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Companhias já aderem ao home office permanente

Fonte: Valor Econômico
 
Os 150 funcionários que trabalhavam no escritório da LafargeHolcim, no centro no Rio de Janeiro, não vão mais voltar para lá quando a pandemia passar. Eles atuam na área administrativa da multinacional suíça que fabrica materiais de construção e, a partir de agora, vão trabalhar de casa. A companhia, que emprega 1.500 funcionários no país, vai entregar o imóvel do escritório carioca e estima economizar R$ 2 milhões ao ano, ao eliminar custo fixo com aluguel, condomínio, estacionamento, copa, manutenção e recepcionista. O teletrabalho para a área administrativa já era adotado uma ou duas vezes por semana, mas a pandemia foi o empurrão para que a prática fosse estendida em tempo integral nesta unidade, segundo a diretora de recursos humanos, Juliana Andrigueto.
 
Empresas ouvidas pelo Valor estão indo na mesma direção. Como a LafargeHolcim, algumas já decidiram entregar escritórios e colocar uma parte dos funcionários trabalhando definitivamente de casa após o fim da pandemia. Outras estudam adotar o regime para todo o efetivo e há ainda as que estenderam a permanência do home office para o fim deste ano ou 2021. A justificativa, em geral, é o ganho de produtividade que obtiveram nesse período experimental, além do corte de custos fixos com a manutenção de escritórios. A tendência, na visão delas, é que os escritórios virem espaços para reuniões, treinamentos e não representem mais o local para o expediente de trabalho.
 
“Nossa intenção é transformar os nossos escritórios em ambientes de convivência. O propósito do escritório vai mudar, ele vai ser o lugar de networking, de contato”, diz Benjamim Quadros, CEO da empresa de tecnologia BRQ, que tem quase 3 mil funcionários em dez escritórios, no Brasil e exterior. Ele diz que a companhia também decidiu que a partir da experiência com a pandemia, vai permitir que todos os funcionários exerçam suas funções de qualquer lugar. “Já entreguei 10% dos imóveis alugados e só não nos desfizemos de mais porque vamos ter que esperar para ver qual vai ser a dinâmica do cliente depois”, diz. Enquanto espera para ver a evolução do mercado, Quadros já renegociou vários alugueis, conseguindo até 50% de abatimento. 
 
Mas a redução dos custos fixos, segundo ele, foi equilibrada com o investimento que precisou ser feito para melhorar as plataformas digitais e comprar licenças para que todos pudessem atuar remotamente. Como uma empresa de tecnologia, ele conta que alguns funcionários já trabalhavam em grupos virtuais, em squads de criação, e se adaptaram rapidamente ao home office em tempo integral. “O que mais nos incentivou a adotar o trabalho remoto foi o ganho que tivemos em produtividade”, afirma. Em uma pesquisa interna, 50% dos funcionários disseram se sentir mais produtivos em casa e 72% afirmaram que ganharam em qualidade de vida. Entre os insatisfeitos aparece um percentual pequeno, em torno de 6%, principalmente da área de marketing que se sentiram menos criativos longe do contato pessoal com os colegas.
 
As relações mudam a distância, mas Quadros, diz que no seu caso nunca se sentiu tão próximo dos funcionários. “Simplificamos muito a estrutura hierárquica”, afirma. Durante a pandemia, a empresa adotou um sistema de agenda compartilhada, onde todos têm acesso. “Se eu tenho um ponto que preciso falar em determinado assunto, eu entro na reunião virtual sem precisar avisar”. A governança da empresa, segundo ele, está sendo repensada em todos os níveis.
 
O teletrabalho requer regras para que funcione com mais tranquilidade. Juliana Andrigueto, da LafargeHolcim, diz que algumas regras foram estabelecidas durante a quarentena e vão agora fazer parte de um manual de conduta. “Estabelecemos um horário limite para se marcar as reuniões, o respeito ao intervalo do almoço, a indicação para se evitar mandar mensagens de trabalho no fim de semana”, diz. No início da pandemia, os funcionários do Rio puderam buscar suas cadeiras, desktop, teclado e até o descanso para os pés. A empresa pagou um Uber para quem não tinha carro poder buscar.
 
