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Dois anos da reforma Trabalhista: o que mudou?

Fonte: Jota / Marcos Lemos*
 
1) Por que houve a necessidade de se fazer uma Reforma Trabalhista?
 
Reformas trabalhistas se notabilizaram como uma tendência global, especialmente na última década, focadas, especialmente, na tentativa de redução dos custos do trabalho.
 
Segundo estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT), citado pelo diretor técnico do DIEESE, Clemente Lúcio, 110 países promoveram mudanças em suas legislações trabalhistas entre os anos de 2008 e 2014, com ênfase em alterações relativas à jornada de trabalho, demissões coletivas, contratos permanentes e negociações coletivas, características muito presentes na reforma brasileira e que, via de regra, facilitam a criação de contratações menos onerosas, relações mais flexíveis e diminuição de obstáculos para sua interrupção.
 
Havia, ainda, particularidades na realidade brasileira que a distanciavam de outros países. Apenas no ano de 2017 o Brasil havia atingido número superior a dois milhões e seiscentas mil novas reclamações trabalhistas ajuizadas, se destacando como líder mundial em processos trabalhistas.
 
Esta alarmante característica foi enfrentada através de medidas trazidas pela reforma trabalhista e que, neste particular, se mostraram muito bem sucedidas. O ajuizamento de novas ações em 2018 ficou pouco acima de um milhão e setecentas mil, representativo de uma redução média de 34%, percentual que vem se mantendo ao longo de 2019.
 
Assim, embora o discurso que acompanhou a promoção da reforma trabalhista tivesse forte apelo na necessidade de incentivo à economia e na geração de empregos, áreas em que pouco contribuiu nos últimos dois anos, o alvo imediato da reforma brasileira foi o da redução do custo, direto e indireto, do trabalho.
 
Obviamente esta conclusão não significa que a reforma desprezou as bandeiras do aquecimento econômico e geração de postos de trabalho, longe disso.
 
Em um mundo cada vez mais globalizado a redução de encargos associados a mão de obra naturalmente favorecem a competitividade e, consequentemente, o implemento econômico e geração de empregos. Ocorre que os encargos trabalhistas compõe um de tantos outros itens que envolvem a análise de competitividade de um país, ao lado do sistema tributário, infraestrutura, logística, burocracia, confiança dos mercados, entre outros que, no caso do Brasil, ainda parecem atravancar uma retomada consistente da atividade econômica.
 
2) Com a Reforma, quais foram os principais ganhos para o trabalhador?
 
Podemos citar dentre os ganhos trazidos pela reforma trabalhista a garantia de condições semelhantes entre empregados terceirizados e aqueles diretamente vinculados a empresa contratante; a desburocratização para o recebimento do seguro-desemprego e saque do FGTS, decorrente da exclusão da obrigação de homologação sindical; e a permissão da rescisão do contrato de trabalho por comum acordo, solução especialmente interessante para aqueles trabalhadores que tinham interesse em pedir demissão mas não o faziam em razão da perda de direitos.
 
Não obstante, o principal ganho parece se relacionar com a efetiva possibilidade de preservação de postos de trabalho, em especial em momentos de dificuldades financeiras das empresas, como a que temos vivenciado.
 
Nosso ordenamento jurídico trabalhista, privilegiando a defesa do elo mais fraco em uma relação de trabalho, permeou-se por um histórico contorno intervencionista e protecionista, tornando-se tão inflexível que impossibilitava adaptações para minimizar os impactos de crises, setoriais ou globais.
 
É inegável que uma relação de trabalho protegida por uma grande quantidade de direitos e garantias seja algo desejável, ocorre que estas características acabam por onerar as contratações, contribuindo para que elas ocorram em uma escala menor ou se tornarem o alvo preferencial do empresariado na busca pela redução de custos,  especialmente em momentos de dificuldades financeiras.
 
Os altos custos inerentes à formalização de uma relação de trabalho contribuem, ainda, para o aumento de práticas tendentes a burlar a legislação trabalhista, como a contratação de trabalhadores como autônomos ou através de pessoas jurídicas, entre outras.
 
Diante deste quadro, a prevalência do acordado sobre o legislado, uma das grandes bandeiras da reforma trabalhista, pode se revelar como  uma excelente ferramenta para a realização de ajustes setoriais que favoreçam a preservação de empregos, além de possibilitar uma resposta rápida nos momentos de crise.
 
Na Alemanha, durante uma crise econômica que perdurou entre os anos 2000 até 2005, muitas categorias negociaram uma ampliação de jornada de trabalho, sem aumento de salário, contendo com isto uma debandada de companhias para o Leste Europeu, onde a mão de obra se apresentava barata e abundante. Esta solução pontual adotada pela Alemanha, por exemplo, não poderia ser adotada pelo Brasil sem as novas regras trazidas pela reforma.
 
3) E para o empregador, quais foram os principais ganhos?
 
A redução dos custos com mão de obra, especialmente através da flexibilização nas contratações através de contratos alternativos de trabalho, como o contrato intermitente e o teletrabalho, aliado a efetiva redução do passivo trabalhista, representado pela redução de cerca de 34% no numero de ajuizamento de ações, despontam, até o momento, como os principais ganhos ao empregador.
 
De certa forma, a fragilização das entidades sindicais, especialmente em decorrência da queda de arrecadação imposta pelas novas regras da reforma trabalhista, também pode acenar para outra aparente vantagem para o empregador, uma vez que um sindicato com escassez de recursos tende a ter maior dificuldade de representatividade e mobilização de sua categoria.
 
