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Esfolando o desempregado

Fonte: O Estado de S. Paulo
 
Como forma de custeio do Programa Verde Amarelo, o governo previu a criação de uma contribuição a ser descontada do benefício do seguro-desemprego
 
 
Em novembro, o governo federal publicou a Medida Provisória (MP) 905/19, que, entre outros pontos, criou o Programa Verde Amarelo, para promover a geração de vagas de trabalho para jovens entre 18 e 29 anos. Na exposição de motivos da medida, afirma-se que a MP 905/19 “tem por objetivo estabelecer mecanismos que aumentem a empregabilidade, melhorem a inserção no mercado de trabalho e a ampliação de crédito para microempreendedores”. O programa foi apresentado como a principal medida do presidente Jair Bolsonaro para a retomada da economia, após a aprovação da reforma da Previdência.
 
No momento de sua publicação, a MP 905/19 gerou perplexidade. Além de incluir na medida uma grande variedade de assuntos, o que é vedado por agredir a boa técnica legislativa, o governo previu, como forma de custeio do Programa Verde Amarelo, a criação de uma contribuição a ser descontada do benefício do seguro-desemprego.
 
O que poderia parecer uma piada de mau gosto era precisamente o que constava no texto da medida presidencial. Colocou-se a conta do programa de um estímulo ao emprego sobre os ombros dos próprios desempregados. Em entrevista ao Estado, o secretário de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, chegou a dizer que a taxação do seguro-desemprego era “palatável, porque estamos permitindo que as pessoas que têm seguro-desemprego possam contabilizar esse tempo, já que vão contribuir para fim da sua aposentadoria”.
 
Mas o acinte da MP 905/19 com o desempregado foi além. A Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão vinculado ao Senado, revelou que a taxação do seguro-desemprego proposta pelo governo Bolsonaro não apenas custeia o programa de incentivo ao emprego, o que por si só já é um absurdo. Ela tem finalidade arrecadatória.
 
Ao avaliar o impacto do programa nas contas do governo, estudo da IFI indicou que a taxação do seguro-desemprego, tal como prevista na MP 905/19, pode render R$ 12,7 bilhões até 2024. Já o custo do Programa Verde Amarelo será, no máximo, de R$ 11,3 bilhões. Para chegar a tal valor, será necessário que se cumpra integralmente a meta de 1,8 milhão de novos empregos para jovens entre 18 e 29 anos, cenário considerado improvável. Mesmo nesse caso, o ganho de receita para o governo, nos próximos cinco anos, seria de R$ 1,4 bilhão.
 
Se for cumprida metade da meta, com a criação de 900 mil vagas, estima-se um custo de R$ 5,7 bilhões para o Programa Verde Amarelo entre 2020 e 2024, o que proporcionaria ganho extra ao governo de R$ 7 bilhões com a nova taxação. Se apenas for cumprido um quarto da meta, ou 450 mil vagas, o custo do programa em cinco anos seria de R$ 2,8 bilhões, rendendo um adicional de R$ 9,9 bilhões para o caixa do governo.
 
Vale lembrar que a meta do programa – gerar 1,8 milhão de novos empregos para jovens entre 18 e 29 anos – atinge quase metade (47%) do universo de 3,7 milhões de pessoas nessa faixa etária. A título de comparação, o Programa Primeiro Emprego, criado no governo Lula, gerou em três anos 30 mil vagas.
 
A proposta da MP 905/19 é escandalosa. Sob o pretexto de assegurar uma fonte de custeio para o programa de estímulo ao emprego, o governo criou uma taxação sobre os desempregados, taxação essa que, além de ultrapassar o valor total do programa, não tem nenhuma proporção com o seu custo real. Para uma despesa variável, o governo criou uma receita fixa sobre a parcela mais vulnerável da população, os desempregados. “Queremos mostrar que, se a meta de geração de vagas não for atingida, a renúncia será menor, e a arrecadação com a taxação continuará lá”, disse Rafael Bacciotti, autor do estudo da IFI.
 
Como se não bastasse, o programa de incentivo ao emprego dos jovens tem prazo de término. A taxação dos desempregados, não. Que o Congresso derrube, o quanto antes, tal aberração. Programa social deve colaborar com quem mais precisa, e não esfolá-lo ainda mais.
 

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