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Na rota da soja, caminhoneiros apoiam Bolsonaro, mas reclamam (e muito)

Fonte: Folha de S. Paulo
 
Há quase dois anos, em maio de 2018, caminhoneiros pararam o país durante dez dias. E desde então o fantasma de uma nova greve periodicamente amedronta o país.
 
Qual a chance de isso acontecer novamente? Pude ter um termômetro da situação na viagem de cinco dias que fiz há duas semanas pela BR-163, a rodovia da soja, entre Mato Grosso e Pará.
 
O relato da jornada de 1.500 km você pode ler na reportagem publicada neste domingo (1) pela Folha.
 
Sentados em rodinhas esperando para entrar em algum armazém, tomando chimarrão ou café em pátios e restaurantes de beira de estrada, caminhoneiros dão vida à rodovia, e por isso não perdi uma chance de prosear com eles.
 
Para sorte deste governo, eles em sua maioria ainda apoiam o presidente Jair Bolsonaro, como fizeram na campanha eleitoral de 2018. Mas também reclamam. E não é pouco.
 
Catarinense de Catanduvas, Márcio José de Almeida, 40, diz que o presidente é bem intencionado, mas esbarra na resistência de outros Poderes.
 
“Bolsonaro não tem culpa de nada. O homem tem projeto bom. Mas tem 300 que barram na Câmara. O nome do problema é Rodrigo Maia”, diz, numa beira de estrada em Sorriso (MT), maior produtora brasileira de soja.
 
Não por acaso, esse é o mote da manifestação marcada para 15 de março por bolsonaristas, e apoiada pelo presidente, para fazer pressão sobre o Congresso Nacional, que não estaria deixando o homem trabalhar.
 
Um exemplo de medida positiva que o Congresso barrou, diz ele, foi a proposta do presidente de ampliar a possibilidade de posse de arma, que incluiria caminhoneiros. A estrada, afirma, é perigosa.
 
“Caminhoneiro tem de ter direito a arma no caminhão. A gente é obrigado a dormir dentro da cabine, com um olho aberto e outro fechado”, afirma Almeida, há 20 anos na estrada.
 
Júnior Damas, 29, é mais crítico com relação ao presidente. Ficou feliz que Bolsonaro finalmente concluiu o asfaltamento da BR-163 até o porto de Miritituba (PA). Mas critica a qualidade da obra.
 
“A diferença do Jair Bolsonaro é que ele está fazendo. Só que tá fazendo mal feito”, afirma, apontando já a existência de novos buracos na pista.
 
Quatro dias antes da nossa conversa, o presidente tinha inaugurado o asfaltamento num trecho conhecido como Cachoeira da Serra, sul do Pará, onde tudo estava bonitinho.
 
“Até tartaruga na pista botaram no trecho que ele foi. Por que não levaram no Morro do Moraes, onde tem buraco?”, questiona, referindo-se a um pedaço em que crateras tomam a pista.
 
Embora o trecho até o porto esteja asfaltado, há outros que ainda viram um lodaçal na época de chuvas, como o chamado Morro do Pixe, no caminho para Santarém (PA).
 
A boa vontade dos caminhoneiros com Bolsonaro não é infinita, pois os fatores estruturais que levaram à greve anterior permanecem: alto preço do diesel e baixo valor do frete. A razão principal, apontam os motoristas, é a explosão no número de carretas nas estradas.
 
“Essa estrada aqui não comporta tantos caminhões. Antes o produtor esperava o caminhão. Hoje é o caminhão que espera o produtor”, diz Arcádio Lukianitz, 51, de Santa Rosa (RS).
 
Gilmar Mendes, 45, de Brasilândia de Minas (MG), diz que a greve mostrou a força da categoria, mas não representou ganho real para os caminhoneiros.
 
“Depois daquela greve, só transportadora grande se deu bem. O resto levou ferro”, afirma ele, 24 anos de estrada.
 
Ele estava esperando havia seis horas para descarregar no porto. Levou dois dias para trazer soja desde o Mato Grosso, enfrentando uma pista esburacada e sem sinalização.
 
“Um escoamento de soja do Mato Grosso como temos, era para ter pista igual do estado de São Paulo”, diz.
 
Armindo Schuster, 57, de São José do Cerrito (SC), parecia resignado ao ser abordado enquanto tomava chimarrão num pátio enlameado no porto de Miritituba, enquanto esperava para ser chamado para descarregar sua carga de 50 toneladas de soja, que trouxe numa carreta de 25 metros e nove eixos.
 
“O problema são os empresários, que botaram muito caminhão”, diz. “Caminhoneiro sofre que nem cachorro”.
 
Ele ainda dá crédito a Bolsonaro, que estaria genuinamente tentando melhorar a vida de quem vive nas estradas. “Pelo menos alguma coisa ele [Bolsonaro] fez. Eu tenho meu pé atrás sempre. Político é sempre corrupto”, afirma.
 
Schuster, no entanto, é contra uma nova greve. Acha que não adianta nada. “Nem o governo manda no preço do óleo. E frete é oferta e procura. Está sobrando caminhão na frente dos armazéns.” 
 

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