Basta dizer que no primeiro semestre do ano de 2019 houve um recuo de 41% no numero de paralisações decorrentes de greves ocorridas no país
 
4) Como estaria o mercado de trabalho hoje sem a Reforma Trabalhista?
 
Apesar da vacilante retomada da economia brasileira, esta sim, essencial para o real aquecimento do mercado de trabalho, é importante reconhecer algumas contribuições da reforma trabalhista.
 
O contrato de trabalho intermitente, modalidade de contrato instituído pela reforma trabalhista onde o trabalhador presta seus serviços de forma descontínua, recebendo apenas pelo período trabalhado, já responde pelo total de 101,6 mil vagas de trabalho criadas entre novembro de 2017 até julho de 2019, correspondendo a 15,4% do total de vagas criadas no Brasil, segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED) do Ministério da Economia.
 
Outras soluções trazidas pela reforma, com impacto direto na redução do custo de mão de obra, como a possibilidade de instituição de banco de horas sem a necessidade de intervenção sindical; a cessação da obrigatoriedade de pagamento das horas “in itinere” (remuneração paga ao trabalhador pelo tempo que este dispendia em transporte fornecido pela empresa); a possibilidade de contratação em regime de teletrabalho, onde não há o pagamento de horas extras; além da instituição do contrato intermitente de trabalho; entre outras, tendem a contribuir para a economia das companhias e a geração de um ambiente mais favorável ao investimento, com repercussão na geração de empregos.
 
5) Quais são os pontos positivos e os negativos da Reforma Trabalhista?
 
Dentre os pontos positivos, merece destaque a ampliação da possibilidade de negociações coletivas entre sindicatos e empresas, permitindo que o acordado prevaleça sobre o legislado.
 
A flexibilidade proporcionada por este instrumento tende a racionalizar a discussão em torno de determinados direitos e garantias rigidamente tratados pela lei, acondicionando-os as particularidades de cada setor e ao momento econômico pelo qual passam as classes empresarial e trabalhadora, característica essencial em um mercado tão instável quanto tem se mostrado o Brasileiro.
 
A diminuição no volume de novas ações e a consequente redução do estoque de processos na Justiça do Trabalho também podem ser apontados como pontos positivos da Reforma.
 
Quanto aos pontos negativos, podemos citar o inegável enfraquecimento do poder de ação do movimento sindical, ator fundamental na defesa dos direitos dos trabalhadores, além da frustração das perspectivas relacionadas ao crescimento do nível de emprego e da redução da informalidade no mercado de trabalho, pontos em que a reforma trabalhista em muito pouco pôde contribuir até o momento.
 
6) O que a Reforma Trabalhista ainda não conseguiu implementar?
 
Apesar da reforma Trabalhista ter entrado em vigor há quase dois anos, algumas de suas principais novidades ainda não foram plenamente implementadas, muitas delas pendentes de análise do Supremo Tribunal Federal (STF).
 
Desde sua entrada em vigor, em novembro de 2017, até agora, 12 mudanças foram questionadas através de 38 ações propostas diretamente no STF, que até então analisou apenas 2 destes temas.
 
Entre os temas pendentes de análise estão o contrato de trabalho intermitente, o índice de correção para pagamentos de créditos trabalhistas, o tabelamento da indenização por danos morais de acordo com o salário do trabalhador, a dispensa de participação de sindicatos na homologação de demissões e a adoção da jornada 12×36 sem necessidade de intervenção sindical.
 
Mesmo o dispositivo da reforma que instituiu pagamento de honorários de sucumbência, inclusive para beneficiários da Justiça gratuita, tido como o principal responsável pela redução do volume de demandas trabalhistas, também é alvo de ação perante o STF.
 
Por enquanto, o Supremo validou uma das alterações na CLT, relacionada ao fim da obrigatoriedade da contribuição sindical e declarou inconstitucional outra alteração que permitia o trabalho de mulheres grávidas em locais considerados insalubres.
 
Mais recentemente, outra questão envolvendo um dos pilares da reforma trabalhista veio a engrossar o caldo de incertezas relacionado à sua implementação.
 
Em decisão proferida no último mês de junho pelo STF, o min. Gilmar Mendes suspendeu o curso de todas as ações trabalhistas no país que discutam a validade de normas coletivas de trabalho que limitem direitos trabalhistas não assegurados constitucionalmente.
 
Neste caso está em jogo a análise da principal premissa da reforma trabalhista, qual seja, a prevalência do acordado sobre o legislado.
 
Assim, até a palavra final do STF, os assuntos pendentes de análise, na prática, não conseguirão trazer a segurança jurídica necessária para sua plena implementação, gerando incertezas especialmente na classe empresarial, que oscila entre não adotá-las ou executá-las de forma calculada, administrando os riscos de eventuais decisões desfavoráveis.
 
Portanto, em vigor desde o final do ano de 2017, a reforma trabalhista completa dois anos de vigência neste mês de novembro, período caracterizado pela consolidação de importantes mudanças nas relações de trabalho, intensa insegurança jurídica envolvendo a aplicação de algumas de suas principais inovações, tudo acompanhado por um efetivo sentimento de frustração quanto aos seus impactos na geração de emprego.

*Marcos Lemos é sócio da área trabalhista de Benício Advogados Associados.
 

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