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Por que o governo teme tanto os caminhoneiros

Fonte: O Estado de S. Paulo
 
No País, o transporte de 82% da carga é feito por caminhões, o que eleva o risco de desabastecimento no caso de uma greve prolongada
 
A dependência do Brasil pelo transporte rodoviário tem dado cada vez mais força para os caminhoneiros. Hoje quase 82% da carga movimentada no País (exceto grãos e minério) é feita por caminhão, segundo estudo do professor Paulo Resende, da Fundação Dom Cabral. O desequilíbrio da matriz é agravado pelo baixo estoque da indústria e do varejo – o que eleva o risco de desabastecimento no caso de uma greve mais prolongada. Por isso, o governo treme a cada nova ameaça de greve, como a de maio de 2018.
 
 
Pelo levantamento da Dom Cabral, os supermercados trabalham com estoque médio de 10 dias; os postos de combustíveis, 5 dias; a cadeia de carne, que envolve a criação e a engorda dos animais, 7 dias; e a indústria de máquinas e equipamentos, 5 dias. “Uma paralisação mais longa desabastece linhas de produção e chega rapidamente à população”, afirma o professor.
 
Nos postos, segmento mais afetado na greve do ano passado, a estrutura de estocagem é limitada, segundo o presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo do Estado de São Paulo (Sincopetro), José Alberto Gouveia. Em m áreas urbanas, a capacidade de armazenagem está entre 10 mil e 15 mil litros de combustível – o que eleva a dependência do setor pelos caminhões, diz.
 
Os estoques dos supermercados dependem da estrutura física de cada estabelecimento. Mas, de acordo com a Associação Paulista de Supermercados (APAS), alimentos naturais, como frutas, legumes e verduras, duram 2 dias e laticínios e carnes, 10 dias.
 
Baixo investimento. O desequilíbrio no transporte brasileiro é uma herança do baixo investimento na infraestrutura do País nas últimas décadas e das escolhas que o governo fez pelo modal rodoviário. “Desde a década de 1980, todos os governos incentivaram a indústria automobilística. Hoje temos um número maior de caminhões do que a necessidade da economia”, afirma Resende.
 
O aumento do número de veículos, no entanto, não foi acompanhado pela expansão da infraestrutura. Em 15 anos, a média de investimento em transportes representou apenas 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) – segundo a Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), o País teria de investir anualmente 2,26% do PIB durante uma década para melhorar e expandir o transporte nacional.
 
O resultado do baixo investimento é que apenas 12% da malha rodoviária nacional é pavimentada. Em 14 anos, essa fatia avançou apenas um ponto porcentual. Além disso, a qualidade de 57% da malha existente é considerada regular, ruim ou péssima. “E isso aumenta o custo operacional do transporte”, afirma o presidente da Abdib, Venilton Tadini.
 
 
Somado a tudo isso, diz ele, há o fato de que a densidade relativa (km de estrada em relação à área territorial) da malha rodoviária brasileira é pequena se comparada a outros países com dimensão territorial semelhante. Dados da Confederação Nacional dos Transportes (CNT), mostram que nos Estados Unidos a densidade é de 431 km por 1.000 km² de área; na China, 359 km; na Rússia, 54,3 km; e no Brasil, 24,8 km. “O frete é resultado da combinação entre a baixa densidade rodoviária e a qualidade ruim das estradas”, diz Tadini.
 
Mudar esse cenário depende de investimento e de uma política de diversificação do transporte, como hidrovias, ferrovias e cabotagem (transporte pela costa do País). “Se quer resultado no curto prazo, invista em rodovias e hidrovias e na cabotagem, que trazem retorno mais rápido. No médio prazo, invista em ferrovias”, diz o presidente da CNT, Vander Costa. Para ele, o transporte sob trilhos é o modal mais adequado para a movimentação de commodities (soja, milho, minério de ferro, combustíveis, entre outros) na longa distância.
 
Mas, na opinião do ex-diretor da Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT), Bernardo Figueiredo, as ferrovias precisam diversificar a carga transportada além de minério e grãos. “Apesar da necessidade, não tenho visto movimentação do governo nesse caminho. As renovações de concessões deveriam contemplar o aumento do transporte de carga geral, mas estão deixando para depois. Essa é a medida mais importante para a virada desse setor”, afirma.
 
O especialista em infraestrutura da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Matheus de Castro, destaca que a dependência do modal rodoviário é tão elevada que não tem como ser solucionada nem no médio prazo. Sem considerar cargas a granel, a participação das estradas na matriz brasileira chega a 86%, lembra ele. “Isso é fruto de uma série de escolhas (de governos) e resultado de baixo investimento em infraestrutura. E os recursos ainda hoje precisam ser destinados às rodovias, já que elas precisam estar bem conservadas para o transporte atual.” Segundo Castro, para as ferrovias avançarem no País, é necessário melhorar a integração entre elas, para que uma concessionária possa transitar na malha de outra. “Hoje as concessões ferroviárias atuam de forma isolada.”
 
Procurado, o Ministério de Infraestrutura, que toca as negociações com os caminhoneiros, apenas respondeu sobre as medidas que vem adotando para melhorar o dia a dia dos motoristas.
 

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