria guarda portuária.

E nesse mérito que o governo ainda não entrou. a forma como vão se dar as coisas, o daqui por diante. que participação passaremos a ter agora nesse país que não é só o governo que o quer mais competitivo e produtivo.

Ao que parece, ficará ao encargo do tempo nos dizer o que o governo afirma genericamente que nenhum direito trabalhista, nenhum milímetro, será retirado dos trabalhadores portuários.

igualmente, falar em esgotamento não seria no caso falar em interesse do governo em não querer mais gerir os portos, pois já vinha. a quase 2o anos, se envolvendo minimamente nas operações, por isso até hj, embora pareça paradoxal, as cias de docas ainda sejam operadores portuários?

A genese e a essencia dessa mp foi uma discussão e decisão unilateral, daí toda polêmica em torno da mesma.

Infelizmente, o proprio governo não preparou seu povo, seus trabalhadores de portos para absorver e superar as mudanças da forma como estão sendo pensadas, sendo que no patamar onde se tomam as decisãoe os trabalhadores são vistos apenas como peças que devem ser substituídas, pois agora parecem envelhecidas, improdutivas, onerosas e desqualificadas. Mas se esquecem do comprometimento que cada portuário tem com esse país, com a história, o progresso, o desenvolvimento, a valorização, a segurança e manuntenção da soberania deste e sua integração e reconhecimento com e pelo resto do mundo.

abs

Cileno Borges

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