Também passou a oferecer um auxílio home office de R$ 150,00. Não houve demissões, mas a antecipação de férias em alguns casos. “Alguns gestores eram resistentes ao home office, mas a experiência na pandemia os fez acreditar que dá certo”, diz Juliana. A comunicação foi reforçada e incentivada entre os gestores. “Para buscar um alinhamento é preciso se comunicar constantemente”, afirma. De olho na nova forma de trabalho, a advogada Débora de Paula, 31 anos, que atua na área de compliance e contencioso cível da LafargeHolcim no Rio, diz que já está programando almoços na casa dos colegas assim que a pandemia passar. Como não vai mais voltar ao escritório, essa deve ser a forma de manter o papo que antes ocorria na hora do cafezinho ou no self service. Ela está contente com a implementação do teletrabalho pois vai economizar o tempo de deslocamento e ficar mais próxima da família.
 
Seu marido trabalha em uma multinacional com sede no exterior e já faz home office há um bom tempo. Agora, os dois estão dividindo o espaço e se revezando no cuidado do filho de apenas um ano e meio de idade. Ela conta que quando foi tirar as coisas do escritório optou por não trazer a cadeira. “Preferi encher o carro com meus livros jurídicos”, diz. Como seu gestor já ficava em outra cidade, a relação de trabalho não vai mudar e ela acredita que os clientes na pandemia já se acostumaram com a realização de videoconferências. 
 
A CVC já tinha o plano de colocar 400 dos seus mais de 4 mil funcionários, no Brasil e exterior, em home office este ano. Depois da experiência remota por conta da covid19, esse número deve dobrar. “Queremos que nossos funcionários tenham mobilidade para trabalhar. Essa flexibilidade vai trazer qualidade de vida para eles, que vão economizar tempo e dinheiro e a empresa vai simplificar a sua estrutura física”, diz Marcello Zappia, diretor de gente e gestão da CVC. Ele diz que na pandemia foi possível perceber que não é preciso ficar 100% do tempo no escritório. “Acredito no modelo em que exista um contato olho no olho, e que uma parte se reúna fisicamente para manter a criatividade, mas o escritório vai ser um lugar de debate e de gestão do conhecimento”.
 
A sede da empresa, em Santo André, na região do ABC paulista, ocupa seis prédios. Em São Paulo, a CVC aluga um andar em um prédio de coworking, onde funciona o seu hub digital. “Estamos analisando o que vamos fazer”, diz Zappia. Além deles, possui 1,4 mil lojas de franquia. Em meio a pandemia, a maior empresa de turismo do país trocou de presidente, que começou a trabalhar remotamente. Houve redução de salário entre 25% e 50%, menos para a área de TI, que agora está acelerando a criação de uma plataforma unificada e a transformação digital de todos os negócios do grupo. Zappia diz que esse período da pandemia fez com que a empresa repensasse processos internos. “Antes, podíamos não considerar o pedido de alguém que queria ser contratado para trabalhar uma ou duas vezes por semana de casa, agora será diferente”, diz. A indústria do turismo vai ter que se reinventar, diz. 
 
Na Coca-Cola, o trabalho remoto foi estendido até o fim do ano para cerca de 600 profissionais, considerando terceiros e associados, que atuam nos escritórios da companhia. “O objetivo de ter grande parte dos funcionários em casa é contribuir para a segurança e saúde dos que não podem exercer suas atividades de forma remota”, diz Simone Grossmann, VP de RH da Coca-Cola Brasil, citando que a companhia possui nove engarrafadores que continuam operando para produção e distribuição. O home office começou no 16 de março, foi estendido à medida que a pandemia evoluiu no país e exigiu diversas adaptações. Segundo Simone, foi preciso repensar funções e reorganizar os times em novos papéis, priorizando o que era mais importante para o negócio da empresa diante de uma “crise inédita”.
 
Para ter certeza de que os times estavam seguindo na mesma direção, a companhia instituiu um feedback mensal entre funcionário e o gestor. Também realizou pesquisas para avaliar a experiência do trabalho remoto e mapear as necessidades que iam surgindo, como ajuda de custo para montagem de estação de trabalho, rodas de terapia em grupo e horário flexível para que cada pessoa ajuste sua rotina. Mais do que dar respostas prontas e definitivas nesse momento, Simone diz que a companhia tem realizado reuniões virtuais, que incluem o CEO, para atualizar as próximas decisões. “Essa troca é essencial para que todos saibam, com muita transparência, em que pé andam as coisas e entendam as prioridades”. 
 
