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Assédio sexual no trabalho é responsabilidade da empresa

Fonte: Jota / Nathália Waldow*
 
Prevenção é central para evitar as consequências jurídicas desse crime no ambiente laboral
 
A ONG internacional Humans Rights Watch divulgou em janeiro um relatório que conclui que há uma “epidemia” de violência contra a mulher no Brasil. O documento apresentou dados coletados até o final de 2017 e denuncia que havia mais de 1,2 milhão de casos de violência doméstica contra mulheres pendentes na Justiça brasileira.
 
A violência contra a mulher pode acontecer de várias maneiras: desde um assobio na rua a uma puxada de braço em uma festa, ou, ainda, investidas sexuais, violência doméstica, cárcere privado, tráfico de mulheres, feminicídio. Aqui, nos prenderemos a um tipo de violência  que ocorre em um ambiente em que deveria ser um dos mais seguros: o local de trabalho.
 
O Assédio Sexual no trabalho é definido no Código Penal, no artigo 216A como “Constranger alguém com intuito de levar vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente de sua forma de superior hierárquico, ou ascendência inerentes a exercício de emprego, cargo ou função”.
 
A lei 10.778/2003 traz a previsão de ser obrigatória a notificação de crimes praticados contra a mulher quando a vítima é atendida em serviços de saúde pública ou privada, estabelecendo, no artigo 1°, inciso II, que o assédio sexual é um dos crimes cuja notificação é compulsória.
 
Todavia, a Legislação Trabalhista, em que pese a recente reforma pela qual passou, não trouxe em seu texto nenhuma inovação sobre o tema, permanecendo silente quanto à prática do crime de assédio sexual.
 
Parece evidente que a lei deveria ter avançado neste ponto, mas
preferiu o silêncio ao aumento da proteção à trabalhadora.
 
Assim, atualmente, a abordagem deste tema acaba por ficar sob responsabilidade da doutrina e da jurisprudência firmada pelos Tribunais Brasileiros, que não têm evitado esforços para combater a prática do assédio.
 
O assédio sexual ofende a dignidade, honra, o direito de preservação da intimidade e da liberdade sexual da vítima. Diante dessas graves violações, o Direito do Trabalho admite dois tipos de assédio sexual no ambiente laboral: aquele cometido por chantagem (quid pro quo) e aquele cometido por intimidação (ou ambiental).
 
O primeiro ocorre quando o superior hierárquico condiciona a concessão de uma vantagem à troca de favores de cunho sexual do favorecido. Desta forma, caso o subordinado não cumpra a exigência, ele é ameaçado de perder o emprego ou qualquer outro tipo de benefício contratual.
 
Já no assédio sexual por intimidação não se faz necessária a presença da subordinação, bastando para sua caracterização importunações provenientes de incitações sexuais importunas, sejam físicas ou verbais, prejudicando a atividade laboral da vítima, ou ainda, causando uma situação ofensiva e hostil de intimidação ou abuso no ambiente de trabalho.
 
Assim, muito embora para a Justiça Criminal haja a necessidade de hierarquia para caracterizar o assédio sexual, para o Direito do Trabalho é plenamente possível haver assédio sem que haja subordinação.
 
Não obstante, enquanto na esfera penal o agente responsabilizado é o assediador, e apenas ele, no Direito do Trabalho a responsabilidade pela reparação à vítima é da empresa, em decorrência do previsto no artigo 932, inciso III do Código Civil.
 
A vítima do assédio pode pedir a rescisão indireta do contrato de trabalho, que acontece quando o funcionário pede demissão, mas possui os mesmos direitos de uma demissão sem justa causa: receberá todas as indenizações previstas em lei, como multa de 40% sobre o FGTS, projeção de aviso prévio, 13º salário e férias. Além disso, a vítima pode entrar com uma ação trabalhista pleiteando os danos morais sofridos e, em sendo o caso, danos materiais surgidos em decorrência do assédio. Em relação ao assediador, a empresa tem o direito de demiti-lo por justa causa.
 
