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Empresas reduzem salários, atrasam impostos e sofrem com financiamento

Fonte: Valor Econômico
 
Parte significativa das empresas aderiu as medidas do governo para cortar salários, suspender contratos e adiar o pagamento de impostos, mas o uso das linhas de crédito de emergência não atingiu seu potencial. É o que mostra levantamento do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) com empresários que participam das sondagens de confiança da entidade.
 
Na quarta rodada do quesito especial sobre o impacto da covid-19 nos negócios, o Ibre/FGV ouviu 3,3 mil companhias em junho. Desta vez, o questionário abordou o acesso aos programas governamentais para conter os efeitos econômicos da pandemia e com que finalidade as medidas foram adotadas. Os resultados foram antecipados ao Valor. 
 
A redução temporária de salários e jornada de trabalho permitida pela Medida Provisória 936 foi a modalidade mais importante para o varejo ampliado, mencionada como a principal por 37,5% das empresas do setor, e também pelos serviços (34,9%). Na indústria de transformação, 27,9% fizeram uso da MP para cortar a remuneração dos funcionários, mas o programa de maior adesão nesse segmento foi a postergação do pagamento de impostos (36%). O contingente de empresas que atrasou o pagamento de tributos também é expressivo nos outros ramos: ficou em 29,9% na construção civil, 27,2% no varejo e 24,9% nos serviços. Também bastante acionada, a suspensão temporária de contratos foi usada por mais de 20% das firmas em todos os setores, com maior amplitude no comércio (25,9%).
 
Na outra ponta, o percentual das empresas que aponta as linhas de crédito como medida mais relevante do governo foi mais baixo em todos os segmentos. Os únicos ramos em que as empresas com essa avaliação superam 10% do total foram a construção e os serviços. “Todos os setores aderiram bastante a suspensão de contratos e redução de salários, e a postergação de impostos também ajudou que as empresas sustentassem empregos, mas o acesso ao crédito ficou abaixo das expectativas”, afirma Viviane Seda, coordenadora das sondagens de confiança do Ibre/FGV. 
 
Para Manoel Pires, pesquisador da entidade e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, os três instrumentos mais citados no levantamento são horizontais e “ajudaram bastante” as empresas a atravessar o pior momento da crise, que parece já ter ficado para trás. Se um número maior delas tivesse conseguido empréstimos, porém, a fatia de companhias que fez uso das outras três medidas teria sido menor.
 
“O crédito funcionou de forma imperfeita, e muitas empresas que não conseguiram acessá-lo apelaram para a redução de jornada”, diz ele. A maioria das empresas não obteve crédito. O único segmento em que há equilíbrio maior entre o percentual de empresas que acessou as linhas e não fez uso delas é a indústria de transformação, em que esses percentuais ficaram em 44,1% e 55,9%, respectivamente. Já no comércio, 80,1% das firmas não obtiveram crédito, ante 76,1% nos serviços e 75,8% na construção. Entre as empresas desse último setor que não contrataram empréstimos, quase um terço (29,2%) das empresas tentou, mas não conseguiu. Depois da construção, o segmento em que essa restrição mais ocorreu foi nos serviços (22,1%).
 
Entre as empresas que obtiveram crédito, conseguir capital de giro foi o principal objetivo, mencionado por 73,4% dos industriais e cerca de metade dos empresários do setor de serviços (50,7%) e da construção (48,7%). Segundo Pires, isso pode explicar por que o programa voltado a financiar a folha de pagamento de pequenas e médias empresas teve pouca demanda. “Muitas procuraram crédito mais para manter o capital de giro do que o quadro de funcionários.” A maior barreira para as empresas que relataram dificuldade para obter crédito foi a burocracia e outras exigências bancárias, segundo 41,8% das empresas de construção, 36,1% das indústrias e 33,9% das firmas de serviços. O segundo principal impedimento é o custo dos financiamentos: para 35,8% dos empresários industriais, as taxas de juros dos programas são elevadas. 
 
Viviane destaca que as empresas de menor porte foram as que mais tiveram problemas para acessar as linhas de financiamento, principalmente no comércio. Nesse setor, entre aquelas que tentaram obter crédito, mas não conseguiram, 64,4% são pequenas, e 30,5%, médias. Essas duas fatias também são elevadas nos serviços, de 53,5% e 22,8%, pela ordem. “Com as novas modalidades, talvez o crédito chegue mais a empresas pequenas e médias, mas num primeiro momento, se concentrou mais nas grandes.” 
 
“O governo ainda está buscando um modelo que funcione”, diz Pires. A dúvida é se as novas linhas, por terem chegado tarde, ainda vão servir como mecanismo de enfrentamento da crise. “Ninguém tem uma resposta clara para isso”, afirmou. “Mas há a possibilidade de que o crédito funcione mais como um impulso para a retomada do que como um seguro durante a crise.”
 

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