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Avalanche de processos atrasa bons julgamentos ou gera decisões sem cuidado

Fonte: ConJur /  Pedro Paulo Teixeira Manus*
 
Esta ConJur traz interessante notícia a respeito de julgamento proferido pela 2ª Turma Recursal da Fazenda Pública dos Juizados Especiais da Justiça Estadual do Rio Grande do Sul (Proc. nº 71006489231/2016). Trata-se de ação judicial ajuizada por servidora pública, postulando horas extraordinárias e que não foi devidamente julgada, recebendo como decisão mera cópia de outra sentença em caso semelhante, proferido por outro juízo. A ementa do acórdão da 2ª Turma Recursal bem ilustra a hipótese:
 
“RECURSO INOMINADO. DESCONSTITUIÇÃO DEA SENTENÇA DE OFÍCIO. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. TRANSCRIÇÃO INTEGRAL DA SENTENÇA DE OUTRO MAGISTRADO. Ao transcrever na íntegra e exclusivamente como razões de decidir a sentença de outro magistrado, a decisão recorrida afrontou o princípio Constitucional de que todas as decisões devem ser motivadas (art. 93, IX, da CF), bem como descumpriu regra prevista no art. 489, inciso II, do CPC.
 
Assim, ante a absoluta ausência de manifestação do juiz sentenciante sobre os fatos debatidos nos autos, é inviável que o colegiado confirme ou reforme a deliberação judicial, sob pena de supressão de um grau de jurisdição. Precedentes. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA, DE OFÍCIO, RECURSO INOMINADO PREJUDICADO. “
 
Verifica-se, lamentavelmente, que houve mera cópia da sentença proferida por outro juiz, sob o argumento de que “os casos seriam iguais”, não tendo o pedido inicial merecido a necessária apreciação, assim como a prova dos autos, a fim da correta aplicação do direito, culminando com a conclusão do juízo a respeito da pretensão judicial.
 
A guisa de lembrança da prática utilizada na internet, a própria ConJur dá à notícia a curiosa e sugestiva vinheta (o nome dessas poucas palavras acima dos títulos das notícias) “CTRL+C, CTRL+V”, referindo-se ao procedimento utilizado para a simples cópia de texto.
 
Este fato revela uma preocupante realidade que vivemos em nosso Poder Judiciário, e que se caracteriza pelo excesso de processos que aguardam decisão e a necessidade de decisões devidamente fundamentadas.
 
É claro que este procedimento judicial à evidência não pode ser chancelado. E acreditamos que decorre da angústia com que vivem nossos juízes, em razão do excesso de trabalho que lhes é atribuído, e que causa uma constante agonia entre a necessidade de bem julgar de um lado, e a urgência na solução dos conflitos do outro.
 
Com efeito, se o já mencionado artigo 93, IX, da Constituição Federal exige decisões fundamentadas, antes dele o artigo 5º, LXXVIII, assegura a todos no âmbito judicial e administrativo a “duração razoável do processo”.
 
Todavia, vejamos a situação na Justiça do Trabalho, com os dados estatísticos fornecidos pelo site do Tribunal Superior do Trabalho, neste momento, e que se referem ao período de janeiro a outubro de 2016. As varas do Trabalho no Brasil receberam nestes dez meses 2.347.741 processos e julgaram 2.318.600.
 
Isso significa que este resíduo de pouco mais de 29 mil processos representou menos de 1% do total de processos recebidos, o que revela extraordinária capacidade produtiva, ainda que se compute nos processos solucionados acordos, arquivamentos e desistências. E podemos imaginar a que custo estes números foram alcançados!
 
É claro, como todos sabemos, que não se consegue julgar bem um processo sem o necessário cuidado para o essencial exame da petição inicial, da contestação e a devida análise da prova, culminando com uma decisão provida dos fundamentos de fato e de direito. E assim proceder com um volume razoável de feitos é perfeitamente possível, mas torna-se inviável quando temos uma verdadeira avalanche de processos.
 
Este volume extraordinário de processos ocasiona, na grande maioria dos casos bons julgamentos tardios, ou julgamentos rápidos sem o devido cuidado, como casos como o presente demonstram.
 
Eis uma das razões que reclamam uma urgente solução para a triste realidade em que nos encontramos, que pressionam os juízes em muitos casos a cercear o direito de prova e deixar de exercer condignamente sua nobre missão de arbitrar os conflitos.
 
Acreditamos que seja essencial criar mecanismos seguros e eficientes de solução extrajudicial para os conflitos que não necessitem de exame judicial, permitindo que o Poder Judiciário tenha condições de cumprir sua missão satisfatoriamente.
 
*Pedro Paulo Teixeira Manus é ministro aposentado do Tribunal Superior do Trabalho, professor e diretor da Faculdade de Direito da PUC-SP.
 

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