A CI&T, multinacional de serviços de TI, também decidiu estender o home office de 2,3 mil funcionários até o fim de 2020. Pesou nesta decisão, diz Carla Borges, head of people, garantir a segurança e saúde dos funcionários, mas também a constatação de que os clientes da empresa iriam fazer o mesmo e estavam, de certa forma, confortáveis de lidar com os negócios de forma virtual. A decisão não será imposta aos funcionários. Aqueles que sentirem vontade de voltar ao escritório poderão fazê-lo a partir de agosto, quando ficarão prontas as mudanças no espaço físico para garantir o distanciamento social mínimo e novos protocolos. “Em um primeiro momento de re-ocupação, vamos permitir que até 30% das pessoas voltem se quiserem”, diz Carla, citando que a companhia tinha concluído a reforma de um de seus prédios e lançado um novo Prisma, espaço de cocriação e experiências, no pré-pandemia.
 
“Há um desejo das pessoas de usarem esses novos espaços, mas também há uma percepção de muita gente que não têm gostado da experiência do trabalho remoto. Nossas pesquisas indicam que quem mora sozinho e muitas mães, estafadas com a sobrecarga de tarefas, desejam voltar”, diz. Ao mesmo tempo, as pesquisas indicam que a experiência têm sido positiva e benéfica para outros. Como não há uma clareza sobre o que as pessoas de fato desejam com relação ao home office, o entendimento de que o teletrabalho exige mudanças no contrato e o fato de que a situação vivida atual não é “normal”, a CI&T optou por não tomar uma decisão definitiva. A executiva diz que o RH ainda quer estudar o impacto do teletrabalho em questões emocionais e em custos. “O teletrabalho pode até reduzir custos no curto prazo, mas no longo prazo, precisaremos garantir infraestrutura a todos e fazer desse formato uma estratégia para atrair talentos e um mecanismo saudável de trabalho”.
 
Este é, inclusive, um dos alertas que Paul Ferreira, diretor do centro de liderança da Fundação Dom Cabral, traz às companhias que avaliam a permanência do trabalho remoto. “Quem trabalha bem em casa e é mais produtivo será disputado pelas companhias. Mas essas pessoas vão saber desse diferencial e irão negociar benefícios diferentes, muito além dos tradicionais. Elas poderão pedir auxílio para infraestrutura e até para aspectos como ajuda na escolarização dos filhos. As empresas precisarão repensar esses benefícios”, afirma. A liderança, em sua visão, precisa se atentar também à questões envolvendo sobrecarga de trabalho, definição de metas claras e transparentes e comunicação eficaz e próxima. “Nossas pesquisas mostram que, em geral, as pessoas têm uma percepção positiva do home office. Mas suas preocupações com relação aos chefes permanecem. Elas se perguntam se o gestor está transmitindo de maneira eficaz as informações, se ele é capaz de avaliar bem o trabalho delas e se está colocando barreiras que delimitam a linha entre o pessoal e profissional”, diz Ferreira. 
 
O executivo Alexandre Gama, que vendeu a agência Neogama em 2002 e no ano passado montou a Inovnation, que já nasceu para atuar de forma 100% remota e reúne várias empresas e negócios diferentes, diz que o maior obstáculo sempre foi a mudança de mindset dos profissionais. “As oito horas de trabalho acontecem de forma não corrida, o corpo diretivo tem que alinhar a métrica e a performance conforme os interesses da empresa”, afirma. Ele diz que no formato remoto, sua estrutura é mais horizontal, há menos formalidade, os gestores fazem a distribuição de tarefas e as pessoas se organizam para fazer o que foi pedido da melhor maneira. “Dependendo da necessidade acionávamos um coworking para falar com clientes, ou marcávamos um café da manhã para nos encontrarmos e injetar o prazer das reuniões presenciais. Esse modelo vai predominar depois da pandemia.
 

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