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Damares Alves defende aumento da licença maternidade para um ano

Fonte: Folha de S. Paulo
 
Em entrevista, ministra se opõe à censura, promete ver família de Ágatha e elogia plano de Moro
 
No que define como política de fortalecimento da família, a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, quer que o Congresso amplie para um ano a licença maternidade remunerada.
 
A legislação trabalhista estipula um afastamento de quatro meses, que pode chegar a seis por opção do empregador. A ministra também quer a extensão da licença paternidade, atualmente de cinco dias.
 
Ao programa de entrevistas da Folha e do UOL, em um estúdio compartilhado em Brasília, Damares disse que visitará os familiares de Ágatha Félix, 8, morta no Rio de Janeiro por tiro que a família afirma ter vindo da polícia em um momento em que a polícia diz ter reagido a criminosos.
 
Afirmou que não defende censura de imagem de beijo entre pessoas do mesmo sexo e estimou que a Comissão da Anistia deixe de receber requerimentos em até três anos.
 
A senhora é uma das maiores críticas da violência contra crianças. Mas não se pronunciou publicamente sobre o assassinato da menina Ágatha Félix. Por quê?

Estava pronta para me pronunciar. Na verdade, tenho feito manifestação em diversos episódios que envolvem violência contra crianças. Trinta crianças são assassinadas por dia no Brasil. Essa marca precisa deixar de existir. No caso específico da menina Ágatha, em que eu inclusive chorei muito quando assisti ao vídeo de seu avô, não me pronunciei quando vi que estavam usando esse episódio para um embate político desnecessário. Não respeitaram a dor da família. Eu acho ridículo fazer esse debate em cima da morte de uma menina.
 
Não houve insensibilidade com os familiares da vítima?

A minha posição com relação à violência contra a criança é manifestada o tempo todo. Essa é a minha vida. Eu sou uma sobrevivente de violência na infância [a ministra sofreu abusos sexuais quando criança]. Todo mundo conhece a minha posição. Todo mundo sabe da minha indignação. Não me posicionei exatamente por isso. Vou visitar a família. Já estou procurando esse momento de estar com a família. Não quero holofotes e não vou nem dizer o dia que vou. Vou abraçar essa família. E precisamos saber do que essa família está precisando. Não vejo nos embates ninguém falando do que a família está precisando.
 
O presidente Bolsonaro deveria também visitar a família?

Deveríamos visitar todas as famílias que perdem uma criança, mas não temos condições de fazer isso. São muitas.
 
A senhora visitará a família da Ágatha. Vai convidar o presidente?

Eu vou convidar, sim. Vou falar com ele, sim.
 
Que políticas podem ser adotadas para proteger crianças em áreas de conflito?

O presidente se elegeu com um discurso muito forte de combate à violência. O pacote anticrime [proposto pelo ministro Sergio Moro] está aí, gente, é uma proposta espetacular do governo para enfrentamento da violência.
 
O pacote anticrime tem o excludente de ilicitude [proposta que permite ao juiz reduzir ou deixar de aplicar a pena em um policial que mate sob “escusável medo, surpresa ou violenta emoção”]. A medida é polêmica? Deve ser reavaliada?

É polêmica, mas eu sou a favor da medida.
 
Ela não pode dar aval para que policiais cometam crimes?

Não, acredito que não. Gente, por que nós temos que dizer que os nossos policiais são irresponsáveis o tempo todo? Nós estamos em uma guerra contra o crime. Do jeito que está não pode ficar.
 
O prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, tentou censurar uma história em quadrinhos com um casal homossexual se beijando. Foi uma decisão razoável? A senhora adotaria a mesma medida?

Esse episódio específico eu não acompanhei. Estava fora do Brasil, na Hungria. Estava extremamente ocupada. Não vou me posicionar com relação a esse episódio.
 
Mas a senhora defende a censura nesse caso?

Não, não defendo. Porque, se o material era para adulto, não era para criança, e se o pai quiser comprar e dar para a criança, a criança pertence à família. Se a família acha que deve dar, a família dá.
 
O prefeito então cometeu um erro?

Não sei se ele cometeu um erro, porque não conheço o conteúdo desse material.
 
É só um beijo.

A gente poderia conversar com o prefeito sobre isso, mas não vou dizer que ele cometeu um erro.
 
Em evento, em Budapeste, a senhora disse que o Brasil “voltou a ser um país da família”. O que isso significa?

O que quero dizer? Políticas públicas no Brasil vão fortalecer a família. A realidade da Hungria é totalmente diferente da realidade do Brasil. Que bom que eu fui lá, porque descobri que estamos anos-luz longe daquilo que gostaríamos que fosse feito para a família no Brasil. Por exemplo, licença maternidade na Hungria. São três anos. Olha que incrível? No primeiro ano, a mulher ganha 100% do salário. No segundo, 80%. No terceiro, 50%. Se quiser voltar ao trabalho no segundo ou no terceiro, pode voltar.
 
Defende que se aumente a licença maternidade no Brasil?

