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Imposto de Renda penaliza cidadão que ganha menos

Fonte: Época / Luiz Gustavo A. S. Bichara*
 
Eliminação de deduções, com aumento da faixa de isenção, seria medida benéfica como política fiscal
 
 
O ano de 2019 iniciou com um perfil reformista nos pontos mais problemáticos da administração federal e o protagonismo é tomado pelo Poder Legislativo, que largou na frente não só na aprovação da reforma da Previdência, como também na questão da reforma tributária. Nesta última, é consenso que seu objetivo principal é a simplificação da barafunda tributária hoje existente, mas sem a pretensão de redução da carga fiscal em si. A proposta mais avançada (a PEC 45) curiosamente se concentra na alteração radical da tributação sobre o consumo, não tratando, todavia, da tributação sobre a renda.
 
O governo federal, por outro lado, embora ainda não tenha formalizado uma proposta, insiste na tributação das movimentações financeiras (proibindo, todavia, o uso da expressão “CPMF”), e dá sinais que poderia mexer na tributação da renda. Neste particular, indica que poderia alterar inclusive as regras válidas para o Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF).
 
Na tributação da renda, há aspectos consideráveis — opta-se por deduções de despesas, alíquotas de acordo com as faixas de riqueza do contribuinte, ou, simplesmente, se isenta aquele indivíduo que sequer possui o mínimo necessário à manutenção de sua própria existência.
 
O Brasil aderiu a essa forma de tributação há quase um século e desde o primeiro Regulamento do Imposto de Renda havia tabela progressiva para definição das alíquotas, sendo beneficiado pela isenção aquele que recebesse até 10 mil cruzeiros. Ajustes nas faixas de tributação vinham conforme a alteração de moeda.
 
Em 1993, início do Plano Real, houve uma breve experiência com a fixação da tabela através da Unidade Fiscal de Referência (UFIR) e a partir de 1996 passou a se observar valores em reais, sem reajustes até 2001. A faixa isenta era quem ganhasse até R$ 900 mensais. De 2001 para cá houve esporádicos reajustes, todos abaixo da inflação.
 
Hoje, mais de 20 anos desde a adoção do real, a faixa de isenção passou de R$ 900 para R$ 1.903,98, ou seja, aproximadamente o dobro da inicial. Ocorre que a moeda desvalorizou de forma superior às faixas da tabela do imposto de renda. A comparação ao salário mínimo é ilustrativa: em 1996 o salário mínimo era de R$ 112, de modo que, para chegar aos R$ 900 da faixa de isenção, o indivíduo poderia receber até 8 salários mínimos, depois disso era tributado. Hoje o salário mínimo é de R$ 998 e a faixa de isenção (R$ 1903,98) abrange apenas quem ganha até 2 salários mínimos. Ou seja, o cidadão de baixo poder aquisitivo fica prejudicado e tem grande parte de seus rendimentos reservados ao leão.
 
Para se ter uma segunda comparação, o ajuste na tabela com base no IPCA, que é o índice oficial de correção monetária do governo federal, medido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), levaria à faixa de isenção quem ganhasse R$ 3.660,95 por mês, ou seja, uma correção da ordem de 92,28%.
 
Fato é que a defasagem da tabela do imposto de renda acaba aumentando a arrecadação de forma indireta, gravando muito onerosamente aqueles de menor poder aquisitivo. Reajustes que apenas recompõem o poder de compra dos salários colocam os contribuintes sob alíquotas maiores de tributação em relação a seu real poder econômico.
 
Aqui não se pode esquecer da promessa feita pelo presidente ainda quando da campanha, que afirmou desejar expandir a isenção do imposto para quem ganha até cinco salários mínimos (R$ 4.990). A ideia estaria um pouco acima do ajuste pela inflação, mas ainda abaixo de quando da tabela do início do Plano Real, que contemplava indivíduos que recebiam até 8 salários mínimos.
 
Finalmente, é preciso lembrar que a equipe econômica do governo vem se manifestando pelo fim da possibilidade de deduções de gastos com saúde e educação para compensar uma possível diminuição de arrecadação com o ajuste da faixa de isenção e rumores da redução da alíquota. A ideia é interessante, especialmente ao se considerar que, embora as deduções sirvam como medida de garantia de um mínimo existencial do cidadão (preservação da saúde e educação), há estudos da receita federal que demonstram que tais gastos favorecerem apenas os 20% mais ricos da população, sendo que, nesse contingente, 86% são apropriados pelos 10% mais ricos.
 
Ou seja, a eliminação das deduções, desde que acompanhada por um aumento generoso na faixa de isenção, poderia significar uma boa medida em termos de política fiscal.
 
*Luiz Gustavo A. S. Bichara é advogado tributarista e procurador tributário do Conselho Federal da OAB
 

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