Há, ainda, a possibilidade de realizar denúncia da empresa no Ministério Público do Trabalho, culminando na instauração de um processo administrativo. Verificada a irregularidade, o MPT poderá sugerir a realização de um Termo de Ajuste de Conduta, ou ainda aplicar multa à empresa.
 
Assim, vejamos um caso prático de assédio sexual levado ao Tribunal do Trabalho do Acre, onde restou-se caracterizado o assédio por chantagem e por intimidação praticado por um funcionário de uma empresa do ramo da agropecuária.
 
No caso, a ex-funcionária alegou em juízo que o gerente administrativo e financeiro a assediava na empresa, condicionando seu aumento salarial a um encontro a sós. Como ela se negou, não somente deixou de ter o pleiteado aumento como, também, sofreu retaliações do gerente, perdendo funções que exercia na empresa.
 
Neste ponto, o TRT entendeu que o assediador utilizava-se da sua condição de superior hierárquico para praticar a chantagem sexual. Assim, estava caracterizado o assédio sexual no ambiente laboral, mencionando, inclusive, que tal conduta configurava o ilícito penal tipificado no art. 216-A do Código Penal.
 
Mas não foi só. A ex-funcionária explicou no processo que o gerente também fazia gestos obscenos, comentários inapropriados dirigidos às empregadas, postando-se na porta para se esfregar nas trabalhadoras que ali passassem. Disse, ainda, que o gerente convocava as funcionárias para sua sala e em seu computador passava filmes de conteúdo pornográfico, dizendo que era para que aprendessem.
 
Neste ponto, o Tribunal também reconheceu o assédio, mas na modalidade ambiental ou por intimidação, que tornava o ambiente de trabalho hostil, repugnante e prejudicial ao bom desenvolvimento dos trabalhos pelas funcionárias.
 
Diante da conduta de seu funcionário, a empresa foi condenada ao pagamento de indenização pelo dano moral causado à sua ex-funcionária no valor de R$ 13 mil.
 
Infelizmente, centenas de casos como este tramitam na Justiça do Trabalho brasileira, onde juízes se deparam com um verdadeiro show de horrores aos quais as trabalhadoras são submetidas. O valor das indenizações geralmente varia entre R$ 5 mil e R$ 15 mil, embora esses valores possam ser muito diferentes de acordo com o entendimento de cada juiz, do capital social da empresa em questão e o salário da trabalhadora.
 
Tendo em vista os efeitos causados pelo assédio às vítimas, esses valores ainda são baixos.
 
As mulheres que passam por situações de assédio sofrem consequências que incluem
isolamento e deterioração das relações sociais, doenças físicas e mentais produzidas
pelo stress, abandono do emprego e até, em casos extremos, o suicídio.
 
Não obstante, é importante destacar que o assédio sexual atinge também a empresa e a sociedade. No âmbito empresarial, há uma diminuição da produtividade e possibilidade de afastamento por doenças desenvolvidas em decorrência do assédio. Além disso, há uma constante ameaça ao progresso da empresa, uma vez que não há desenvolvimento de espírito de equipe em um ambiente inadequado.
 
Para a sociedade, os malefícios são ainda maiores: custos a longo prazo para  a reinserção das vítimas ao mercado de trabalho, bem como o pagamento de aposentadoria por invalidez, para aquelas que desenvolvem doenças em decorrência do assédio e, ainda, uma vedação ao acesso das mulheres a trabalhos de alto nível e bons salários, já que estas são, em grande maioria, os alvos dos assediadores.
 
Para evitar os problemas envolvidos com assédio no ambiente de trabalho, as empresas precisam investir na prevenção desse tipo de conduta. É preciso conscientizar todos os colaboradores em relação aos comportamentos inadequados e criar uma relação de confiança para que as vítimas possam denunciar o assédio sem medo de sofrer retaliações.
 
Assim, com protocolos de acolhimento bem aplicados, a empresa estará se comprometendo com a causa, gerando um ambiente de trabalho mais seguro para as mulheres.

*Nathália Waldow, advogada, cofundadora da Associação das Advogadas pela Igualdade de Gênero, Raça e Etnia (DF) e diretora jurídica da Women Friendly, startup que certifica empresas e estabelecimentos comerciais que agem contra o assédio sexual.
 

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