Eu defendo mais tempo da mãe com a criança em casa. E do pai também. Essa realidade do Brasil agora ainda não é. Podemos lutar por isso? Podemos. Vamos ter resistência? Muita. Mas a gente pode trabalhar.
 
Que período considera adequado?

Um ano para mim eu considero adequado.
 
E para os pais?

Gostaria muito que isso fosse aumentado também. Se a gente pudesse ter para os pais dois ou três meses, seria ótimo. Mas olha o problema que a gente vai ter ainda no Brasil para chegar a esse objetivo. A indústria vai reagir, o comércio vai reagir, mas a Hungria conseguiu.
 
A senhora pedirá ao presidente que negocie com o Congresso o aumento desse período?

Olha, já existem propostas no Congresso. E a gente pode caminhar, sim, nesse debate no Congresso. E é isso que eu quero falar: nós estamos trabalhando políticas públicas de fortalecimento da família.
 
A senhora pretende extinguir a Comissão da Verdade?

A lei é clara. Ela não é uma comissão permanente. É para julgar e receber requerimentos de violação e de direitos em um período. A maioria dessas pessoas já está muito velhinha, não temos de perpetuar essa comissão. Daqui a dez anos, ela não tem razão de existir mais, porque não haverá mais pessoas para pedir indenização e para ter seus diretos reconhecidos como anistiados. Então, vamos receber os requerimentos até certo período, não estabelecemos um prazo.
 
Mas muitos anistiados dizem que não sabiam que tinham direito e descobrem depois.

Mas a comissão já existe há alguns anos e inúmeras campanhas estão acontecendo.
 
Quando acha que ela deve parar de receber novos requerimentos?

Acho que mais no máximo três anos já acabaram esses requerimentos.
 
A senhora criticou uma reportagem do site AzMina sobre aborto em países onde a prática é permitida [o texto explica o aborto em condições legais e seguras].

Pedi ao Ministério Público para analisar se houve apologia ao crime. Aborto é crime, segundo o código penal, só há três excludentes [estupro, risco de morte para a mãe e feto anencéfalo]. E a forma como a matéria foi escrita, colocar o misoprostol na boca, segurar e engolir. Meninas podiam ser levadas a usar o misoprostol de forma indevida. A minha preocupação é: houve apologia ao aborto? Estão ensinando as meninas a usar o Cytotec de forma indevida?
 
Qual o limite entre a apologia ao crime e a liberdade de imprensa?

Tenho que proteger meninas e meninos neste Brasil. Tenho de proteger as mulheres. Observei ali um perigo. Que escrevesse sobre aborto, mas que não ensinasse como usar o misoprostol. Defendo a liberdade de imprensa, mas, no momento que se coloca a vida em risco, eu tenho de dizer à imprensa: cuidado, a liberdade de imprensa não pode ser maior que o direito à vida.
 
Como superar o atual déficit de cerca de 5.000 vagas no sistema educativo?

Me ajudem, pelo amor de Deus. Nos últimos anos, não houve investimentos em medidas socioeducativas no Brasil. Nos últimos cinco anos, só R$ 12 milhões. Eu tenho de construir agora 62 unidades para acomodar 5.000. Sabe quanto custa cada unidade? Entre R$ 15 milhões e R$ 18 milhões. Nós vamos precisar acolher essas crianças, elas têm um conflito com a lei. Deixá-los na rua é deixá-los em risco. Neste mês, vamos investir R$ 150 milhões: R$ 100 milhões da multa da Petrobras e R$ 50 milhões do caixa da pasta. Vamos começar a construir e vamos começar pelo Rio.
 
O presidente atribui à senhora o termo “terrivelmente evangélico”, que ele tem usado para definir a escolha para o Supremo Tribunal Federal. Religião não deveria ser condição irrelevante para o cargo?

Com certeza. E as críticas a quem ocupa o cargo público também têm de ser isentas de sua religião. A maioria da perseguição que eu recebi é porque sou pastora. Por que uma pastora pode ser ministra dos Direitos Humanos? No meu caso, houve uma perseguição religiosa. A religião não pode estar nesse embate e nessa forma. Então, o gestor público independe de sua religião ou orientação sexual.
 
Pelo Brasil ser um país laico, não se espera um comportamento de neutralidade dos magistrados em relação às suas crenças?

Neutralidade, imparcialidade e, mais do que isso, notório saber jurídico.
 
Em culto religioso, a senhora disse que é o momento de a igreja dizer à nação a que veio. O que isso significa?

Qual foi a ordem de Jesus Cristo para os cristãos? Cuidar dos desamparados e receber os estrangeiros. A igreja tem de sair de suas quatro paredes. Por exemplo, na interiorização dos venezuelanos, vou usar a igreja. Quero que a igreja mostre a que veio. Estou pedindo a cada igreja brasileira. Há uma denominação que tem 30 mil igrejas. Se apenas essa trouxer um venezuelano e cuidar dele, arranjar um emprego e pagar um aluguel até ele se estabelecer, vamos ajudar.
 

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