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Demissões e redução de salário levam pais a trocar filhos de escola na pandemia

Fonte: Folha de S. Paulo
 
Unidades com mensalidades abaixo de R$ 800 dizem já ter fila de espera
 
“Quando o coronavírus for embora, eu volto para a minha escola?”
 
Há duas semanas a resposta à pergunta da filha deixou de ser fácil para Fábio Silva, 46 anos. Demitido de seu emprego durante a pandemia, ele teve que mudar a menina para um colégio com mensalidades mais baratas.
 
As demissões e reduções de salário já sentidas pelas famílias gerou um movimento atípico na rede particular para esse período, com pais buscando mensalidades com valores que caibam no novo orçamento doméstico. Escolas que cobram abaixo de R$ 800 dizem já ter fila de espera com o aumento da procura no último mês.
 
Silva foi demitido da loja de peças automotivas em que foi gerente por 14 anos. Sua mulher, que é dentista, parou de atender os pacientes por ser do grupo de risco da doença.
 
“Quando a pandemia começou, combinamos que não nos colocaríamos em risco. Minha mulher ia parar de atender, iríamos economizar o máximo e manter a melhor educação possível para os nossos filhos. Mas fui pego de surpresa com a demissão”.
 
A mensalidade de R$ 1.400 que pagavam na escola da filha de 9 anos ficou alta de mais para a família. Fábio tentou negociar um desconto, mas só conseguiu uma proposta para adiar o pagamento.
 
“Eu só iria empurrar essa dívida para frente”, disse.
 
Por indicação de uma amiga, eles decidiram mudar a menina para a escola Luminova, na Barra Funda, que tem mensalidade de R$ 620. Apesar de ser mais viável financeiramente, a mudança ainda traz preocupações para a família, que não conheceu pessoalmente a escola e os professores.
 
“A escola parece ser muito boa, não iríamos arriscar com a educação da nossa filha. Mas não tem sido fácil, ela chorou muito quando teve que parar de acompanhar as aulas a distância da outra escola. Ela ainda acha que, quando acabar a pandemia, vamos conseguir colocá-la de novo no antigo colégio, com os mesmos coleguinhas”, contou o pai.
 
A escola que Silva buscou faz parte de um novo segmento de colégios particulares que surgiu nos últimos anos. São unidades de grandes grupos educacionais que dizem ser “escolas conceito” para a classe C.
 
A Luminova, do grupo SEB, tem quatro unidades no estado de São Paulo, que tiveram dez novas matrículas em abril —mês em que não costumam receber nenhum novo aluno.
 
Nathan Schmucler, diretor de franquias da rede, disse que a procura tem sido de pais que tiveram redução no orçamento familiar ou que estão insatisfeitos com as aulas a distância ou a ausência delas nas escola que seus filhos estão.
 
“As famílias perceberam que essa situação vai perdurar por muito tempo e que as consequências da pandemia vão ser graves, por isso, já estão buscando alternativas”.
 
Ele projeta que as unidades da Luminova possam ter um aumento de 20% no número de matrículas no próximo ano. Inaugurada em 2018, a rede tem hoje 2.500 alunos e mensalidades, que chamam de low-cost, a partir de R$ 545.
 
A Escola Mais, que iniciou as atividades também em 2018 e mira nesse mesmo segmento socioeconômico, registrou nas últimas semanas 215 novas matrículas e recebeu outros 345 pais interessados.
 
“Já sabemos que não vamos conseguir atender a todos porque não há vagas para todas as turmas”, disse o diretor José Aliperti, sócio-fundador da rede que tem três escolas na capital.
 
Para ele, com a queda de renda, as famílias estão avaliando as despesas e sendo mais exigentes com as escolas.
 
Das três unidades, a que teve maior procura é a da Vila Mascote, na zona sul, onde há maior oferta de escolas. “As novas matrículas que tivemos são de alunos que estudavam em colégios da região, com mensalidades que são o dobro da nossa."
 
A rede tem mensalidades de R$ 730 para o ensino fundamental 2 e R$ 830 para o ensino médio. Todas as turmas são de período integral e têm aulas de inglês todos os dias.
 
O principal investidor da rede é o grupo Bahema, que nos últimos três anos passou a apostar na educação básica e comprou os colégios mais tradicionais de São Paulo, como a Escola da Vila e Escola Viva, ambas com mensalidades em torno de R$ 4.000.
 
“Tenho sentido que os pais estão questionando mais o que as escolas entregam. Em um momento de crise, eles vão avaliar não só o quanto pagam, mas também o que os filhos estão recebendo em sala de aula”, disse Aliperti.
 
Com o salário reduzido e o medo de não conseguir pagar a escola da filha, Naira do Prado, 34 anos, decidiu matriculá-la na Escola Mais, que cobra um valor cerca de R$ 200 a menos do que pagava na anterior.
 
A maior carga horária de aulas de inglês e o período integral também entraram na conta. “Pensei que seria uma economia a longo prazo, porque não vou ter que pagar um curso extra de inglês para ela. E o período integral pode me ajudar quando puder voltar a trabalhar fora de casa”.
 
Ela, no entanto, se preocupa com a adaptação de Sophia, 11, que está no 6º ano e estava na antiga escola desde o berçário. “Ela ficou muito triste por causa dos amigos, que estavam na mesma turma desde que ela era pequenininha. Eu expliquei a nossa situação financeira e ela entendeu, mas sei que está sendo difícil”.
 
ESCOLAS DE ELITE
 
Com mensalidades de R$ 12 mil, a escola Avenues, no Morumbi, também perdeu alunos com a suspensão das aulas presenciais.
 
Insatisfeitos com as atividades a distância desenvolvidas pelo colégio, pais decidiram rescindir o contrato e pedir os valores dos meses que ainda faltavam para o fim do ano letivo, que segue o calendário americano e termina em junho —na unidade, as famílias precisam pagar toda a anuidade antes do início do ano escolar.
 
A Folha conversou com dois pais que tinham os filhos matriculados na educação infantil e decidiram cancelar a matrícula por não concordarem com as atividades que a escola vinha oferecendo.
 
Eles não quiseram se identificar por receio de não conseguir vaga para as crianças de 4 anos em outros colégios de elite.
 
Outros dois pais também falaram que vão esperar o encerramento do ano e procurar outra instituição.
 
“Trocamos seis horas de aulas presenciais por 15 minutos de atividades remotas por dia, mas continuam nos cobrando R$ 12 mil. Não negociaram nada de desconto”, disse o pai de um menino de 3 anos.
 
Em nota, a escola disse que suas duas prioridades neste período são a saúde da comunidade e a continuidade do desenvolvimento e aprendizagem dos estudantes.
 
“Acreditamos que nosso programa de ensino a distância está entre os melhores disponíveis —de fato, mais de cem escolas já entraram em contato para saber mais sobre nossa abordagem”, diz.
 
Quanto às reclamações das famílias, a escola disse atender 900 famílias, com mais de 1.100 alunos e que, até o momento, duas famílias decidiram deixar a Avenues por estarem insatisfeitos com o programa de ensino a distância. “Respeitamos a decisão delas e desejamos muito sucesso na sua jornada em uma nova escola."
 
Os pais tentam vagas em unidades com perfil semelhante ao da Avenues e que, de preferência sigam o calendário americano ou europeu, para as crianças não perderem seis mais seis meses de aula.
 
São escolas como St. Paul’s School e Graded, que interromperam o processo de seleção de novos alunos, normalmente feito nos meses de abril e maio, por causa da epidemia.
 

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