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A gente somos inúteis

Fonte: Correio Braziiense
 
“Na revolução em curso no mundo do trabalho, a maioria das profissões que existirão daqui a 25 anos, provavelmente, ainda não foi nem criada; mesmo entre as novas, algumas terão vida efêmera”


 
Ao examinar a medida provisória sobre a geração de empregos para jovens, devido aos jabutis incluídos pela equipe econômica no projeto do governo para criar quatro milhões de novos postos de trabalho, é inevitável lembrar do refrão da música Inútil, da banda de rock Ultraje a Rigor. Não só por causa do grande número de jovens nem-nem, fora do trabalho e da escola, sem condições de ingressar no mercado de trabalho devido à escolaridade precária (eram 23% dos 33 milhões de jovens entre 15 e 24 anos), mas também por causa de algumas ideias sem nenhuma chance de serem aprovadas pelo Congresso, como a taxação do seguro-desemprego e a extinção de várias profissões regulamentadas.
 
A medida provisória acaba com registros profissionais de jornalista, agenciador de propaganda, arquivista, artista, atuário, publicitário, radialista, secretário, sociólogo, técnico em arquivo, técnico em espetáculo de diversões, técnico em segurança do trabalho e técnico em secretariado, entre outros. Se levarmos em conta certas atitudes e declarações do presidente Jair Bolsonaro e a política adotada em relação à educação, à cultura e à imprensa, faz até certo sentido, pois existe realmente uma ojeriza governamental aos profissionais que atuam nessas áreas.
 
Jornalistas revelam o que certos poderosos não gostariam que fosse de conhecimento público; sociólogos estudam problemas para os quais as autoridades muitas vezes fecham os olhos; arquivistas classificam, preservam e organizam documentos que muitos gostariam que fossem incinerados; técnicos em segurança do trabalho denunciam condições insalubres e desumanas nas empresas; artistas fazem a crítica dos costumes e dos poderes. Por ironia, sobrou até para o empregado do lava-jato. Tudo bem que é preciso modernizar a legislação trabalhista, mas não precisa o governo meter uma mão peluda no mercado de trabalho para precarizar ainda mais profissões que estão passando por grandes transformações devido à revolução tecnológica. O governo deveria se preocupar mais com a sua reforma administrativa e as carreiras do serviço público, pois, essas sim, o mercado não resolve.
 
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), já se manifestou sobre a proposta do governo. Disse que vários dispositivos, entre os quais o que acaba com o registro profissional de jornalista, deverão ser retirados. A rigor, esse não é um assunto interditado ao debate, pois a comunicação, com as redes sociais, deixou de ser oceânica para se tornar galática e os jornalistas perderam o monopólio da notícia. Nada acontece sem que um cidadão com o celular ou uma câmera de segurança registre em tempo real. Entretanto, não tem sentido resolver a questão por medida provisória. Na revolução em curso no mundo do trabalho, a maioria das profissões que existirão daqui a 25 anos, provavelmente, ainda não foi nem criada; mesmo entre as novas, algumas terão vida efêmera, como tiveram o fax, o DVD e o iPod.
 
Não se resolve esse assunto com uma canetada. A medida provisória restringe as profissões àquelas que têm conselhos que as regulamentam, que são justamente as mais corporativistas e que transformaram seu mercado de trabalho em grande cartório. Mesmo as profissões mais valorizadas estão sendo muito impactadas pela inteligência artificial, como as de advogado e de médico. A propósito, a inteligência artificial deveria ampliar o acesso e baratear os serviços, e não encarecê-los ainda mais e elitizá-los, como acontece no Brasil.
 
O governo fez cálculos cabalísticos sobre a geração de emprego, com base em medidas que, a rigor, não aumentam a produtividade, apenas a exploração do trabalho, como medidas para reduzir indenizações e multas trabalhistas. Acaba até com o seguro para acidentes da trânsito, Dpvat, que é sabidamente impactado pelos acidentes com motoboys. Espera com isso criar 1,8 milhão de empregos por ano, uma meta chutada, que não pode servir para legitimar as maldades da equipe econômica, pressionada a resolver o problema do desemprego pelo próprio presidente Bolsonaro.
 

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