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Um mercado arrasado

Fonte: O Estado de S. Paulo
 
Herança deste período de pandemia para o mercado de trabalho será dolorosa
 
 
A destruição de postos de trabalho e a corrosão da renda dos que conseguirem manter alguma ocupação remunerada durante a pandemia do novo coronavírus serão as mais devastadoras desde que algumas das principais instituições de pesquisa elaboram estatísticas confiáveis sobre o mercado de trabalho. E a herança desse período será também dolorosa: a superação da crise do emprego e da renda será lenta.
 
A taxa de desocupação, por exemplo, que vinha caindo desde o fim do ano passado, tendo ficado em 11,6% no trimestre móvel encerrado em fevereiro, poderá chegar a 17,8% ao longo do ano, de acordo com o Boletim Macro de abril divulgado pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre-FGV). Quanto à renda, até o primeiro trimestre deste ano se projetava uma recuperação de 1% em relação a 2019. A pandemia alterou completamente a tendência. Na média do ano, a queda real poderá alcançar 8,58% na comparação com 2019. Em valores, a renda efetiva média fechará o ano em R$ 2.206 por mês, ante R$ 2.413 em 2019.
 
Além de corroer emprego e renda, a pandemia da covid-19 está corroendo as informações básicas sobre o mercado de trabalho que poderiam estar oferecendo balizas mais seguras e confiáveis para a elaboração de políticas públicas destinadas a amparar prioritariamente os mais desprotegidos.
 
O Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) da Secretaria do Trabalho do Ministério da Economia, normalmente divulgado na terceira semana de cada mês com dados precisos sobre o mercado formal, isto é, com os números de trabalhadores com registro em carteira, não era divulgado desde janeiro por causa de mudanças na sua metodologia. A crise sanitária que começou a se agravar em março ampliou enormemente o problema, pois empresas e escritórios de contabilidade responsáveis pelo envio de dados ao governo reduziram drasticamente suas atividades, gerando o risco de subnotificação.
 
A realização da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) Contínua do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), bem mais ampla, pois inclui também o mercado informal e registra os casos de subutilização da mão de obra, enfrenta problemas típicos desse período. Durante a pandemia, as visitas domiciliares não podem ser realizadas. Sua realização por telefone trará imperfeições e distorções.
 
Estudos e projeções mostram um quadro dramático. A combinação de redução do número de empregados e de queda da renda efetiva média terá um impacto notável sobre a massa de rendimentos efetivos do trabalho. A redução prevista para o ano é de 14,4%, segundo o boletim do Ibre-FGV. O número final de 2020 ficará 3,2% abaixo do menor nível registrado desde o início da série, em 2012.
 
A perda não será homogênea. Situações pessoais, condições de trabalho, posição da empresa empregadora no mercado no período de recuperação - que, embora não se saiba quando, certamente virá - são fatores que naturalmente diferenciam as condições de alguns trabalhadores em relação às de outros. Mas as políticas públicas também podem gerar consequências não homogêneas.
 
A Política de Proteção de Empregos, por exemplo, citada pelo estudo, está voltada para o mercado formal, pois permite a possibilidade de suspensão de contratos de trabalho ou a redução dos salários, com a correspondente redução de jornada. Prevê-se que até 70% dos trabalhadores de empresas privadas estejam incluídos nessa política nos próximos meses. Isso pode chegar a até 30 milhões de trabalhadores, nas estimativas do governo. Proporcionalmente, salários mais baixos estão mais protegidos do que os mais altos.
 
O mercado de trabalho informal, cujas atividades são, em tese, mais resilientes que o formal às medidas de isolamento social - pois não estão sujeitas a controle mais rigoroso pelo poder público -, é afetado diretamente pela redução da circulação de pessoas e não tem políticas de compensação de renda tão eficazes como as destinadas ao mercado formal.
 

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