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Uma reflexão sobre os intervalos de jornada no ambiente de trabalho

Fonte: Jota / Dhyego Pontes*
 
O que diz a CLT? Houve alguma mudança com a Reforma Trabalhista?
 
O que diz a CLT sobre a necessidade dos intervalos no horário de trabalho? Houve alguma mudança com o Projeto da Reforma Trabalhista? Questões como essas geram dúvidas para muitos empresários, que precisam conciliar o bem-estar de empregados com o acompanhamento dos níveis de produtividade e a necessidade de disciplina organizacional.
 
Pensando nisso, o artigo aborda como os gestores devem avaliar, sob o ponto de vista da legislação trabalhista, os intervalos inter e intrajornada, além de tópicos mais sutis, como o uso do banheiro e demais pausas no horário de trabalho.
 
Curiosamente, os intervalos intrajornada ainda despertam muitas dúvidas no ambiente empresarial. No entanto, a CLT, em seu artigo 71, é bastante clara quanto a obrigatoriedade e os limites previstos para este intervalo, destinado, em essência, para o descanso e para as refeições do trabalhador. Diz a CLT:
 
“Em qualquer trabalho contínuo, cuja duração exceda de 6 (seis) horas, é obrigatória a concessão de um intervalo para repouso ou alimentação, o qual será, no mínimo, de 1 (uma) hora e, salvo acordo escrito ou contrato coletivo em contrário, não poderá exceder de 2 (duas) horas.” (Art. 71 da CLT)
 
A CLT ainda estabelece que, para jornadas que ultrapassam 4 horas, os intervalos intrajornada devem ser de 15 minutos (desde que não excedam 6 horas de trabalho). Dentro deste contexto, a CLT ainda estabelece, em seus parágrafos 3º e 5º do Artigo 71, duas exceções nas quais o limite de uma hora para descanso pode ser reduzido:
 
1. Por ato do Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, quando verificado que o estabelecimento atende integralmente às exigências concernentes à organização dos refeitórios, e quando os respectivos empregados não estiverem sob regime de trabalho prorrogado a horas extras.
 
2. Para casos específicos, como nas jornadas de motoristas, cobradores, operadores de veículos rodoviários, empregados do setor de transporte coletivo de passageiros e trabalhadores que atuam com fiscalização de campo, levando em consideração a primeira hora trabalhada e o início da última hora trabalhada, desde que previsto em convenção ou acordo coletivo de trabalho […] mantida a remuneração e concedidos intervalos para descanso menores ao final de cada viagem.
 
Mas e a Reforma Trabalhista?
 
Primeiramente, é importante deixar claro que a Lei nº 13.467/17, que trouxe modificações importantes na normatização das relações de trabalho no país, não exclui ou altera os pontos centrais do Artigo 71 da CLT. O que a nova lei trouxe, por meio da inclusão do artigo 611-A na CLT, foi a possibilidade de que os acordos coletivos ou convenções coletivas prevaleçam nas decisões sobre os intervalos intrajornada, desde que respeitado um limite mínimo de 30 minutos para jornadas superiores a 6 horas. Tal possibilidade pode ser vista como positiva, uma vez que torna as relações de trabalho mais flexíveis, sem, no entanto, ferir com os direitos de descanso do trabalho. Todavia, é fundamental que os sindicatos hajam, de fato, como representantes dos trabalhadores para que os acordos sejam positivos e equilibrados, tanto para os empregadores quanto para os empregados.
 
Vale apontar também que por meio de uma modificação no § 4º do Artigo 71, agora está normatizado que, para os casos nos quais os intervalos intrajornadas forem, por exemplo, apenas parcialmente concedidos pelo empregador, este ficará obrigado a indenizar o empregado apenas do período suprimido, com acréscimo de 50% (cinquenta por cento) sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho.
 
Antes da reforma, o entendimento era de que o empregado tinha direito de ser indenizado sobre todo o período do intervalo, independentemente do período que fora suprimido.
 
A questão da interjornada
 
Quando falamos dos intervalos interjornada, estamos nos referindo ao período mínimo de descanso que um empregado deve ter entre duas jornadas distintas de trabalho. Para este ponto, a CLT, novamente, é bastante clara e, por meio do seu Artigo 66, estabelece que:
 
“Entre 2 (duas) jornadas de trabalho haverá um período mínimo de 11 (onze) horas consecutivas para descanso.” (Art. 66 da CLT)
 
A Reforma Trabalhista não trouxe modificações quanto a questão dos intervalos interjornada e, em caso de descumprimento da norma, a Súmula nº 110 do TST explicita que:
 
“No regime de revezamento, as horas trabalhadas em seguida ao repouso semanal de 24 horas, com prejuízo do intervalo mínimo de 11 horas consecutivas para descanso entre jornadas, devem ser remuneradas como extraordinárias, inclusive com o respectivo adicional.” (Súmula nº 110, TST).
 
Com esse entendimento, por exemplo, a 5a Turma do TRT-MG, em caso de 2009, manteve a condenação de uma fundação ao pagamento de horas extras a um funcionário, em virtude, justamente, do descumprimento de intervalos interjornada. Para tanto, foram analisados os cartões de ponto do trabalhador, que comprovaram tal descumprimento da norma trabalhista.
 
Pausas e uso do banheiro
 
Por fim, vale a pena comentarmos um ponto mais sutil e que pode gerar diferentes interpretações dentro da esfera trabalhista: afinal de contas, uma empresa pode limitar o uso do banheiro ou disciplinar pausas que vão além da obrigatoriedade do descanso interjornada?
 
Antes de tudo, para esta questão, é recomendado muito bom senso por parte dos empregadores. Embora esteja dentro do direito de uma empresa o estabelecimento de regras que visem manter a disciplina e a produtividade no ambiente de trabalho, ações como a limitação do uso do banheiro, por exemplo, podem trazer sérios prejuízos para uma organização.
 
Foi o que ocorreu com uma empresa de telemarketing de São Paulo, que acabou condenada pela Sétima Turma do TST a indenizar uma empregada por danos morais, em virtude da imposição de restrições de tempo e de horários preferenciais para o uso do banheiro, ferindo assim – na visão da Sétima Turma – o direito a intimidade e a personalidade da empregada.
 
Neste sentido, é preciso muito cuidado das empresas para que, com o intuito de manter a organização do ambiente de trabalho, não acabem sendo punidas por rigor excessivo e abuso de poder na determinação de normas internas.
 
Quando observado, por exemplo, um excesso de pausas fora do intervalo intrajornada do empregado, o recomendado é que seja feita uma avaliação caso a caso, verificando se a produtividade está sendo ou não mantida, se há algum problema de saúde com o colaborador (para as situações de idas excessivas ao banheiro) ou se, de fato, o comportamento do empregado tem relação com desídia, desinteresse ou desatenção com o trabalho.
 
Para o último caso, é sempre recomendada um acompanhamento mais próximo do colaborador – primeiramente com alinhamentos e feedbacks, seguidos de advertências e, só então, medidas mais severas de punição.
 
De todo modo, é muito importante que a empresa não se precipite, leve sempre em consideração as leis trabalhistas e, em caso de dúvidas, busque o suporte de especialistas para que não sofra com autuações ou processos.
 
Afinal, em matéria trabalhista, precaução e bom senso são, sem dúvidas, os melhores remédios.
 
*Dhyego Pontes, consultor trabalhista e previdenciário da Grounds.
 

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